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3 O ASSENTAMENTO RURAL OITO DE JUNHO

3.2 OITO DE JUNHO: DO ACAMPAMENTO AO ASSENTAMENTO

Em oito de junho de 1997 dezessete famílias ocuparam a frente do portão da Fazenda Rio do Leão às margens da rodovia BR 158 em Laranjeiras do Sul (CAMPOS, 2011). Era o marco inicial da luta de famílias camponesas pelo direito a um pedaço de terra. Luta que não se esgotou com a conquista da terra, mas que continua para desenvolver relações de produção e de vida. A data além de dar nome ao acampamento é comemorada como o aniversário do assentamento, porém esse espaço localizado às margens da BR 158, já possuía uma historia precedente na luta pela reforma agrária.

[...] no ano de 88, pra se te uma ideia já começo os primeiros acampamentos ali, que deu origem ao assentamento Passo Liso aqui em Laranjeiras, um dos mais velhos e deu origem a outros acampamentos. [...] então por ser um local próximo de Laranjeiras, tá entre Laranjeiras e Rio Bonito numa BR de menos movimento do que a 277, foi o local escolhido pra se faze os acampamentos na época que se reivindicava a reforma agrária e naturalmente ele passou a ser um lugar que teve esse privilégio de vários acampamentos. [...] originou também outros acampamentos que ocuparam na época a fazenda cachoeira, que não virou assentamento depois, saíram e foram pra fazenda estrela que hoje é o assentamento em Nova Laranjeiras. Interessante que as famílias acampavam ali, mas não com o objetivo de ficar em cima daquele latifúndio era pela localização da BR, talvez nem conheciam de fato que ali existia um latifúndio improdutivo e assim foi a sequência [...] (LIDERANÇA 1).

Gradativamente o movimento e a luta pela terra foram ampliando as conquistas através da reforma agrária nessa região, tendo como marco a conquista do Assentamento Ireno Alves em Rio Bonito, fruto de um acampamento com mais de 3000 famílias. A história do acampamento Rio do Leão está ligada diretamente a esse acampamento maior, pois as primeiras famílias que acamparam na porteira da

fazenda Rio do Leão eram oriundas do Ireno Alves, orientadas pelo MST e setores progressistas da Igreja Católica que perceberam que ali existia terra improdutiva.

[...] começaram a perceber que ali existia um latifúndio também e que podia

se torna um assentamento. (LIDERANÇA 1).

[...] por incentivo de pessoas do movimento e mais o pessoal mais ligado também à Igreja, o padre Afonso de Rio Bonito do Iguaçu fizeram o convite pra mim vim também pro acampamento que tava surgindo, o acampamento ali na beira da BR, chamado na época de Acampamento Rio do Leão (LIDERANÇA 2).

O período de acampamento, que, inicialmente, se previa curto no Rio do Leão, baseado em experiências anteriores, acabou se alongando e a conquista que, se imaginava viria em meses, durou quatro anos. Foram muitas as dificuldades, famílias separadas, pois nem todos os membros vinham para o acampamento, a constante disputa com os fazendeiros, as dificuldades com a alimentação, a saúde, a educação entre outros.

porque é um troço se você não é persistente, se você não vem com o objetivo e conhecendo um pouco o histórico, você não guenta, você não guenta porque a pressão vem de todo o lado. [...] digo ó se você tivé querendo um pedaço de terra e você boto na cabeça que você qué você vai, se você tive em dúvida você não vá porque você vai perde tempo”.(RESPONSÁVEL 3)

“Na luta ali houve vários momentos de bastante dificuldades, ou seja, fazendeiro mantinha segurança que era os pistolero né que ameaçava as famílias, que pressionavam pra despeja, que andavam armado que davam tiro à noite. Só foi possível resisti porque houve muito apoio desses acampamentos vizinho, principalmente do Ireno Alves, então tem esse reconhecimento por parte das famílias de origem do Assentamento 8 de Junho de que nós só conquistamos aquele assentamento graças ao apoio dos companheiro assentados lá no Rio Bonito do Iguaçu, houve essa troca essa solidariedade ai principalmente na questão da resistência então isso foi um marco que eu acredito importantíssimo.[...] Eu acompanhava essa luta do assentamento Oito de Junho na época que foi ocupado, então era eu que fazia reunião com eles quando dava poblema, eu que vinha acompanha fazia as assembleia organizava, discutia segurança e acabamos então criando uma afinidade muito grande com aquelas famílias, tanto é que eu acabei me cadastrando junto com eles e ficando no acampamento”.(LIDERANÇA 3).

Apesar das dificuldades os relatos trazem também uma visão positiva da luta da organização, da solidariedade, enfim dos laços que se formam no acampamento e que, com certeza, perduram e possibilitam uma organização para depois da conquista da terra, como aparece em algumas entrevistas. “Foi um período assim,

bastante dificuldade também, né, uma outra realidade, mas também foi uma grande escola pra gente, essa questão de saber conviver com as pessoas, respeitar as diferenças” (LIDERANÇA 2)

[...] as mulher se reuniam pra discuti os problema que, daí tinha fome né, queira ou não queira, mas sempre tinha frio né no inverno, falta de água na seca ou chuva demais no inverno, então se reunia mais pra isso pra resolve, saúde, na escola das crianças, que quando a gente tava acampado, nem Rio Bonito não queria nóis, nem um município, nem Laranjeiras, então uma hora tem que estuda em Rio Bonito, uma hora em Laranjeiras, saúde também depende do SUS. Então se reunia muito, mais pra discuti as dificuldade né. Mas com essa dificuldade daí começo também de alguém corre atrás, a gente tinha ligação com o sindicato né, com o próprio movimento né assim dava arrecadação né, pra faze agasalho pra faze de repente artesanato pra vende pra daí compra outra coisa, um remédio, então as mulher se reunia toda semana uma vez por semana a gente fazia isso, então os próprio artesanato servia pra faze acolchoadinho de lã, retalhos já pra agasalha também né. [...] nós já sonhava de trabalha em coletivo, nós tinha conseguido máquina de costura uma vez, então fazia fila né pra costura naquela máquina, e dizia um dia nós vamo te um coletivo com as mulher no assentamento pra trabalha, pra te uma malharia um negócio de costura né, fabriqueta de costura [...]. (CÔNJUGE 4).

O lazer no acampamento reforçava os laços e aproximava as famílias, apesar das precárias condições de vida às margens de uma rodovia, muitas das atividades que fazem parte do lazer atualmente tiveram suas raízes no período de acampamento. “Tinha lazer local, só que já começou no acampamento as nossas

festinhas comunitárias que mantém até hoje, hoje não dá pra chama de festinha tem que chama de festona [...] e um tradicional jogo de vôlei, isso era sagrado todo dia na beira do asfalto.” (CÔNJUGE - 4). “[...] chamemo a patrola da prefeitura pra faze uma quadra na beira do asfalto, o pessoal dos nossos mesmo fazia a rede.” (FILHO 1 - 4). “A piazada ia roba jabuticaba fugia dos pistoleiro, era diversão” (FILHO 2 - 4).

O processo que se desencadeia através da luta, dos acampamentos, das ocupações não termina com a desapropriação de áreas improdutivas e o respectivo assentamento das famílias, o processo ganha novos horizontes e se retoma nova luta agora para permanecer na terra e garantir a reprodução dessas famílias. As dificuldades são tão grandes quanto foram no momento de conquista do território.

Foram quatro anos de acampamento mesmo em beira de estrada, na lona, e depois saiu a área em 2001 e 2002 que saiu os recursos né, e o pessoal conseguiu construir suas casas já nos lotes. Recurso pouco também né, que a estrutura do Incra infelizmente ainda é muito pouco. Na época tinha R$ 2500,00 pra construir uma casa né. Então pelo tempo de acampamento o pessoal, boa parte do pessoal também já tinha dívida com outros

familiares e até em mercado, essas coisas, então essa grande dificuldade nesse tempo de acampamento. Mas eu acho que a progressão do assentamento aí foi muito boa né. (LIDERANÇA 2)

Pouco mais de quinze anos após aquela noite de oito de junho de 1997, quando dezessete famílias ergueram seus barracos dando início a um movimento de luta pela terra, o Assentamento Oito de Junho está constituído por setenta e um lotes. “Foram feitos 74 lotes. Hoje tem 71 né e 3 lotes, com a vinda da

Universidade[...]” (LIDERANÇA 2).