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O olhar para dentro da escola – a relação da comunidade com a água

3. PESQUISA E AÇÕES DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL: DO SENSIBILIZAR PARA

3.4 O olhar para dentro da escola – a relação da comunidade com a água

O desenvolvimento da atividade exploratória no ambiente escolar, responde ao primeiro objetivo da pesquisa. Foi realizada nesse momento porque a intenção da pesquisadora era que essa identificação da postura da comunidade escolar fosse feita justamente com a participação dos alunos, os sujeitos pesquisados. Isto posto, foi necessário que eles participassem anteriormente de atividades que propiciassem a aquisição de conhecimentos relativos à temática trabalhada. Acreditamos que assim, essa etapa da pesquisa seria realizada de forma mais consciente.

De acordo com Carvalho (2013), o refletir coletivamente com relação ao quanto ecológica é ou pode ser a escola, seja em suas relações internas, seja com o seu entorno, possibilita a realização de um autodiagnóstico. Neste, deve-se considerar que a escola é permeada por subjetividades consonantes ou não com os ideais ecológicos. De acordo com os valores que predominam no contexto escolar, ela pode ser um espaço educador favorável ou não à formação de identidades ecológicas ou predatórias.

Destarte, a atividade foi iniciada com um diálogo em que os alunos foram provocados a refletirem a respeito da relação da sociedade com o meio ambiente fora do espaço escolar e em seguida dentro da unidade de ensino. Nesse momento foram abordados os problemas socioambientais percebidos por eles quando visitaram a exposição “Eu amo o Velho Chico” e os problemas verificados no entorno da escola através da atividade de campo (Figura 13).

Figura 13 - Momento de diálogo na unidade escolar

Finalizado o diálogo os alunos foram então questionados sobre a realidade da escola. Assim, os professores perguntaram se a escola apresentava problemas socioambientais por conta da falta de cuidado da comunidade para com ela. Todos responderam que sim e a maioria citou como exemplo o desperdício de água nos bebedouros e na caixa d’água que quando enche sempre transborda, bem como os resíduos sólidos jogados fora do lugar adequado.

Desta forma, foram orientados a fazer uma atividade exploratória na escola e registrar com as câmeras dos aparelhos celulares os problemas socioambientais encontrados, bem como observar e anotar aspectos da postura da comunidade escolar com relação a utilização da água, seja através do comportamento dos usuários, seja da estrutura do patrimônio escolar que garante o uso racional da mesma.

Assim, corroboramos com Menezes (2017) ao afirmar que é muito importante que os alunos sejam estimulados pelos professores a assumirem uma postura de investigador no desenvolvimento das atividades pedagógicas. Para que isso ocorra, toda a situação deve ser planejada pelo professor, que ao repensar sua prática cria situações em que a pesquisa, tradicionalmente desenvolvida na academia, seja desenvolvida na educação básica.

A posição de pesquisador oportuniza, desta forma, a construção do conhecimento pelos sujeitos que historicamente foram treinados a reproduzirem o padrão de escola imposto pela sociedade. Modelo que Foucault (1979) coloca como de aparelhamento disciplinar, uma forma de violência, segundo o autor, já que há a separação entre aqueles que têm o poder e os que não têm. Assim, podemos afirmar que esse modelo limita a liberdade e desta forma a emancipação e transformação, consequentemente é um meio de reprodução da sociedade e de manutenção do modelo capitalista de produção. Por isso, a importância de romper com esse modelo para pensar as relações socioambientais no espaço escolar, possibilitando aos alunos a autonomia para pesquisar, aprender e ensinar.

Isto posto, a atividade de pesquisa durou aproximadamente 45 minutos, pois foi realizada em um horário que abarcou o momento do intervalo das aulas escolares, horário que os alunos mais utilizam os bebedouros, sanitários, torneiras, ou seja, os equipamentos que dão acesso ao uso da água. Os alunos exploraram o máximo possível o ambiente escolar, observando e fazendo o registro fotográfico das áreas externas, dos banheiros, sala dos professores, cozinha, entre outros locais (Figura, 14).

Figura 14 - Atividade exploratória no espaço escolar.

Fonte: Andrade; Jesus; Santos, 2018.

Ao retornarem da atividade no ambiente escolar, os alunos passaram as imagens para o notebook e estas foram projetadas na lousa, possibilitando que todos pudessem observá-las e refletir sobre cada uma delas (Figura 15). Fazendo inclusive a relação com o entorno da escola onde os efluentes oriundos dos domicílios, comércio e locais de prestação de serviços, como a unidade de ensino, causam os problemas socioambientais identificados no trabalho de campo realizado. Foram apontadas que ações voltadas para o uso racional da água no âmbito escolar repercutiria positivamente na diminuição da geração dos efluentes que são despejados na rede de esgoto e que sem tratamento algum correm pelos canais pluviais e encontram o mangue do Tramandaí. Desta maneira, salientou-se que ações locais, executadas pela comunidade escolar dentro do espaço da unidade de ensino seria uma forma de minimizar os impactos que estão além dos muros da escola.

Em se tratando das imagens que foram registradas dentro do espaço escolar, a análise das mesmas leva a afirmar que os alunos identificaram os problemas já citados por eles antes da atividade, bem como outros problemas até então não mencionados, pois passavam despercebidos no cotidiano escolar. São eles: torneiras quebradas ou com defeito, canos

quebrados e descargas sanitárias com vazamento, o que provoca a perda da água. Desta forma, foram identificadas as problemáticas mais recorrentes, estas também foram anotadas pelos alunos em uma ficha (Apêndice C) que foi entregue pela professora e pesquisadora.

Figura 15 - Alunos analisando as imagens da atividade exploratória no espaço escolar

Fonte: Cunha, 2018.

Com os dados oriundos da observação realizada pelos alunos e anotados nas fichas foram construídas duas nuvens de palavras. A técnica de nuvens de palavras possibilita a representação e análise dos dados da pesquisa através do uso do computador. Neste caso foi utilizada a ferramenta gratuita Word Clouds disponível em https://www.wordclouds.com. O procedimento consistiu na inserção das palavras contidas nas fichas, no campo destinado a digitação das palavras na ferramenta utilizada. Para a realização do procedimento foram retirados do texto, artigos, preposições, pronomes e demais elementos gramaticais de valor limitado se considerarmos a análise proposta, uma vez que as nuvens representam a frequência das palavras no texto, ou seja, o tamanho de cada palavra indica o número de vezes que os sujeitos pesquisados recorreram àquela palavra para expressar algo.

Após o término da inserção das palavras, a ferramenta criou as nuvens de palavras e ao mesmo tempo gerou dois relatórios com a ordem das palavras da maior para a menor frequência. Essas informações foram então utilizadas na representação dos dados e deram suporte à análise quali-quantitativa dos mesmos.

A primeira nuvem sintetiza a visão dos alunos com relação aos problemas, relativos ao uso da água, encontrados na unidade escolar (Figura 16), pois ela foi construída a partir das repostas ao primeiro questionamento “Quais foram os problemas encontrados?”.

Figura 16 - Nuvem de palavras relativa aos problemas na estrutura do patrimônio escolar que garante o uso racional da água.

Fonte: Cunha, 2019.

A análise da nuvem de palavras evidencia que o uso da água no espaço escolar foi associado a questões relativas às condições de infraestrutura do patrimônio escolar, uma vez que a palavra “quebrados” foi citada quase o mesmo número de vezes que a palavra “água”. Fato que se explica pelas condições em que a unidade de ensino se encontra atualmente. Suas instalações estão bastante deterioradas pela ação do tempo, indicando a necessidade de uma reforma geral, pois a última foi realizada há quase duas décadas. Nos últimos anos apenas pequenos reparos foram realizados no prédio, como forma de paliativo para que as atividades educacionais fossem realizadas. Além disso, foi colocado pelos alunos que as manutenções nos equipamentos deveriam ocorrer com uma frequência maior uma vez que o número de pessoas que utilizam os mesmos cotidianamente é significativo, o que acaba gerando o próprio desgaste.

Pode-se ainda inferir que a ausência de zelo por parte dos usuários, nesse caso os alunos, com os equipamentos da escola foi apontado como relevante uma vez que além de “quebrados” aparecem em destaque também a palavra “desperdício”. Fato confirmado ao se fazer uma relação da nuvem com os registros fotográficos realizados pelos alunos, pois foi representativa

a perda de água por conta de danos causados nos equipamentos, além da falta de cuidado ao se realizarem atividades essenciais para o ser humano como beber água e lavar as mãos. Torneiras pingando, por estarem mal fechadas foi um fato apontado por vários alunos.

A segunda nuvem de palavras resulta das respostas ao segundo questionamento presente na ficha de observação: Qual é a sua concepção com relação a postura da comunidade escolar ao utilizar a água? (Figura 17).

Figura 17 - Nuvem de palavras relação da comunidade escolar e a água.

Fonte: Cunha, 2019.

A análise da nuvem evidencia que a relação da comunidade escolar com a água é caracterizada como “irracional” pelos alunos. Sendo ela associada a práticas insustentáveis como o desperdício e à falta de cuidado com o patrimônio escolar, que acaba provocando a perda desse bem natural que é a água. O que pode ser sustentado ainda nas falas dos alunos ao relatarem episódios em que eles puderam presenciar atos de vandalismo contra o patrimônio escolar.

“Lembro do dia que o segundo bebedouro chegou. Instalaram ele pela manhã e no final da tarde uma torneirinha já estava quebrada” (A3).

Da mesma forma, evidenciado em trechos da discussão com relação a problemas antigos e que nunca foram solucionados.

“Estudo aqui há mais de 4 anos e sempre vejo a caixa d’água transbordando ao encher” (A2).

Diante do exposto e como forma de identificar a postura da comunidade escolar, respondendo desta maneira o primeiro objetivo desta pesquisa, foi solicitado aos alunos que classificassem essa relação da comunidade com a água e consequentemente com o meio ambiente. Como parâmetro foram utilizados os termos “relação ecológica” e “relação predatória” definidas por Carvalho (2013) ao discorrer sobre os diferentes estilos de vida que pessoas e instituições assumem cotidianamente através das relações que estes estabelecem com o ambiente. O primeiro associado ao modo cuidadoso do sujeito de se relacionar com humanos e não humanos, de responsabilidade e solidariedade com o ambiente. O segundo, referente a modos de viver antiecológicos, ou seja, que exprimem a falta de cuidado, responsabilidade e solidariedade com o ambiente.

Mesmo consciente da necessidade de pensar o ambiente de forma complexa, sabendo desta maneira que a escola é um local de diversidade, de muitas particularidades. Resolvemos focar a classificação nessa relação da comunidade com a água. Desta forma, 100% dos alunos responderam que classificam essa relação como predatória.

O que demonstra uma tomada de consciência considerada importante, uma vez que a ausência de práticas consideradas ecológicas e sustentáveis passam a deixar de serem vistas com naturalidade. Esse sensibilizar para a questão da água pode ser o primeiro passo para outras sensibilidades, outros olhares sobre relações que se desenvolvem na escola. Sendo importante ressaltar que os olhares não passaram despercebidos pela questão dos resíduos sólidos e do uso da energia no espaço escolar, fatos evidenciados nos diálogos que ocorreram ao longo da atividade.

Também foi colocado que falta assistência e manutenção da infraestrutura necessária para o acesso a água, mas que também falta compromisso, responsabilidade e vontade de querer cuidar por parte dos alunos. Concordaram em conversar com a gestão sobre a situação de destruição do patrimônio escolar e consequente desperdício de água, como também tentar sensibilizar os colegas com relação a sua preservação.

A reflexão sobre essa etapa da pesquisa, em que o aluno desenvolve sua capacidade de pesquisar, verificar e entender uma determinada problemática vivida pela comunidade escolar,

através de uma prática diferenciada nos remete a Guimarães (2016) que defende uma práxis pedagógica de reflexão crítica, onde a ação participativa dos envolvidos possa unir teoria e prática de uma maneira inseparável. Ao mesmo tempo que ela dá autonomia ao aluno, fornece ao professor ao realizar sua prática pedagógica, a incorporação de práticas diversificadas e criativas de ação coletiva e individual que possibilitam transformar e construir uma nova realidade socioambiental.

Concluída a atividade para verificação da relação da comunidade com a água no espaço escolar partimos para a atividade seguinte que consistiu na elaboração de material pedagógico que posteriormente foi utilizado para sensibilizar outros alunos, professores e equipe gestora da unidade de ensino. O que pode ser observado na seção que segue.

3.5 A produção de material pedagógico - prática que reflete o aprender de forma