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PROGRAMA 1ª PARTE

4.2. Oficinas do IPJA: o lugar dos trabalhos

As dez oficinas distribuídas por nove seções encontravam-se localizadas em seis pequenos edifícios de dois pavimentos, com áreas que variavam entre 50m x 10,40m a 10,81m x 7,66. No ano de 1924, estavam matriculados nessas oficinas 374 alunos sob a responsabilidade de um professor, sete mestres e quinze contramestres (cf. quadro 28). Sobre as categorias mestres e contramestres, como vimos no capítulo 1 do presente estudo, esses profissionais eram selecionados entre os próprios alunos do IPJA; portanto, sem formação pedagógica apropriada para tal função.

Quadro 28 – Oficinas do IPJA – 1924

Seções Oficinas Mestre Professor Contramestre Matrículas

Madeira 4 2 5 142

Metal 1 1 3 88

Folha de Metal 1 1 1 28

Estuque e Tinta 1 1 1 - 31

Couro 1 - - 1 25

Tijolo, Pedra e Cimento - - - 1 -

Palha, Vime e Bambú 1 1 1 27

Eletrotécnica 1 1 2 33

Trabalhos Rurais - 1 1 turma

Total – 9 10 7 1 15 374

Figura 20 – Fotografia da “Praça das oficinas” do IPJA – 1908. Fotógrafo – Augusto Malta. Fonte: acervo do CEJA

Quanto aos ofícios relacionados à seção de pedra e cimento, ou seja, pedreiro e canteiro, Braga relatava que

não há alumnos que queiram aprender este offício. Actualmente esta officina tem um contra-mestre de pedreiro e outro de canteiro. A meu ver seria mais útil se essa officina fosse eliminada e substituída por outra mais efficiente e aprendizado mais pratico. Porque não sei ensinar o officio de pedreiro sem construir qualquer coisa, um muro que fosse; mas para isso seria necessario destruil-o a cada passo, para construil-o em novo ensinamento aos educandos (BRAGA,1925, p. 174).

Como solução do problema, Braga propôs que os contramestres das oficinas de pedreiro e de canteiro ficassem responsáveis pela manutenção dos edifícios, auxiliados por uma turma de alunos. No entanto, segundo Braga (1925), não havia alunos interessados nesse trabalho, pois preferiam trabalhar nas outras oficinas 129.

A partir de 1927 (Decreto nº 2940 de 22 de novembro de 1927), devido ao ensino profissional do IPJA ter-se especializado em eletrotécnica e mecânica, apenas as seções de metal e eletrotécnica permaneceram no programa de ensino daquela instituição, conforme apresentado no quadro 29.

129 Faria Filho (2001), ao estudar a experiência educacional do Instituto João Pinheiro (1909-1934) em

Belo Horizonte, observou que os alunos daquela instituição preferiam o trabalho nas oficinas ao trabalho agrícola, por razões que se assemelhavam àquelas observadas no IPJA. Conferir especialmente as páginas 96 a 100.

Quadro 29 – Síntese dos programas de ensino profissional do Distrito Federal – 1902-1927 1902 - Ofícios 1911 – Ofícios 1916 - Seções 1927 - Seções Carpinteiro Carpinteiro Seção de madeira - Marceneiro Marceneiro Limador Torneiro Torneiro Entalhador Entalhador

Ferreiro Ferreiro e Forja Seção de Metal (acréscimo de Caldeireiro) Ferreiro e serralheiro; ajustador, torneiro e fundidor. Encanador Encanador Serralheiro Serralheiro Torneiro Mecânico e ajustador

Latoeiro Latoeiro Seção de Folha de Metal (acréscimo de Chumbeiro e funileiro, encanamentos)

-

Sapateiro Sapateiro Seção de Couro (acréscimo de Seleiros e Correeiros, etc

Empalhador Empalhador Seção de Palha, Vime e Bambú (acréscimo de Chapeleiro e cesteiro - Eletricidade Máquinas e motores, etc.; eletricista Seção de Eletrotécnica (acréscimo de telegrafo, aparelhos telefônicos, pilhas e acumuladores Eletrotécnica e eletro – mecânica

- Seção de pedra, cimento e

Tijolo (Pedreiro e canteiro) -

- - Seção de trabalhos rurais.

Jardineiro, hortelão e pomicultor - Tipógrafo Tipógrafo - - Alfaiate Alfaiate Pautador Pautador Modelagem e gravura Modelagem e gravura

Fontes: Decreto nº 282 - de 27 de fevereiro de 1902; Decreto nº 282 - de 27 de fevereiro de 1902; Decreto n. 1.066 de 19 de abril de 1916; Decreto nº 2940 de 22 de novembro de 1927 BOLETINS DA PREFEITURA (AGCRJ).

A partir da análise do quadro acima, consideramos que o IPJA pode ser dividido em dois momentos. No primeiro, observa-se a presença de ofícios com características mais artesanais, ou seja, carpinteiro, marceneiro e torneiro, por exemplo. No segundo momento, esses mesmos ofícios passaram a integrar a seção de madeira e, nesse sentido, o objetivo do ensino profissional foi direcionado para atender a mão de obra exigida pelas Fábricas e/ou indústrias nascentes. A redefinição dos conteúdos dos cursos ministrados representava a reformulação dos objetivos do IPJA: deslocava-se a

formação de natureza artesanal para formar operários especialistas para as indústrias. Em face disso, infere-se que o IPJA assumia uma “feição secundária” (BRAGA, 1925, p. 156), devido à amplitude de seu programa de ensino, antes mesmo do Decreto de n° 3.864, de 30 de abril de 1932 (SILVA, 1936, p. 183), que o transformara em Escola Técnica Secundária.

De fato, a questão do trabalho e da renda revertida aos alunos asilados tornara-se fundamental para o bom funcionamento da instituição. Então, é preciso ressaltar que, em obediência à norma reguladora do funcionamento do IPJA, parte da verba arrecadada com a venda dos produtos gerados pelas oficinas deveria ser depositada em cadernetas de poupança para os alunos e parte para o custeio das despesas do próprio IPJA. Dessa forma, a instituição recebia pedidos de encomendas tanto de particulares quanto da própria máquina administrava, que encomendou, dentre outros trabalhos (Quadro 30), para o Instituto Profissional Feminino, 142 pares de sapatos amarelos, 93 pares pretos e, ainda, dois consertos em camas (Códice 13-4-27. AGCRJ). O quadro abaixo fornece uma amostra das encomendas feitas ao IPJA nos anos 1914 e 1915.

Quadro 30 – Serviços prestados a particulares e à Diretoria Geral de Instrução Pública – 1914 – 1915

130 Encomenda feita pela Diretoria Geral de Instrução Primária em 18/02/1914 (AAMD).

131

Segundo informações do Diretor Geral da Instrução, a necessidade do número de diários de Classe de agosto a dezembro de 1915 seria assim calculada: “Tomando-se por base 31 Diários para cada professor: Curso noturno: 162 professores em 5 meses - 25.110 Diários; Curso Diurno: 1883 professores em 5 meses - 291.865 Diários. Total de Diários - 316.975 (AAMD).

Oficinas

Tipográficas (1914-1915) Encomendas130

Impressão de material escolar para as escolas municipais

Diários de Classe de 1914 200 exemplares

Diários de Classe de 1915131 316.975 exemplares

Cartões de matrícula 30 mil

Mapas de freqüência ---

Regulamentos das escolas profissionais ( Dec. 974, de 19 de julho de 1914)

---

Coleção de leis e vetos municipais - XXVII e XXVIII - 1910 e XXIX e XXX - 1911

Fonte: Ofícios recebidos entre 1914-1917 (AAMD/FE/UFRJ).

Observa-se que além de formar o “futuro operário”, o IPJA se revelava como um espaço de “favores”. Em correspondência de 1907 entre o Sr. Medeiros e Albuquerque e o diretor Alfredo Magiole de Azevedo Maia, temos o seguinte caso:

Meu caro Dr. Alfredo Bom dia!

Venho lhe pedir um obséquio – mais um! – que entretanto, supponho que não lhe será muito difficil.

Eu estou precisando com urgência de um certo numero de estantes. Pensei, por isso em fazer uma armação uniforme em todo o andar em que está minha biblioteca. Ser-lhe-ia possível mandar cá o seu mestre de carpinteiro ou de marceneiro para tomar as medidas necessárias? O que tem uma certa pressa porque o peso mal distribuído dos livros está começando a ser perigoso para a estabilidade da casa.

Muito lhe agradecerá o obsequio o amigo e colega Medeiros e Albuquerque

Em 29.03.907

(Fonte: Acervo do CEJA. Grifos meus).

Insistindo para que o serviço solicitado fosse executado, Medeiros e Albuquerque escreveu à direção do IPJA uma segunda carta, que apresento a seguir:

Meu caro Dr. Magiole Bom dia!

Cá esteve já o mestre de oficina de marcenaria. É razão para lhe agradecer; mas me deu uma triste notícia, o que é motivo para eu lhe

132

Autor: Victor Hugo Theodoro de Jesus - professor da 1ª escola noturna municipal - pagou com desconto em folha durante cinco meses (AAMD).

133

O prefeito recomendou que fosse cobrado apenas o papel empregado na impressão dos mesmos (AAMD).

134 Para o Gabinete do Diretor Geral da Instrução Pública.

Lei do Ensino Primário, Normal e Profissional (Decreto nº 981, de 02 de setembro de 1914)

---

Livros

“Synopse de Analise Syntática. Livro I132

--- “Estatutos da Caixa Escolar do Segundo

Distrito133”

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Oficina de Carpintaria Divisão de salas de aula em duas; contadores grandes e pequenos; Astes de cabides; mesa de telefone134; quadros negros; porta chapéus; facas de madeira; compassos; coleção de sólidos

geométricos;

Oficina de Eletricistas Instalação de energia elétrica na 1ª Escola Masculina noturna

importunar. Disse-me elle que, se não houvesse ordem para interromperem o trabalho, que estão fazendo hai mesmo para o Instituto, tão cedo eu não poderia contar com a minha encomenda. Ora, o caso é de urgência formidável. Questão de vida. O peso de minha biblioteca já é tão grande, que está sendo um perigo a estabilidade da casa. Só há um remédio possível para o mal: as estantes que eu mandei fazer e que ficarão em logar que suporte o peso.

Quer ficar com remorso de saber que eu fiquei esborrachado, por me ter desabado em cima um andar inteiro? Creio que não... Não sei que de mim tenha agravo algum para vingar tão barbaramente. Nesse caso, autorize a suspensão dos outros trabalhos e permita que ponham mãos à minha encomenda.

E muito lhe agradecerá o amigo já agradecido Medeiros e Albuquerque

Em 02.04.907 (Fonte: Acervo do CEJA) (Sublinhado no original).

As duas cartas de Medeiros e Albuquerque, ex- diretor Geral da Instrução Pública do Distrito Federal, permitem desviar o foco dos aspectos legais e observar, sob outro ângulo, a ligação do IPJA com a cidade e, portanto, com os sujeitos nela presentes. Nessa direção, Jucinato Marques (1996, p. 64) alerta que “é justamente aí, onde se travam as relações sociais mais intensas, rotineiras, em que, cotidianamente, elas são rarefeitas e elaboradas”, tornando possível, assim, verificar que houve um tipo de relação de natureza clientelística entre Medeiros e Albuquerque e Alfredo de Azevedo Magioli Maia135.

Entretanto, o fato do IPJA ser um lugar de produção, fosse para particulares ou para a máquina administrativa, não era uma situação aceita com tranquilidade por parte de seus diretores, bem como de outros sujeitos interessados pela questão. Essa evidência pôde ser constatada em 1919, em vista da iniciativa de delinear as bases principais para a reorganização do ensino profissional do Distrito Federal, por parte do diretor Geral da Instrução Pública, Raul Leitão da Cunha (1847-1947), que organizou uma Comissão para essa finalidade. Tal Comissão teve como relator Coryntho da Fonseca, diretor da Escola Profissional Souza Aguiar. Em relatório, a Comissão

colocou contraria às encomendas, seguida por todos os diretores consultados: é tão incompatível o ensino profissional com a producção de carater intensivamente industrial, que essa mesma incompatibilidade foi causa da instituição do ensino - techico- profissional.

O que é a encomenda?

135

Medeiros e Albuquerque foi diretor Geral da Instrução Pública do Distrito Federal em períodos alternados: de 10 de maio a 31 de dezembro de 1898; de 04 de setembro de 1900 a 25 de agosto de 1904; de 31 de dezembro de 1904 a 08 de março de 1905 e de 31 de dezembro de 1905 a 27 de abril de 1906 (BRAGA, 1925, p. 4-5) Sobre a noção de clientelismo, consultar Carvalho, José Murilo de.Pontos e Bordados: escritos de história política. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998.

É a intromissão atrabiliaria do freguez que exige a confecção de uma determinada forma e ás vezes em determinada quantidade, sem consultar se ella calha com o grau attingido pela evolução didactica dos alumnos nem se pode ser prejudicada pela repetição multiplicada da encomenda detendo demasiadamente a aprendizagem num ponto já sabido e onde ella não pode deter-se sem prejuizo irreparável do ensino [...]. Assim que futuros operários tecelões ou sapateiros sahiram dahi? (COMISSÃO, 1919, p. 56).

A respeito das encomendas, observou-se a permanência dessas práticas feitas por particulares e pelo poder público ao IPJA, em todo o período estudado, conforme Art. 272 do Decreto n. 2940, de 22 de novembro de 1927, onde se lê:

As escolas profissiones, sem prejuízo de seus programmas de ensino, produzirão como industrias nos dois últimos annos de curso, senão para se bastarem a si mesmas, ao menos para formarem um patrimônio para assistência aos alumnos e desenvolvimento das officinas (BOLETIM DA PREFEITURA, 1928, p.106).

A partir dessas questões, pergunto-me: afinal, depois de admitidos ao IPJA, tendo cursado o programa das aulas teóricas e práticas, quantos completaram o curso e quais ofícios aprenderam? Quantos abandonaram antes da conclusão?