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Uma proposta pedagógica que pretende ser inventiva, provocar a criatividade e construir objetos, certamente deve pensar sobre o espaço físico. Uma pedagogia cujo interesse maior é ampliação da percepção ambiental e do pensamento ecológico, precisa atuar cotidianamente no espaço físico. Considerar a importância desse espaço como um meio determinante para as relações, as trocas e a potencialização das criações, é o que nos aproxima da ideia de “oficina”. A oficina é um lugar de trabalho, mas é também o lugar da experimentação; é um laboratório, e neste caso, um laboratório de experiências criativas e materiais. A Oficina de Invenções é a sala de aula de uma pedagogia que se proponha inventiva. Se esta proposta pedagógica fosse aplicada em maior escala, por exemplo, todas as salas de aula seriam oficinas. Isso representa, no entanto, um novo desafio: como posso dedicar algumas linhas ao espaço físico da oficina sem que elas se tornem um manual de “deve ser”, “deve ter” e “deve não ter”?

É preciso assumir uma contradição deste tema: uma oficina que tenha a palavra “invenções” em seu título está sempre por se inventada, mas para que possa existir, o desenho de uma oficina de invenções observa, contudo, alguns princípios basais. A Oficina de Invenções não tem forma definida simplesmente porque as pessoas, os grupos e as comunidades não obedecem (menos mal), nenhum padrão. São as pessoas do lugar onde a oficina se insere que vão definir sua forma, tamanho e modos de organização. É um tipo de oficina que se constrói, literalmente, de dentro pra fora. Dentro da oficina, alunos-inventores, professores-inventores e assistentes-inventores, designarão e criarão as soluções que o espaço demanda, a partir de suas próprias observações, vontades e necessidades. O não padrão de uma Oficina de Invenções é especialmente importante de ser destacado quando transita por campos que têm alta tendência à formalização prescritiva. Por outro lado, um conjunto de princípios pode ser mais ou menos dogmático de acordo com o modo que é posto e o modo que é lido.

Neste caso, estas linhas podem ser lidas apenas como um conjunto de recomendações. São ideias gerais de um desenho de oficina inserido no campo da educação, cuja proposta pedagógica tem uma intenção clara: potencializar o espírito da invenção. O pensamento do espaço vai além de pensar paredes mais ou menos condicionadoras, mas passa por criar ambientes que declaram as mesmas ideias de liberdade e responsabilidade desta proposta pedagógica.

Neste sentido, a oficina pode ser uma conhecida marcenaria. Mas pode ser também madeiraria, plasticaria, aluminaria, sucataria, serralheria ou martelaria. É uma oficina multifacetada. Quanto mais multi-possibilidades, mais potencial inventivo terá. Na dinâmica de uma Oficina de Invenções, isso significa fixar-se menos no material e mais no ímpeto criativo das pessoas. É bom lembrar que são as próprias ideias que convocam os tipos de materiais e as diferentes ferramentas. A Oficina de Invenções é multifacetada porque quer provocar ideias diversas, por parte de pessoas diversas. Quanto mais multi-ferramentas e mais multi-materiais, melhor para as descobertas, para as experiências e melhor para as pessoas.

A Oficina de Invenções é uma oficina aberta. Não só as portas estão abertas, mas a atitude disponível das pessoas que frequentam a Oficina de Invenções é a mesma que está impressa nas paredes, no teto, no chão e nas mesas. A disponibilidade das ferramentas e materiais convida a criar, convida ao engajamento, e juntamente, chama à responsabilidade. Com as ferramentas, trabalhos e materiais à mão, visíveis e acessíveis a todos, declara-se um espaço de confiança, ou seja, onde a responsabilidade pelo ambiente também é coletiva.

Eu poderia aqui recomendar formas de ocupar as paredes, formas de acomodar os materiais, sobre o uso das sucatas, sobre como conservar trabalhos e assuntos relativos à manutenção, limpeza e segurança. De novo, seriam visões de uma única Oficina de Invenções, quando não deve ser única, mas múltiplas, diversas. Recomendo, de todo modo, que se cuide da estética. O pensamento estético do ambiente contamina o trabalho que será

feito na oficina. Então, que seja um lugar agradável, prazeroso. Isso também está ligado também ao desejo criativo, ao engajamento e à responsabilidade. O pensamento estético do ambiente da oficina incorpora-se ao pensamento estético das pessoas que trabalham ali, e é capaz de tornar o próprio trabalho mais estimulante. De fato, qualquer princípio ou recomendação que possa ser dado aqui visa manter esta sala de aula-oficina um lugar estimulante, ativo e provocativo em si. E isso pouco tem a ver com necessidade de se manter certos tipos de organização. Uma aparente bagunça, pode ser, para este tipo de oficina, um ambiente extremamente empolgante. A contínua desarrumação e arrumação, um tipo de bagunça organizada, é sinal de um espaço vivo, ocupado por pessoas e criações vivas.

Por último, e talvez a única recomendação técnica realmente relevante, é que a oficina tenha rodas. Rodas para os projetos dos alunos, rodas mentais em constantes revoluções, e rodas nos móveis, para que se mantenham assim, sempre móveis. Rodas, enfim, sob a própria oficina, para que alcance outros ambientes, e seja inestática, inquieta e permaneça reconfigurável, de acordo com os desígnios de quem está usando e criando. Se é pra conservar algo, que seja a capacidade de mudança. Se mantemos uma oficina movida pelo impulso criativo, preservamos também a característica essencial de ser uma oficina em contínua mutação.

No documento In Ventos : por uma Pedagogia da Invenção (páginas 94-98)