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Como vimos anteriormente, a literatura não é clara nem consistente no que diz respeito à relevância de cada factor de risco na ocorrência de VPI, nem à relação entre factores de risco – ou seja, não existe um modelo conceptual de causalidade para este fenómeno. Além disso, também poucos são os estudos que procuram aceder aos modelos mentais de causalidade dos leigos. Os que revelam este propósito recorrem, geralmente, a metodologias qualitativas (entrevistas e focus groups) e a amostras compostas exclusivamente por homens ou por mulheres, incidindo quase sempre sobre os motivos para a perpetração masculina.

Nos estudos realizados com homens sem identificação prévia como perpetradores de VPI, os motivos mais mencionados para a violência do homem contra a mulher no seio das relações de intimidade foram o consumo de álcool (usado como justificação para a agressão), dificuldades financeiras que dão origem a conflitos, medo que a parceira traia, medo de perder o poder como autoridade e como provedor económico da família e inadequação da mulher ao papel que a sociedade define para ela (Alves & Diniz, 2005; Diniz et al., 2003). Entre os homens identificados como agressores, os resultados são semelhantes: além do consumo de álcool, problemas no emprego e dificuldades

motivos mais citados são a manutenção do poder masculino na relação e os comportamentos inadequados das parceiras (comportamentos que não se adequam aos papéis de género socialmente veiculados e as agressões físicas e psicológicas exercidas por estas); entre estes sujeitos parece ainda haver dificuldade em reconhecer formas de violência que não a física e, dentro desta, observa-se uma desvalorização das menos severas (Rosa et al., 2008; Winck, 2007).

Os estudos com mulheres revelam os mesmos resultados, quer entre mulheres identificadas como vítimas de VPI quer entre mulheres para as quais não se sabia se existia experiência com este tipo de violência. Os motivos mencionados para a violência perpetrada por homens foram os mesmos encontrados nos estudos com amostras masculinas (Casimiro, 2002; Ribeiro & Coutinho, 2011): consumo de álcool e drogas, desemprego, emprego precário e dificuldades financeiras, ciúme e medo da traição, percepção de poder associada à noção de masculinidade e desejo de controlar as parceiras; mulheres com níveis socioeconómicos e de escolaridade mais elevados referiam também problemas psicológicos, stress e falta de diálogo (Casimiro, 2002). Contrariando esta tendência de uso de metodologias qualitativas e de foco nas causas da agressão masculina, Caldwell e colaboradores (2009) desenvolveram uma escala de motivos e razões para a perpetração de VPI e aplicaram-na a uma amostra de mulheres que se sabia terem cometido pelo menos um acto de violência física contra um parceiro nos últimos seis meses. As participantes apontavam vários motivos em simultâneo para a sua perpetração de VPI – uma média de 14, sendo que a escala era constituída por 26. Os motivos relacionados com a expressão de emoções negativas (e.g. mostrar raiva e frustração) foram admitidos por 95% das mulheres, os relacionados com o controlo por 89% (sendo que, neste caso, os itens referiam-se tanto ao desejo de controlar o parceiro como ao de evitar ser controlada por ele, com proporções de respostas semelhantes para ambos os casos), o desejo de aparentar força (serem levadas a sério, intimidarem os parceiros…) em 84%, a auto-defesa em 83% e o ciúme em 67%.

Os estudos que pretendem aceder aos modelos mentais que as pessoas têm acerca do fenómeno de VPI são, como vimos, muito poucos e maioritariamente centrados na perpetração masculina, nos motivos que despoletam a agressão e em metodologias qualitativas. Esta investigação pretende endereçar uma área menos explorada ainda – a das crenças que as pessoas detêm acerca das causas (e não motivos) da VPI. Contrariamente aos estudos mencionados, o presente trabalho recorre a metodologias

qualitativas e quantitativas e a amostras compostas por homens e mulheres para tentar aceder aos modelos mentais que as pessoas possuem acerca dos factores que aumentam o risco de um indivíduo (independentemente do seu género) perpetrar violência contra um parceiro íntimo.

A investigação segue a metodologia proposta por Morgan, Fischhoff, Bostrom e Atman (2002) para o desenvolvimento de comunicações de risco, no entanto foram feitas algumas adaptações ao objecto de estudo em causa. Desde logo, uma vez que a investigação não tinha o propósito de desenvolver uma comunicação de risco, as duas últimas etapas da metodologia não foram aplicadas. Além disso, por não existir um modelo conceptual claro e consensual acerca das relações entre factores e VPI, não se pretende analisar a adequação das crenças dos leigos a tal modelo mas antes fazer uma primeira abordagem explícita a estas crenças.

Por esse motivo o primeiro passo desta metodologia, que consiste na criação de um diagrama de influência que reflicta o modelo conceptual e que sirva de base à investigação, foi omitido. Ainda assim sentiu-se necessidade de, num primeiro momento, consultar peritos nesta temática com o objectivo de complementar a informação obtida através da revisão de literatura e fazer o ponto da situação acerca da realidade portuguesa nesta área – esta consulta não teve como propósito criar um modelo conceptual, apenas estabelecer a ponte entre os conhecimentos oriundos de estudos internacionais e as experiências de quem estuda e trabalha este fenómeno em Portugal. Saliente-se que, dado que a literatura não é consensual acerca da importância de cada factor de risco para a ocorrência de VPI, também não se espera que as crenças dos peritos o sejam – os modelos dos peritos não são “o” modelo conceptual (porque este não existe), mas representam modelos mentais mais informados que os dos leigos. A investigação decorreu, em suma, em três momentos: 1) numa primeira fase foram entrevistados peritos de modo a compreender a(s) perspectiva(s) que existe(m) na comunidade científica portuguesa acerca deste fenómeno; 2) a par das entrevistas a peritos foram realizadas entrevistas a leigos para, como sugerem Morgan e colaboradores (2002), fazer o levantamento das crenças que as pessoas têm acerca da VPI; 3) por último, foram aplicados questionários para estimar a prevalência dessas crenças.

As duas primeiras fases, por seguirem o mesmo procedimento, são descritas no estudo 1. No estudo 2 será feita a apresentação da terceira fase da investigação.

ESTUDO 1

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