• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 5 – ANÁLISE INTERPRETATIVA DOS IMAGINÁRIOS

5.2. A ocupação do espaço público como argumento para a higienização social

A segunda temática apresentada é a ocupação do espaço público, ela está presente em três (Estado de Minas, O Tempo e O Globo) dos quatro jornais. A recorrência dos saberes e imaginários relacionados a esse tema estão representados no gráfico, a seguir:

Gráfico 2 - Relação de saberes do tema ocupação do espaço público

Compreendemos que o número de saberes de crença em relação a essa temática é muito superior se comparado ao número de saberes de conhecimento nos três jornais. A seguir, estabelecemos uma relação entre os saberes e os imaginários com base nos excertos usados como referência.

Quadro 38 - Relação entre os saberes e imaginários do tema ocupação do espaço público

Jornal Referência Saber Imaginários

Estado de Minas

[...] a situação do espaço, uma das principais áreas verdes da capital, que hoje não está tão verde, devido ao vandalismo. Crença: saber de opinião relativa As pessoas em situação de rua são vândalas. Segundo ele [Izac], o comércio está sendo

prejudicado, pois muita gente tem medo de passar pela região. Na tarde de ontem, PMs e

guardas faziam a segurança no local.

Conhecimento: saber de experiência Crença: saber de opinião relativa As pessoas em situação de rua são uma ameaça e prejudicam o comércio. 0 1 2 3 4 5 6

Estado de Minas O Tempo O Globo

Ocupação do espaço público

124

O guarda municipal Cristiano Souza explicou que a

lei garante a permanência do morador de rua em locais públicos. “O que a gente faz é telefonar para

a Secretaria Municipal de Políticas Urbanas e eles tentam convencê-los a ir para abrigos. Mesmo quando as barracas são recolhidas, os sem-teto voltam no dia seguinte com outras. A gente fica aqui para evitar crimes, vandalismo e garantir o

direito de ir e vir das pessoas”, disse.

Crença: saber de opinião coletiva. As pessoas em situação de rua são criminosas, mas são protegidas pela lei. As pessoas em situação de rua causam a obstrução do espaço público. O Tempo

A Prefeitura de Belo Horizonte realizou, na manhã de ontem uma ação para recolher objetos e pertences de um grupo de moradores de rua que vivem há mais de um ano embaixo do viaduto da Francisco Sales, no bairro Floresta, na região Leste da capital. Essa ação está prevista em uma instrução normativa que libera o recolhimento de todo o material que obstrui o espaço público, mas gera polêmica entre moradores da região. Crença: saber de opinião relativa As pessoas em situação de rua causam a obstrução do espaço público.

De acordo com a coordenadora do comitê de população de rua de Belo Horizonte, Soraya Romina, o objetivo maior das regras é a

“desobstrução do espaço público”. “só é recolhido

aquilo que está no caminho das pessoas, impedindo o direito de ir e vir de outros cidadãos.

Crença: saber de opinião relativa As pessoas em situação de rua causam a obstrução do espaço público.

Denunciantes afirmam que a prefeitura “tira seus

pertences à força para deixar tudo bonito”; Crença: saber de opinião relativa.

As pessoas em situação de rua enfeiam o espaço público.

O Globo

Comerciantes e pessoas que passam pela área vinham reclamando da sujeira deixada pela mulher.

Crença: saber de opinião relativa. As pessoas em situação de rua sujam os espaços públicos. Comerciantes e as pessoas que passam pelo local

reclamam da sujeira

— Seria ótimo se atendessem — diz Mônica. — A situação é muito precária. O local está cheirando

mal demais. Crença: saber de opinião relativa. As pessoas em situação de rua sujam os espaços públicos É difícil caminhar pelo Centro de Niterói e não

sentir medo, especialmente no Jardim São João. A

praça inteira é ocupada por moradores de rua

que, muitas vezes, consomem drogas, brigam entre si e praticam assaltos. Nas ruas próximas, são diversos os pontos de prostituição. As histórias de roubos, furtos e de comerciantes fechando as portas por falta de clientes se acumulam. A Polícia Militar não aparece. Guardas municipais apenas passam pelo local, sem interferir em nada. O abandono tem

endereço fixo ali.

Crença: saber de opinião relativa Pessoas em situação de rua representam abandono.

125

— Não consigo entender isso. O Centro está

completamente abandonado. A gente só sabe de

ronda da polícia ou de policiamento ostensivo em Icaraí, por exemplo. Se tivesse um posto da PM ou um patrulhamento de rotina com frequência, os criminosos ficariam mais inibidos. Existem assaltos, existe violência, existe até uma mesma moradora de rua que fica nua todos os dias na praça. Só eu sei disso? — questiona.

Crença: saber de opinião relativa. Pessoas em situação de rua representam abandono.

A praça chegou a ser reformada há dois anos, mas de nada adiantou. Basta olhar e ver a sujeira, os “abrigos” que ficam pré-montados para os moradores de rua dormirem.

Crença: saber de opinião relativa. As pessoas em situação de rua sujam os espaços públicos.

O jornal Estado de Minas usa do saber de crença para defender por meio de um saber de opinião relativa que ao ocupar o espaço da Praça Raul Soares as pessoas em situação de rua estão acabando com o espaço verde. O segundo saber, de conhecimento, foi classificado como saber de experiência porque, apesar de estar relacionada a um saber de opinião relativa, indica uma opinião baseada em observação e em relatos dos comerciantes da região. O terceiro saber, de crença, indica um saber de opinião coletiva porque recorre à lei, e esta é baseada em diferentes opiniões, mas é aceita a partir de um consenso. Apesar de fazer uso de saberes diferentes para relatar a notícia, o jornal apresenta imaginários negativos em relação a ocupação do espaço público por parte de pessoas em situação de rua, pois elas “são vândalas”, “ameaças”, “prejudicam o comércio”, “causam a obstrução do espaço público” e são “criminosas protegidas por lei”. O jornal O Tempo, em relação à temática ocupação de espaço público, apresenta saberes de crença de opinião relativa. Baseada na ação da Prefeitura, que retira os objetos de pessoas em situação de rua debaixo do viaduto da Francisco Sales em BH, a notícia evidencia os motivos alegados pela prefeitura “porque causam a obstrução do espaço público”, mas também indica, a partir de denúncia das pessoas em situação de rua, o que acreditam ser o verdadeiro motivo, correspondendo ao imaginário: “As pessoas em situação de rua enfeiam o espaço público”. Assim, a linha do jornal denuncia práticas higienistas.

O jornal O Globo adota uma linha diferente do jornal O Tempo ao usar palavras que suscitam o imaginário: “As pessoas em situação de rua sujam os espaços públicos”, “A praça está abandonada”, “o centro está abandonado”. Apesar dos dois remeterem à higienização social, o jornal O Tempo tem um tom de crítica ao discurso e à ação higienista, enquanto o jornal O Globo critica a falta de ação e a sujeira, concordando com a higienização social.

126

Entendemos que as práticas descritas são higienistas porque correspondem à chamada “higienização social”, um termo da área da Sociologia, que indica a eliminação de elementos sociais indesejados como “criminosos”, “pessoas em situação de rua”, “negros”, “homossexuais”, e elementos de percepção estética. Assim também é usado o termo limpeza social.

Segundo Costa e Arguelles (2007), a higienização social é algo presente no Brasil desde a Proclamação da República com uma política que propunha a implantação de um sistema de governo que traria a população para o centro da atividade política, sendo a área urbana, influenciada por princípios Europeus e também norte-americanos. A intenção era construir uma nação moderna, branca e europeizada.

Contudo, os republicanos tinham de lidar com os problemas herdados do período monárquico: crescimento populacional, que ocasionava problemas de habitação; “marginalidade”; problemas econômicos; aumento do custo de vida, ocasionado pelas imigrações, que ampliavam a oferta de mão-de-obra e acirravam a luta pelos escassos empregos disponíveis. Além destes, os problemas sanitários das cidades e o precário (ou quase inexistente) sistema de esgotos e de abastecimentos de água preocupavam porque a aglomeração de pessoas contribuía para epidemias e as doenças acabavam afugentando a elite, que viajava para áreas menos urbanas como Petrópolis no Rio de Janeiro, no verão, para conservar a saúde.

A proposta de modernização da cidade veio pelo planejamento urbano, de acordo com Costa e Arguelles (2007). No final do século XIX crescia entre as camadas dominantes brasileiras uma grande preocupação com relação ao comportamento das classes operárias e das classes mais baixas da sociedade. Para resolver os problemas criados pelas classes menos favorecidas nas capitais do país e de Minas Gerais, engenheiros, governadores e prefeitos passaram a elaborar reformas urbanas e a adotar uma política de controle social das classes baixas.

O poder público mineiro tinha como prioridade, quanto à ocupação da cidade, a criação de uma “cidade-espetáculo” imaginada pela elite mineira, ansiosa por alcançar os padrões europeus de civilização e modernidade. Por isso o poder público se omitiu ao não tentar resolver as demandas da nova cidade. Havia uma discrepância entre a suntuosidade de alguns prédios da capital e a precária condição das moradias operárias, o que revela a direção da atenção governista e higienista.

Dessa forma, entendemos que a política higienista está presente nas notícias que abordam a ocupação de espaços públicos, porque ao mencionarem e argumentarem medo,

127

prejuízo ao comércio e sujeira, os jornais e os moradores estão também mascarando um discurso de limpeza social, porque têm por intenção a retirada dessas pessoas dos espaços para que eles fiquem “mais bonitos” e com uma estética aceitável para os moradores da região e turistas.

Documentos relacionados