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2. HISTÓRICO DA APRM GUARAPIRANGA E DAS PRINCIPAIS LEIS

2.2. Leis de Proteção aos Mananciais (LPM)

2.2.6. Ocupação apesar da Lei

Em todos os problemas citados e até nos pontos positivos no tocante à aplicação da LPM, a questão de uso e ocupação do solo foi citada, pois todas as questões citadas no item anterior produziram algum efeito sobre a ocupação das áreas de proteção de mananciais. Segundo Marcondes (1999) e Oliveira (1995), em nenhum momento a questão social foi considerada ou consultada e, sem qualquer plano integrado à LPM que pudesse direcionar a ocupação, resultou na ocupação de baixo padrão e desordenada em desacordo com os anéis propostos pela LPM.

A Lei de Mananciais tentou organizar uma ocupação leste-oeste, porém esta se deu no vetor norte-sul, acompanhando as vias de acesso e a ferrovia que também ocorrem neste sentido e de acordo com o plano do município de São Paulo (CATUNDA, 2000).

Segundo Catunda (2000), na década de 1970, houve intensa migração para a RMSP, em função de seu desenvolvimento. Assim, o processo de ocupação desordenada na bacia do Guarapiranga aumentou, e era caracterizado, principalmente por ocupações em pequenos lotes, sem infraestrutura e com elevada densidade populacional (BIELAVSKY, 2006). A ocupação no início da década localizava-se nas margens esquerda e direita na porção norte da bacia, devido, principalmente, às áreas industriais de Jurubatuba e Santo Amaro (CATUNDA, 2000).

Em função dessa expansão urbana foi elaborada uma lei de zoneamento que não impediu o aumento da quantidade de loteamentos irregulares. Em 1979, foi promulgada a Lei Federal N° 6.766, conhecida como Lei Lehmann, que definiu regras para o parcelamento do solo de loteamentos urbanos através de: aprovação municipal dos projetos com registro do parcelamento em cartório, sendo crime o parcelamento não autorizado; restrições à ocupação de terrenos em situação de risco; responsabilização do loteador pela implantação de infraestrutura; destinação de pelo menos 35% das áreas para espaços públicos (GROSBAUM, 2012).

No município de São Paulo, foi sancionada a Lei Municipal N° 9.413/1981, a partir da Lei Federal. Essa lei detalhou as diversas modalidades de parcelamento do solo (GROSBAUM, 2012).

Porém, à revelia das leis, na década de 1980, a população da RMSP espalhou-se ainda mais para a periferia, nas áreas de proteção de mananciais (CATUNDA, 2000). Esta expansão ocorreu em função de uma série de fatores, a saber: desenvolvimento econômico, migração para a RMSP e crise econômica.

Devido ao desenvolvimento econômico na região sudeste do país, na década de 1980 a migração para a RMSP foi ainda mais acentuada (CATUNDA, 2000). Entretanto, a capacidade produtiva não foi desenvolvida o suficiente para absorver os contingentes imigrantes; além disso, houve, na década de 1980, um período de crise econômica que piorou a situação da população mais carente. Essa população passou a residir em áreas cada vez mais periféricas, onde estão os mananciais e há falta de infraestrutura (SOCRATES; GROSTEIN; TANAKA, 1985).

Assim, segundo Sócrates, Grostein e Tanaka (1985), na década de 1980, com a crise, havia uma situação de desemprego, salários baixos e inflação elevada que atingiu mais a população de baixa renda.

No período em questão, de acordo com Grosbaum (2012), ainda ocorreu a verticalização e valorização de região próxima a Guarapiranga e Billings, quando as atividades econômicas do setor terciário deslocaram-se para a região da Marginal Pinheiros e com isso trouxeram projetos de residências de alta renda e expansão de comércio e serviços, trazendo assim, mais população para as áreas de mananciais.

Dessa forma, na década de 1980, a ocupação da bacia do Guarapiranga ocorreu de forma rápida, sendo que a população rural foi cada vez mais reduzida, dando lugar a áreas desestruturadas, sem equipamentos adequados e desarticuladas em relação ao restante do tecido urbano. E a especulação imobiliária continuou avançando cada vez mais para o sul da bacia (CATUNDA, 2000). “Havia favelas na margem direita da represa do Guarapiranga, havia favelas na margem esquerda, uma área inclusive de topografia muito complicada, que é a região do Jardim Ângela, havia algumas favelas na Billings também” (afirmação de um dos entrevistados do governo estadual)47.

A ocupação das margens da represa expandiu-se, tornando-as densamente ocupadas. A ocupação elevou-se tanto que a produção e o despejo sem tratamento de cargas poluidoras causavam impactos enormes. Um dos impactos foi a grande floração de algas devido ao esgoto lançado em excesso na represa, o que entupiu os filtros de captação de água e ameaçou o abastecimento de três milhões de pessoas, além da morte de peixes. No período houve 13 florações de algas (CHAKARIAN, 2008).

Após a crise, segundo Moreira (1990), ocorreu uma desaceleração do crescimento demográfico na RMSP, que correspondeu à desaceleração do crescimento econômico, da área urbanizada e dos negócios imobiliários. Segundo um dos entrevistados do governo estadual, atribuiu-se essa desaceleração às intervenções do poder público e isso causou uma redução no controle demográfico. Mas para o entrevistado, a população parou de crescer por conta própria e não por ação do Estado48.

De acordo com Tagnin (2000), essa desaceleração do crescimento demográfico, na verdade, ocorreu apenas nas áreas centrais, mas as periferias continuaram a receber novos habitantes e a se expandirem. Ou seja, a taxa de crescimento demográfico no centro da RMSP foi cada vez mais reduzida, enquanto a taxa de crescimento, principalmente nos mananciais Billings e Guarapiranga, são maiores e essa taxa persiste até dias atuais.

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Em entrevista concedida em agosto de 2013.

Assim, desde a promulgação da LPM até a década de 1990, a área urbanizada da RMSP expandiu-se de cerca de 1.064 km2 para aproximadamente 1.720 km2 (FRACALANZA; CAMPOS, 2006).

De forma geral, a situação deixada pela aplicação da LPM na RMSP foi de ocupações caracterizadas pela ilegalidade e outras pela legalidade. Segundo um dos entrevistados do governo estadual isto se deu pois, a LPM é uma lei bastante rígida, com padrão de ocupação do solo que não corresponde aos padrões de baixa renda, já que considera lotes grandes desocupados, baixa densidade de ocupação; como isso não era possível ser feito, ocorreu uma crescente distância entre a cidade ”legal” e a cidade “ilegal” na áreas de mananciais, que vão sendo ocupadas de uma forma e com um padrão diferente do proposto em lei 49.

Ou seja, ao mesmo tempo em que, com a LPM a ocupação das áreas de proteção aos mananciais foi restringida, com regras extremamente rígidas e que são respeitadas pela “cidade legal”, também, na inexistência de outra solução, torna possível a “cidade ilegal” sem qualquer restrição, e ambas sobrevivem e convivem (DEL PRETTE, 2000). Isso também é afirmado por outro entrevistado do governo estadual, para quem “a lei dos mananciais controla a economia urbana formal, só que não controla a economia urbana informal”50.

Para Meyer e Grostein (2006), essa situação de ilegalidade é oriunda da forma de aplicação da LPM, pois esta funcionou como limitadora na oferta de moradias e loteamentos em um momento no qual a população de baixa renda não tinha condições financeiras de acesso à moradia no interior das áreas estruturadas e a oferta pública de habitação social era insuficiente.

Ao mesmo tempo, segundo uns dos entrevistados do governo estadual, ao final dos anos 1980, surgiram algumas ações de anistia para a população ilegal, para depois voltar a restringir novas ocupações conforme a LPM. Segundo esse entrevistado, esse processo ocorreu diversas vezes durante o crescimento da RMSP, foram diversas anistias e tentativas de remediar a situação51.

Dessa forma, na bacia do Guarapiranga, permaneceu essa situação em que ocorria a degradação socioambiental relacionada à falta de moradias para população de baixa renda que, ao ficar sem acesso a terras e habitação pelo mercado formal, concentrou-se na obtenção de moradias pelo mercado ilegal, na esperança de conseguirem anistia e, assim, intensificou- se o padrão periférico de expansão urbana; a isso se associam os interesses difusos da

49 Em entrevista concedida em agosto de 2013. 50 Em entrevista concedida em agosto de 2013. 51 Em entrevista concedida em agosto de 2013.

população metropolitana no tocante à preservação ambiental e ao abastecimento de água (CATUNDA, 2000).