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Oficinas de trabalho: suas atividades de treinamento e organização

4.3 Os programas de reabilitação profissional: o Paradigma de serviços e a

4.3.2 Oficinas de trabalho: suas atividades de treinamento e organização

As oficinas de trabalho que objetivam a colocação no mercado de trabalho, devem considerar, além das condições da população atendida (experiência, habilidades físicas e mentais, interesses, etc), as possibilidades do mercado de trabalho. Assim, as atividades desenvolvidas para capacitação profissional espelham-se freqüentemente nas tarefas, funções e profissões existentes. Inicialmente, muitas das oficinas de trabalho, portanto, inspiraram-se no modelo industrial. Além disso, as atividades industriais subdivididas em tarefas simples podiam ser vistas como facilitadoras para essa população, como demonstrado por HENRY FORD (apud FLEURY & VARGAS, 1983). Em seus estudos aplicando os princípios da linha de montagem nos Estados Unidos em 1913, conclui, a partir do parcelamento das tarefas, que algumas atividades poderiam ser realizadas por pessoas sem a plena capacidade física. Das atividades avaliadas, segundo ele, “670 trabalhos podiam ser confiados a homens sem ambas as pernas; 237 requeriam o uso de uma só perna; em dois casos podia-se prescindir dos dois braços; em 715 casos de um braço; e em 10 casos a

operação podia ser feita por um cego.” (p. 25). Também dizia que “um cego ou um mutilado é capaz (...) de efetuar o mesmo trabalho e ganhar o mesmo salário que um homem completamente são” (apud INSTITUTO BRASILEIRO DOS DIREITOS DA PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA, 2002, p.6).

Tal parcelamento das tarefas pode realmente ser facilitador em alguns casos, ou mesmo o fator que possibilita o desenvolvimento da atividade de trabalho por algumas pessoas com deficiência. Nesse ponto, o trabalho parcial, dividido em pequenas tarefas, nos moldes tayloristas, pode atender às restrições decorrentes da deficiência. No entanto, é fundamental destacar que não se deve restringir a capacidade das mesmas a mera repetição de tarefas parcelares como se a divisão do trabalho exacerbada, a rotina e a separação rígida entre concepção e execução também não mutilassem intelectualmente o trabalhador com deficiência.

Inspiradas, portanto, nas atividades industriais, as oficinas de trabalho utilizavam normalmente a chamada subcontratação, prestando serviços a indústrias9, por exemplo, em atividades como acabamento em peças, classificação de peças e/ou materiais, pequenas montagens ou confecções de produtos simples (ex.: prendedores de roupa, caixas de papelão), seleção e embalagem de peças, materiais ou produtos, entre outros. É possível observar a reprodução do modelo taylorista-fordista no parcelamento das tarefas e repetitividade das mesmas, na distinção entre planejamento e execução, bem como nas avaliações de produção (quantidade e qualidade) feita por supervisores, monitores e/ou pela equipe técnica.

Além da avaliação da produção, considera-se também os aspectos relacionados a hábitos e comportamentos de trabalho, como assiduidade, comunicação, responsabilidade, capacidade de seguir normas, necessidade e reação à supervisão, relacionamento com colegas, resistência física à jornada de trabalho, entre outros. O papel do monitor das oficinas, em princípio, deveria ser o que ensina, instrui as pessoas na execução da atividade de trabalho. Nesse modelo descrito acima, por conta da avaliação, esse papel é facilmente confundido com o de supervisor de produção, associado à função de controle (e às vezes de punição), aspecto já apontado por

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Os trabalhos poderiam ser realizados como contratos, quando a instituição se responsabilizava pela aquisição de matéria-prima, beneficiando-a e vendendo-a, ou como subcontratos, quando beneficiava os produtos ou materiais de uma dada empresa e a ela devolvia, recebendo pelo trabalho feito, normalmente com valores abaixo do custo de mercado. (FERRIGNO, 1985; Cf. SILVA, 1993)

DAKUZAKU (1999). Todos esses aspectos da avaliação eram utilizados para a avaliação mensal influenciando no valor recebido como “remuneração”, também denominada por “bolsa-trabalho”, ou “prêmio”, entre outras. Conforme FERRIGNO (1985), as razões dessa remuneração também variavam, podendo ser vista como retorno da produção obtida, ou como reforço pelo comportamento desempenhado, ou ainda como simulação a uma situação real de mercado.

A equipe técnica, constituída mais freqüentemente por profissionais como assistentes sociais, psicólogos, terapeutas ocupacionais, algumas vezes denominados genericamente de conselheiros de reabilitação10, inspirada também no modelo taylorista-fordista, reproduz freqüentemente o modelo hierarquizado na atenção a essa população. Fundamentados em seus conhecimentos técnicos, avaliam os usuários definindo a função na qual ele será treinado. A partir da avaliação de seu desempenho, muitas vezes intermediada pelo monitor da oficina de trabalho, calculam a remuneração devida e o momento em que o usuário pode ser considerado apto para o encaminhamento a uma vaga no mercado formal. Dessa forma, o “destino” da pessoa com deficiência fica à mercê das decisões da equipe técnica, bem como de quanto a pessoa consiga se adequar às exigências do programa de reabilitação, que busca ser similar às exigências do mercado formal. Depende do quanto ela consiga se “normalizar”, em concordância com o que DIAS (2004) aponta ao discutir o Paradigma de Serviços: “as pessoas, em suas diferenças, só tinham escolha se, submetidas a serviços especiais, demonstrassem, segundo critérios definidos por profissionais ou familiares, condições de convivência nas instituições freqüentadas prelos cidadãos comuns” (p.38).

A rigidez na aplicação desse modelo depende de cada instituição e de cada equipe, podendo ser menos rígida em algumas situações, ou, em outras, apresentando maior abertura para a participação da população atendida, tanto na decisão da função de trabalho a exercer, quanto na participação na busca de vagas no mercado formal.

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Conselheiro de reabilitação profissional é um termo genérico utilizado para os profissionais da equipe técnica, independente da sua formação, que poderiam atuar nas fases de avaliação profissional, no treinamento propriamente dito, e na colocação no mercado de trabalho. Muito utilizado na década de 70 e 80, atualmente está em desuso.

Apesar de objetivar a inserção no mercado formal, o contato da equipe com a comunidade empresarial muitas vezes ocorre de forma incipiente. Algumas equipes utilizam do discurso paternalista, apresentando a importância do empresariado “ajudar”, favorecendo com a abertura de vagas. Outras equipes, por sua vez, apresentam mais enfaticamente o potencial de trabalho da pessoa com deficiência, apontado suas habilidades e capacitação recebida. SASSAKI (1986) faz uma análise dessa situação:

“Tudo o que tínhamos a oferecer ao empregador era um candidato com bons hábitos de trabalho e alguma habilidade profissional. O nosso trabalho era forte em idealismo, em crença e em filosofia de reabilitação, porém incipiente em termos científicos, e ainda não falávamos a linguagem do mundo empresarial.” (p. 3)

Seja na interação com a população atendida ou com a comunidade empresarial, prevalece a idéia de que cabe a instituição, ao programa e a equipe técnica prover os serviços necessários à Reabilitação Profissional da pessoa com deficiência, para, a partir da mudança da mesma (normalização), ela consiga ser inserida no mercado de trabalho. Apesar de ter havido algumas mudanças nesse modelo apresentado, como veremos mais adiante, é ainda possível encontrar tais oficinas regidas fortemente pelo modelo taylorista/fordista. A exemplo do que ocorre nas empresas onde tais práticas persistem e onde transformações mais recentes na organização do trabalho pouco se difundiram, as instituições assistenciais também incorporam diferencialmente, e provavelmente de modo mais lento, tais mudanças.