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Orlandi (2005c), ao tratar do dispositivo de análise em AD, argumenta que sua proposição é a de construir um dispositivo de interpretação que tem como característica pôr em cena os elementos constitutivos do sentido. Enfatiza que “A Análise de Discurso não procura o sentido ‘verdadeiro’, mas o real do sentido em sua materialidade linguística e histórica” (p. 59).

Em relação ao corpus, salienta que sua delimitação não segue critérios empíricos, mas antes teóricos, uma vez que seu interesse não é exaustividade, pois não há discursos fechados e sim processos discursivos. Desse modo, segundo a autora, a construção do corpus e análise estão interligados, pois, ao decidir o que entra ou não no corpus, já se está decidindo quais são as propriedades discursivas que carregam em sua seleção princípios teóricos (ORLANDI, 2005c).

Tocados por tais condições, desenvolvemos este trabalho apresentando uma singularidade de olhar sobre o objeto de estudo, dado que este nos incomoda e impulsiona rumo a uma desconstrução, desestruturação e compreensão de possíveis sentidos.

Considerando que este trabalho toma como pressuposto teórico-metodológico a AD, posta em relação com algumas noções próprias aos estudos desenvolvidos sob a égide da HIL, torna-se pertinente fazer algumas observações de como se dá a constituição do corpus e qual dispositivo de análise se aciona na leitura dos discursos.

Nosso objeto de análise é a Gramática Normativa da Língua Portuguesa, de Carlos Henrique da Rocha Lima, em sua 1ª, 3ª, 15ª e 31ª edições, que passamos a descrever.

A GNLP teve sua 1ª edição publicada em maio de 1957, pela Editora Briguiet; a 3ª edição, publicada em 1959, pela Editora Briguiet, trazendo a informação que está de acordo com a Nomenclatura Oficial; a 15ª edição, publicada em 1972, pela Livraria José Olympio Editora, com nova capa e com a informação de que foi

“refundida”; e a 31ª edição, publicada em 1991, pela José Olympio Editora, com nova capa, e a informação de que foi “retocada e enriquecida”.

Importa destacar por que escolhemos estas e não outras edições da GNLP. Esta obra foi publicada no momento no qual se estabeleceu a NGB, considerando também que nosso interesse por esse instrumento linguístico está, inclusive, ligado ao fato de que se mantém “reeditada, enriquecida, retocada” e, até mesmo, “refundida” em edições até hoje. Parafraseando Guimarães (2004b), trata-se de uma obra marcada por uma relação muito particular com um dos acontecimentos institucionais decisivos da ação normativa do Estado sobre a língua do Brasil.

A fim de desenvolver nosso gesto de interpretação, realizamos dois movimentos de análise, conforme segue:

No primeiro movimento de análise reservamos um lugar especial para o trabalho com a apresentação gráfico-imagética da GNLP. Consideramos a imagem um lugar especial, pois nos estudos do discurso trata-se de um tipo de materialidade em fase, diríamos, inicial de estudo e análise. Como apresentações gráfico- imagéticas tratamos de três capas da GNLP, em sua 1ª, 15ª e 31ª edições. As capas da 31ª e 1ª edições são compostas de textos, já a capa da 15ª edição é composta de imagens e textos atrelados a ela, configurando objeto discursivo passível de análise, mexendo com a questão da memória. Essas capas são tomadas em seus atravessamentos e constituídas por discursos, logo, produzem sentidos, sendo o primeiro contato visual que o leitor tem com a obra. Sob essa perspectiva as capas serão tomadas como espaço de pré-faciamento da obra.

Inferimos que há diferentes possibilidades de o “diferente” emergir no “mesmo”. Para tanto, no segundo movimento de análise, tomamos os sumários, objetos discursivos plenos em sentidos, no qual observamos os movimentos de inclusão, exclusão e mudança de conteúdos, bem como alterações nos nomes dos conteúdos que os compõem; investimos nas análises de concepção de língua, observando e analisando definições de língua que materializam o imaginário presente na tomada de posição-sujeito gramático; também observamos e analisamos o funcionamento de língua fluida e língua imaginária, bem como de termos e definições que remetem aos sentidos de “norma-mesmo” (unidade, homogeneidade) e “anormal-diferente” (diversidade, heterogeneidade); adentramos a NGB, via texto de Advertência, e analisamos como se dá o

funcionamento da tomada de posição do sujeito gramático que se movimenta entre a homogeneização e a autoria.

Desde o início deste trabalho, apoiamo-nos na hipótese que há diferentes possibilidades de o “diferente” emergir no “mesmo”. Recorrendo aos movimentos de análise, observamos que é fato: o “diferente” co-existe no espaço da GNLP. Quanto ao primeiro movimento, podemos, sutilmente, explicitar que selecionamos uma materialidade discursiva que traz à tona uma memória já existente e, como consequência, leva-nos à produção de novos sentidos que implicam na reorganização da memória. Entre o verbo e a imagem, as apresentações gráfico- imagéticas da GNLP remetem os movimentos de análise, ora para uma naturalização da designação Língua Portuguesa, ora para um embate na tentativa de marcar a identidade da língua em sua designação. Já para o segundo movimento de análise, apresentamos nossos recortes discursivos que mostram regularidades linguístico-discursivas que contribuem para a reflexão dos movimentos e funcionamentos do “diferente” no “mesmo”. Desse modo, com esses movimentos de análise, procuramos dar conta do que nos propomos desenvolver, além de tentar apontar para novas possibilidades de sentido que permeiam o discurso gramatical.

PARTE II

2 E A GRAMÁTICA NORMATIVA VAI SURGINDO...

Ao se pensar a gramática como objeto histórico, emergem alguns questionamentos que merecem um lugar para serem discursivizados: como é seu processo histórico de constituição? Como a gramática é reproduzida, transformada, renovada e atualizada? Como se constitui a posição histórico-discursiva do sujeito gramático? Como se dava a produção do conhecimento que circunstancializa nosso objeto de estudo? Essas são algumas das questões que nos incomodam e nos fazem ver que é preciso desestabilizar aquilo que aparece como uma certitude e explicitar nosso gesto de interpretação acerca do que circunstancializa nosso objeto de análise.