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A significação atemporal aplicada, como foi exposto, é determinada pela significação

atemporal. Está última é o conjunto dos diferentes significados de um determinado enunciado

convencional, enquanto a primeira é a aplicação de um dos membros desse conjunto. Já as significações atemporais e atemporais aplicadas explicam como se dá a convencionalização que permite que certos enunciados facilitem a expressão da significação do locutor, e é disso que tratam as ideias de procedimento no repertório e procedimento resultante expostos nas seções 3.3 e 3.4. Na seção 3.2 observamos uma protodefinição do que seria a significação de

ocasião, onde uma enunciação-tipo pode ser usada com uma significação diferente daquela

que os procedimentos determinam, ou seja, diferente de sua significação atemporal e que, embora as significações atemporal e de ocasião sejam diferentes, estão conectadas de alguma forma, a primeira exercendo um papel na determinação da segunda.

Na seção 3.5, a diferença entre as significações atemporal e de ocasião foi enfatizada, mostrando que são categorias distintas e que não podem ser reduzidas uma à outra. Indicamos que a significação de ocasião é explicada através da teoria das implicaturas conversacionais, tema do próximo capítulo, mencionando que Lenvinson concorda com essa visão. No próximo capítulo a conexão entre esses dois tipos de significação será exemplificada. Por hora, só a mencionamos.

Finalmente, visto que os procedimentos são formas de ampliar e facilitar a expressão da significação do locutor, fica claro que esta desempenha um papel crucial na análise da

significação atemporal que, por sua vez, é imprescindível para se determinar a significação atemporal aplicada, sendo esta última, por sua vez, necessária para a determinação e análise

da significação de ocasião. A significação do locutor, portanto, está na base da análise e determinação das demais significações não naturais. A figura abaixo sintetiza o que acaba de ser afirmado, onde Significação1 → Significação2 indica que a significação1 desempenha um

Neste sentido, toda significação não natural é por natureza intencional. É aquela que o locutor tem a intenção de comunicar. O que se comunica, primordialmente, é uma atitude proposicional que o locutor tem. Daí, podemos afirmar que, para Grice, a significação total de uma enunciação deverá ter sempre uma relação direta com a significação do locutor. As críticas feitas a definição de significação do locutor de Grice ignoram a diferença entre essas quatro categorias. Muitas das críticas, como ficou exposto há pouco, mostram fragilidades com relação ao modo como a atitude proposicional é comunicada, exploram questões sobre as condições que permitem que a atitude proposicional seja comunicada. Essas lacunas podem ser explicadas, em parte, pelo que se torna possível graças aos outros tipos de significação

não natural. Mais importante ainda, ignoram que os outros tipos de significação são apenas

meios para facilitar a expressão e comunicação daquilo que o locutor tem a intenção de comunicar: representações construídas com certos estados mentais intencionais.

O conteúdo da atitude proposicional é uma representação de um certo estado de coisas no mundo. Como os enunciados podem expressar essas representações (as proposições) torna- se possível para o locutor comunicar representações sobre o mundo. Seja descrevendo-o, como no caso das asserções, que expressam suas crenças, seja indicando qual estado de coisas ele tem a intenção de que seja o caso no mundo, como nos enunciados diretivos, onde o locutor expressa suas intenções.

4 IMPLICATURAS

Há certos tipos de inferências que ocorrem com tanta frequência no uso comum de línguas naturais que nos passam despercebido. Imagine o seguinte contexto: dois colegas, José e João, conversam sobre um terceiro colega, Francisco, que começou a trabalhar em um banco. José pergunta “o Francisco está se saindo bem no novo emprego?” ao que João responde “ele gosta dos colegas e ainda não foi preso”. O que João afirma de maneira explicita é a conjunção “Francisco gosta dos colegas e Francisco não está preso”. Porém, a resposta dada por João nos faz pensar que Francisco, de alguma maneira, não é muito honesto. A parte „ainda não foi preso‟ parece indicar que Francisco é o tipo de sujeito que poderia cometer algum tipo de ação desonesta no seu trabalho. João pode ter significado isso de uma maneira implícita, no entanto, explicitamente a única coisa que ele significou foi a conjunção “Francisco gosta dos colegas e Francisco não está preso”.

No uso de sentenças, os interlocutores devem pressupor certas informações. Existem várias pressuposições em um diálogo como, por exemplo, que os interlocutores falam a mesma língua, que eles compartilham certas crenças sobre o mundo e coisas semelhantes. Essas pressuposições fazem parte do pano de fundo conversacional. Algumas pressuposições, no entanto, estão diretamente ligadas às sentenças utilizadas. No exemplo utilizado acima, quando o locutor fala que “Francisco gosta dos colegas” os interlocutores devem pressupor que existe uma pessoa chamada Francisco, sobre a qual eles estão falando, que Francisco exerce uma função em algum tipo de instituição e que existem outras pessoas além de Francisco nessa mesma instituição. Essas pressuposições que estão diretamente ligadas às sentenças utilizadas em um diálogo são condições para a correta utilização da sentença em um contexto, apontam para fatos que devem existir no mundo para que a sentença possa significar algo. Uma definição de pressuposição bastante difundida, embora existam definições concorrentes mais aceitas hoje em dia, diz que ao utilizar uma sentença 𝖲1 os interlocutores

devem pressupor uma sentença 𝖲2 sse sendo 𝖲1 verdadeira ou falsa, a verdade de 𝖲2 é exigida

para que a enunciação de 𝖲1 faça sentido57. Pressuposições são desencadeadas por uma

sentença e pela negação da mesma. Quando utilizamos a sentença „Francisco gosta dos colegas e ainda não foi preso‟ devemos pressupor que (a) existe um indivíduo chamado Francisco, (b) que Francisco tem colegas, (c) que Francisco não está privado de sua liberdade, mas ao utilizar a sentença nada nos obriga a pressupor (nos termos definidos acima) que

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Definições semelhantes e mais esclarecimentos sobre o tema podem ser encontradas em (BEAVER, GEURTS, 2014).

Francisco não seja honesto. Ainda assim, podemos afirmar que João, de alguma maneira,

significou que Francisco não é lá muito honesto. Ou seja, João não afirma de maneira

explicita, nem pressupõe, mas, ainda assim, deu a entender que Francisco não é honesto. Note, entretanto, que teríamos as pressuposições (a), (b) e (c) mesmo com a negação da sentença, isto é, com „não é o caso que Francisco gosta dos colegas e ainda não foi preso‟, porém nos sentiríamos menos inclinados a inferir que „ele não é honesto‟ da sentença negativa. Esta informação que não faz parte do que é literalmente expresso pela sentença (a proposição “Francisco não é honesto”) e tão pouco pode ser tomado como uma pressuposição dos interlocutores acarretada pela sentença é o que Grice chamará de implicatura

conversacional.

O autor ainda identifica um segundo tipo de informação que não faz parte do significado convencional de algumas sentenças, não é tão pouco uma pressuposição e que apesar de estar muito próximo das implicaturas conversacionais é diferente destas. Podemos notar que em qualquer contexto em que se produza um espécime da enunciação-tipo „ele é político, mas, ele é honesto‟ estaremos permitindo que nossa audiência infira que há algum tipo de contradição entre ser político e ser honesto. Grice chamará esse tipo de inferência de

implicatura convencional. As implicaturas convencionais e conversacionais têm como

similaridade o fato de que ambas são conteúdos que não pertencem ao significado convencional das sentenças e não são pressuposições. Porém, como veremos, o modo como são inferidas é completamente diferente.

Neste capítulo, veremos como Grice define e diferencia os dois tipos de implicaturas. Logo em seguida, serão apresentadas algumas críticas à abordagem fornecida por Grice sobre as implicaturas conversacionais, discutindo sobre os pontos fortes e fracos dessas críticas. Por último, será discutido como as implicaturas conversacionais, entendidas como significação de

ocasião, ajudam a distinguir os campos da semântica e da pragmática.