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2. O PAPEL DO CONHECIMENTO

2.4. OBSERVAÇÕES PRELIMINARES DO OBJETO

As discussões feitas nessa pesquisa geram algumas inquietações tais como: será que existe uma forma singular de brincar, folgar e viver o Carnaval soteropolitano? Como no Carnaval ocorrem as interações entre os comportamentos normatizados oriundos das relações sociais a que o folião do Afoxé Filhos de Gandhy estaria sujeito? Como o Carnaval possibilitaria a interação, não só dos foliões do Afoxé Filhos de Gandhy, mas também, dos foliões em geral, e os seus modos de participação na festa?

As interrogações sobre a participação, principalmente dos foliões do Afoxé Filhos de Gandhy, no Carnaval soteropolitano, são direcionadas especialmente por duas situações. Primeiro, o espaço festivo do Carnaval é um momento de libertação de pulsões, brincadeiras gratuitas, exploração de excessos, entre outras práticas, que normalmente, a dinâmica das nossas relações cotidianas não permite serem expostas de maneira tão despretensiosa. Segundo, esse comportamento na cena específica dos foliões do Afoxé Filhos de Gandhy, sobretudo, se configura como performance masculina, heterossexual e viril. Há ainda uma atitude constantemente brincalhona durante sua permanência dos foliões na rua, com características comportamentais amplamente praticadas, pelos seus associados e conhecidos pelos foliões em geral no ambiente carnavalesco de Salvador.

Tal fato proporcionaria, entre outras atitudes, um modo tipicamente soteropolitano de viver a festa, pois, nesses espaços os sujeitos performatizam um comportamento que chamo de descaração, ou seja, atitudes jocosas gratuitas com conotações lascivas que são amplamente praticadas e difundidas na sociedade soteropolitana, principalmente em momentos festivos. Todavia, a festividade reafirma valores sociais de cada tempo histórico que o sujeito reproduz e, leva consigo para esse espaço, mesmo sem perceber; tais posturas, disciplinam, determinam e direcionam seu comportamento no Carnaval. Essa situação, por ser naturalizada, na construção da sua subjetividade e na sua vivência comunitária, os sujeitos a assimilam sem perceber a intervenção das instituições políticas e sociais com os interesses diversos na “naturalização” dessas tensões sociais. Mesmo havendo várias peculiaridades no

comportamento dos foliões Filhos de Gandhy, os mesmos também, reproduzem essas naturalizações sociais.

É possível observar algumas transgressões praticadas pelos foliões tais como: exposição maior do corpo por vários dias seguidos, potencialização da libidinagem com a variação de parceiros que possibilita a quebra nas regras de enquadramentos sexuais, excesso no cosumo de álcool e outras substâncias ilícitas como o lança-perfume, maconha, cocaína; as necessidades fisiológicas feitas na rua, venda nos ambulantes de marcas de cervejas que não são as patrocinadoras oficiais da festa, a livre interação de pessoas de culturas e locais diferentes de todo o mundo nos mesmos espaços de rua, entre outros. No objeto de foco não é diferente, também observamos estas e outras transgressões na cena dos associados da Associação Filhos de Gandhy.

O Afoxé7 é uma entidade sem fins lucrativos, inspirado na vida do líder pacifista Mahatma Gandhi. Desde seu surgimento até os dias atuais, se mantém no imaginário popular como uma agremiação que leva para avenida uma mensagem de paz e tolerância. A entidade também preserva alguns ritos das religiões de matrizes africanas o que reafirmam a cultura afro-baiana.

A Associação Filhos de Gandhy realiza algumas ações institucionais de suma importância, tais como: estimula e promove projetos e ações para preservar a cultura afrodescendente; defende e apoia manifestações em favor da comunidade; incentiva e estimula em todas suas formas a educação, a parceria, a integração, o empreendedorismo, o diálogo local e a solidariedade entre os diversos setores sociais, que tenham interesses comuns; manutenção do diálogo multicultural – preservando a tradição e a identidade local – com um trabalho voltado a construção de memória; exclusão de atos preconceituosos e discriminatórios relativos às etnias, credo religioso, classe social, concepção política (partidária ou filosófica), nacionalidade.

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“Os afoxés, na Bahia, assim como os maracatus, em Pernambuco, são manifestações típicas das religiões afro- brasileiras, com suas origens remontando ao período colonial. Compunham as festividades de rua das confrarias religiosas, organizadas pelos negros e escravos. Migram para outras festividades de rua, primeiro para o entrudo, e, em seguida, para o carnaval, à medida em que as festas católicas passam a adotar uma postura de maior recolhimento, restringindo-se ao seu caráter litúrgico e banindo, por insultuosas, o que era consideradas expressões de “paganismo africano”. O afoxé é, regra geral, vinculado a um terreiro de candomblé. Do ponto de vista musical, caracteriza-se por fazer uso de orquestras compostas de instrumentos percussivos leves, como atabaques, agogôs e xequerês, chegando a entoar cânticos da liturgia do candomblé. Nos finais dos anos 1960, chegam quase a desaparecer no carnaval baiano. Com a emergência dos blocos afro, em meados dos anos de 1970, os afoxés ressurgem e voltam a marcar presença na cena carnavalesca, mantendo praticamente inalteradas as suas características básicas.” (MIGUEZ, 2014, p. 79).

Para muitos observadores e participantes, estes parâmetros citados anteriormente definem a sua história de 69 anos. Ao mesmo tempo, em que esse Afoxé permanece na cena do Carnaval soteropolitano como peça emblemática da imagem comercial e cultural da festa, observa-se que, para uma parcela significativa dos seus associados, a cena do Afoxé mantém- se como uma performance de comportamento, essencialmente masculina, heterossexual e viril, como também, de preservação da tradição de rua do bloco, em que o associado faz uso da sua indumentária como jogo erótico e sexual. Assim, o colar, adereço emblemático da fantasia, funciona como moeda de troca por um beijo. Em suma, a figura do folião do Afoxé Filhos de Gandhy para a grande parte dos seus integrantes, é a principal referência masculina do ambiente carnavalesco de Salvador.

Antes de desenvolver de forma mais precisa o objeto da pesquisa, no capítulo que segue irei trazer uma historiografia sobre o Carnaval, tomando Bakhtin, como principal suporte teórico e mantendo uma interface com diversos outros autores.

3. ALGUMAS PERSPECTIVAS TEÓRICO-METODOLÓGICAS SOBRE O