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PARTE II CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROJETO

2.3 Conquista definitiva das últimas praças algarvias

2.3.3 A ofensiva algarvia de 1249 a 1250

Quando D. Sancho II morreu, destronado em Toledo, em janeiro de 1248, seu irmão e rival, até então conde de Bolonha, e futuro D. Afonso III, apressou-se a consolidar o seu poder como novo monarca. Desde Lisboa, enviou uma série de cartas a todos os concelhos (Forais), onde prometia instaurar tranquilidade, segurança, justiça, proteção aos súbditos, dialogar com os concelhos e restruturar o território.

Posteriormente, o monarca lançou uma série de medidas tendentes ao enriquecimento do património da coroa, controlando a propriedade régia (inquirições de 1258) e o comércio nas grandes vilas e cidades portuárias. Logo os apoios necessários da maioria da nobreza regional, da burguesia e da plebe, afetadas gravemente pela guerra civil, não se fizeram esperar, sendo este suporte indispensável para o monarca consolidar o poder e desarmar a oposição. Como decorre da observação de Joaquim Serrão sobre o testemunho de Marcelo Caetano na sua obra intitulada A Administração Municipal de Lisboa durante a 1ª Dinastia (1179-1383), “o bom acolhimento do novo monarca estava garantido por uma longa preparação a que não seriam estranhos os contatos havidos em França entre os mercadores de Lisboa e o conde de Bolonha” (Veríssimo Serrão, 1990:134).

Recordemos que, naquela época, a riqueza provinha da agricultura, da indústria mineira, da exportação dos produtos excedentes e das trocas comerciais com os países europeus e africanos. Mormente, na cidade de Bordéus em França ter-se-ia assinalado a presença de uma trintena de mercadores portugueses, tal era a amplitude das transações comerciais. Foi também nessa altura que o rei de Castela e Leão expulsou os mouros de Sevilha, tendo sob sua jurisdição D. Paio Peres Correia, que continuava a ajudar Portugal na conquista de cidades e castelos ainda em poder dos infiéis.

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O rei D. Afonso III lançou-se de imediato na reconquista da zona meridional algarvia, que, entretanto, tinha sido tomada novamente pela taifa Almóada. Estes tinham-se aproveitado da profunda instabilidade que marcou todo o reinado de Sancho II para realizar a sua conquista pelo Islão. Num processo de recuperação dos territórios perdidos, D. Afonso III ocupou Faro em maio de 1249, seguida de Albufeira, Porches e, no ano seguinte, Aiamonte. Porém, Sevilha permanecia fora do seu alcance porque, entretanto, tinha sido conquistada por Fernando III, em 1248, com a ajuda dos monges santiaguistas que, fiéis à memória de Sancho II, permaneciam em Andaluzia.

É oportuno recordar que a progressão da Reconquista no Algarve e o avanço da linha do Guadiana até Tavira se devem a D. Sancho II e a posse definitiva do ocidente algarvio a D. Afonso III, com a sua particular contribuição diplomática na relação com Castela e Leão. No entanto, de acordo com a Crónica Inédita da Conquista do Algarve publicada por Frei Joaquim de Santo Agostinho, com base num documento encontrado na Câmara de Tavira em 1788, depreende-se que tanto D. Sancho II, como D. Afonso III, parecem ter ficado para segundo plano no que diz respeito às vitórias de D. Paio Correia na província do Gharb-al-Andaluz que foram decisivas para a afirmação da identidade algarvia.

As vitórias devem-se sobretudo ao Mestre por ter demonstrado perícia na arte da guerra, durante a retomada aos mouros de terras e castelos, que foram atribuídos como troféus de batalha à Ordem de Santiago. As doações que os monarcas portugueses fizeram a D. Paio Peres Correia: D. Sancho II deu-lhe os castelos de Aljustrel em 1235, Estômbar, Alvor, Paderne e Silves em 1242 e Tavira em 1244; depois D. Afonso III cedeu-lhe os castelos de Loulé e Aljezur (Frei Santo Agostinho, 1788:79). A esse respeito o pensamento de Oliveira Marques confirma-se: “Mostraram-se aí secundárias as iniciativas do rei.” (Marques, 1974:116). Mais doações tiveram lugar aquando da conquista de Santa Maria de Faro (Faro), quando D. Afonso III doou todos os bens possuídos pelo mouro Aboaale e sua mulher, Zaforona, nomeadamente as suas casas, almuinhas (horta murada), olivais, figueirais e as próprias salinas. O monarca deu também o castelo de Porches ao seu chanceler, D. Estevão, em 1250, e o castelo de Albufeira ao Mestre Martim Fernandes da Ordem de Avis, em 1250, (Marques, 1984:101). Na realidade, as doações dos castelos abarcavam não só as estruturas e

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sistemas defensivos, mas o respetivo termo com todos os direitos e pertenças acrescidos do direito de padroado da igreja ou templos a edificar.

Entretanto, levantou-se um diferendo entre os reis português e castelhano quando, em 1251, D. Afonso III decidiu ganhar pelas armas as vilas de Arroche e Aracena, separadas da província algarvia pelo rio Guadiana. O futuro D. Afonso X, filho e herdeiro do rei de Castela e Leão, que o peso da vida extinguia lentamente, em seu nome, decidiu reagir face aos avanços do exército português que progredia em direção à capital do Guadalquivir. D. Afonso X deu início a uma invasão, em 1252, alegando que o Algarve lhe pertencia por doação do rei de Niebla, Aben-Mahfoth, soberano de todo o ocidente al-Andalus, incluindo a região algarvia, o qual, quando estava em risco de perder esta região, a cedeu formalmente a Castela. Assim, recrudesceram novos conflitos pelo domínio do Algarve, opondo as coroas de Castela e Portugal, tendo o Papa Inocêncio IV rapidamente intercedido para pedir aos reis que desistissem daquela contenda em nome da Santa Sé.

Passados quatro meses, D. Afonso III surgiu com um plano de paz travestido de autêntica vassalidade perante D. Afonso X: a proposta consistia em tomar por esposa sua filha bastarda, D. Beatriz que, segundo nos assinala Veríssimo Serrão, tinha então apenas seis anos de idade, ceder o domínio do Algarve ao sogro em troca das rendas que adviessem daquela província e de colocar à sua disposição cinquenta cavaleiros armados para proteção pessoal do monarca (Veríssimo Serrão,1990:138). Toda esta conciliadora e diplomática negociação seria anulada quando o primeiro filho varão do casal atingisse os sete anos, o que nos é testemunhado pela carta régia com o título “Karta Regis Castelle super facto Algarbii”, datada 16 de fevereiro de 1267, que o rei de Castela mandou escrever durante sua estadia em Badajoz, e que segue nestes termos:

Sepam quantos esta carta vierem e oyerem cuemo nos don Alfonso por la gracia de dios [fl. 87] Rey de Castella, de Tholedo, de Leon, de Gallizia, de Sevilla, de Cordova, de Murcia e de Jahen, quitamos porá sempre a vos don Alfonso por essa misma gracia Rey de Portugal, e a don Denis vostro fijo, e atodos los otros vostros fijos et vostras fijas e vostros herederos todos los pleytos e todas las convenencias e todas las posturas, e todas lass omenages que fuerom puestas e escriptas e seelladas por qual guisa quier que fuessem entre nos e vos, e don Denis e vostro fijos e vostras fijas sobre razom del Algarve que nos teniemos de vos en vostros, dias e non mas, el qual nos diemos a don Denis assi como lo nos teniemos por vostro otorgamento, que nos fiziesse ende ayuda en nostra vida cum cinquenta cavalleros contra todos los Reys d’Espanha si non contra vos assy moros como christianos e contra todas las otras yentes que quisiessem entrar en nostra terra pora fazer y mal.

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Na primavera de 1253, a cidade de Chaves preparou-se para receber o matrimónio que deixou atrás de si suspensa a curiosidade do povo, por dois motivos: primeiro, porque a infanta Beatriz tinha apenas seis anos de idade e segundo, porque o monarca português continuava casado com a condessa D. Matilde de Bolonha, abandonada em França. Resolvido o conflito entre as coroas portuguesa e castelhana, outro problema deflagrou, agora com a Cúria Romana, acusando o bolonhês de triplo pecado régio: adultério, bigamia e incesto39 (Mattoso, 2001:915).