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O abastecimento de água do território rural do município, por poço artesiano individual ou poço artesiano coletivo (caixa d’água comunitária) é precedido por pelo menos dois investimentos de infraestrutura que também contribuem, de modo determinante para a formação das localidades e povoados: estrada e energia elétrica.

Antes das estradas e da energia elétrica, as alternativas mais frequentes para o abastecimento de água na região Amazônica era a extração da água dos rios de água doce e a construção de poços rasos, também conhecidos como cacimba ou poços amazônicos. Há um relato entre os entrevistados sobre uma sequência em que inicialmente o

117 abastecimento era por água do rio, em seguida, por poços rasos e, depois, poços artesianos.

Com o adensamento populacional, essas alternativas de abastecimento iniciais foram sendo deterioradas, em ritmos variados, em virtude da poluição gerada pelo contingente populacional.

Em período recente, a energia elétrica é um componente fundamental na implantação dos poços artesianos, tanto individuais como coletivos, em virtude da necessidade do uso de bomba d’água. Mesmo com a disponibilidade de energia elétrica e da possibilidade do abastecimento de água por poço artesiano, algumas pessoas das localidades investigadas ainda têm abastecimento por água de rio ou poço raso, porém estas pessoas ficam mais expostas a problemas de saúde.

Foi relatado, na localidade do Km 12 do Montenegro, do distrito de Bragança, um caso de duas mortes por cólera em virtude da ingestão de água poluída por fezes de animais, no final da década de 1990. Em seguida, toda a população desta localidade reduziu, ou mesmo abandonou o hábito de beber água do rio e passou a ter seu próprio poço.

Outra entrevistada, na localidade do Tijoca, no distrito do Tijoca, relatou que, 20 anos atrás, a maioria da população bebia água do rio, e ocorriam muitos casos de diarreia, principalmente, entre as crianças; depois, a população foi se mobilizando e passou a ter seus próprios poços (amazônicos). Em 2007, passou a ter energia elétrica e, na sequência, chegaram os poços artesianos, e, segundo os relatos, os casos de diarreia entre as crianças praticamente desapareceram da localidade. A entrevistada é agente comunitária de saúde. No povoado Jesse Guimarães, distrito de Nova Mocajuba, foi instalado um microssistema de abastecimento de água em meados da década de 1980, pelo governo do Estado, inclusive com rede de distribuição instalada. Anos depois, com o sistema sem manutenção. a população local passou muitos anos sem abastecimento de água. Hoje, a bomba passa 5 horas para encher a caixa, e quando distribui, a água dura 20 u 30 minutos nas torneiras. Além disso, às vezes, ocorrem problemas com a bomba e a localidade passa até cinco dias sem abastecimento de água. Quando isso acontece, a população se abastece de água de poço boca aberta e de água do rio. Outro relato similar ocorre na Vila do Meio, distrito de Bragança, onde tem uma caixa de água de 20 mil litros que está parada dois ou três anos por falta de manutenção da bomba.

118 Uma agente comunitária de saúde informa que, nos dias de hoje, na localidade km 23 do Montenegro, distrito do Almoço, todo ano, no inverno, ocorrem muitos registros de crianças com diarreia. Este fenômeno acontece devido à água da chuva escorrer para o poço, que fica em um terreno baixo e arenoso, o que permite a infiltração da água, a qual escorre para os poços. Nesta localidade, há uma caixa d’água de 10 mil litros, mas apenas três famílias estão ligadas a este abastecimento, em virtude dos moradores não concordarem em pagar a taxa de energia elétrica e os custos com a tubulação até suas respectivas casas.

Segundo os relatos, a manutenção, caracterizada pela troca, incorporação e limpeza da caixa, conserto ou troca da bomba, pagamento da energia elétrica e tratamento da água, em sua maioria, é realizada pela própria comunidade. Nos casos em que a manutenção é realizada pela prefeitura, as caixas d’água são anexas aos estabelecimentos de ensino rurais municipais, e todas as atividades de manutenção são realizadas por funcionários destes estabelecimentos. Em um dos casos, conforme um relato, é a diretora da escola quem determina que a água seja liberada três vezes por dia para a comunidade.

A manutenção realizada pela comunidade consiste de coletas para a realização do pagamento da conta de energia e da manutenção. De um modo geral, percebe-se que não há um padrão definido para a realização desta gestão.

Quanto ao tratamento da água da caixa, conforme os relatos dos entrevistados, não ocorre de modo sistemático em nenhuma das localidades investigadas, nenhum entrevistado relatou um modo consistente no tratamento periódico da caixa de água de uso público da localidade. Esta situação remete a algumas perguntas, será que as pessoas das localidades sabem da importância do tratamento de água? Será que essas pessoas sabem dos riscos à saúde? Sem que as pessoas conheçam a importância do tratamento da água, como elas podem pedir este tratamento?

Um outro relato merece destaque, a construção de um empreendimento do programa Minha Casa Minha Vida no distrito de Caratateua, de algum modo irregular, prejudicou o manancial de água da localidade tornando-a barrenta e inviabilizando o seu consumo. O empreendimento se situa a mais de 10 km da localidade. Na mesma entrevista, foi citada a existência de uma invasão próxima, que também interferiu no abastecimento de água da localidade. Recentemente, foi implantada uma caixa de água comunitária nesta invasão.

119 Este pequeno conjunto de relatos revelam o quão dinâmico é o abastecimento de água da população rural de Bragança, é, metaforicamente, um organismo vivo que vai crescendo (ou diminuindo) e se transformando conforme as condições econômicas, culturais, sociais e políticas da população local.