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OLHARES EPISTÊMICOS DE GEÓGRAFOS BRASILEIROS: CONTRIBUIÇÕES E TENDÊNCIAS

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3- OLHARES EPISTÊMICOS DE GEÓGRAFOS BRASILEIROS: CONTRIBUIÇÕES E TENDÊNCIAS

É recente o interesse epistêmico do geógrafo brasileiro em pesquisar a área de interceção da geografia com o turismo. Esse é o primeiro aspecto que consideramos na tarefa de análise e sistematização do conhecimento produzido em dissertações e teses ao longo de trinta anos (1975-2005). O segundo é a tarefa de juntar os fios e tecer o mosaico dessas contribuições e, a partir daí, sinalizarmos tendências e acrescentarmos sugestões teórico- metodológicas para encaminhamento de novas pesquisas.

Para a análise crítica dessas contribuições adotamos o seguinte procedimento: reconhecimento do arcabouço teórico que sustenta essas produções, identificação e análise de conceitos e temas que dão sustentação

teórica à produção desse conhecimento e a sistematização das abordagens geográficas do turismo que conformam a produção acadêmica do conhecimento brasileiro nessa área em um dado momento.

Esse procedimento metodológico desafiante é destacado nos subitens que seguem.

• Arcabouço teórico da produção brasileira na abordagem geográfica do turismo

Duas teses do nosso banco de dados analisam, embora com critério diferenciado, o arcabouço teórico que informa obras produzidas na abordagem geográfica do turismo. Por esta razão as contribuições desses autores se revestem de importância para o encaminhamento de nossa análise.

Na perspectiva cronológica, a primeira tese, sob o título “Águas de São Pedro – estância paulista. Uma contribuição à Geografia da Recreação”, é de autoria de Adyr Apparecida Balastreri Rodrigues, defendida em 1985, no Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. As partes dessa tese que tomaremos como referência se encontram nos itens “1.1 – O enfoque da recreação na bibliografia geográfica” e “1.2 – A Geografia da Recreação no Brasil”, p. 11-28.

No item 1.1, a autora realiza uma análise do estado da arte da produção do conhecimento da Geografia do Turismo, Ócio e Recreação. Essa análise revela o horizonte pluriparadigmático de abordagens que caracterizam o pensamento geográfico a partir da segunda metade do século XX. Esse procedimento pluriparadigmático se refere tanto aos pesquisadores dos países de economia liberal da Europa Ocidental (franceses, portugueses,

italianos e espanhóis), incluindo os pesquisadores de países anglo-saxões, quanto aos pesquisadores dos países do bloco socialista europeu.

A facilidade lingüística de acesso aos dados permite que a autora discorra, com riqueza de detalhes, acerca do ordenamento territorial do turismo nos países citados. Na França, por exemplo, a partir da década de 60, surgem trabalhos na linha da Geografia Pragmática cuja função é fornecer subsídios em nível de inventários de base a serem usados nas ações do Estado planejador. Este seria o responsável, junto com poderosas companhias de economia mista, pela reorganização do espaço regional tendo em vista seu planejamento turístico. O resultado da parceria entre o Estado planejador e as empresas privadas será o mote dos estudos críticos, sob a ótica economicista, que surgem a partir da década de 1970. Tais estudos criticam o jogo de interesses entre Estado e empresas privadas para a instalação da infra-estrutura turística. Criticam também o capital externo aplicado no contexto regional com os lucros auferidos indo para fora do contexto onde são gerados e os efeitos socioespaciais negativos do uso do território turístico distribuído com a comunidade.

Além da abordagem pragmática e crítica, há os estudos com abordagem clássica, com foco também no aspecto econômico. Esses, segundo a autora “se caracterizam por abordagens descritivas, predominando os estudos regionais, em detrimento do enfoque sistemático. Salvo exceções, observa- se nesses trabalhos a supremacia do estudo funcional do espaço sobre o tratamento da sociedade, importante componente desse espaço.” (p.12)

Assim como os europeus de países de economia liberal, os pesquisadores anglo-saxões desenvolvem seus estudos na abordagem pragmática. Nas obras em que teve acesso, Rodrigues depreende que os estudos denotam pouco interesse no trato político e social dos espaços de lazer. São eles, sobretudo, estudos que envolvem técnicas matemáticas de análise e

recursos de informática na construção de modelos, cujo foco é a estrutura espacial da recreação (relação entre pólos emissores e receptores, distribuição geográfica, dinamismo de regiões turísticas).

No entanto, um fato que distingue os pesquisadores anglo-saxões dos demais geógrafos-pesquisadores europeus, segundo Rodrigues, é a transposição de conhecimentos da Psicologia da Percepção e da Psicologia do Comportamento para os estudos de prognósticos que informam a ação do planejamento turístico. Esses conhecimentos incorporados pela Geografia da Percepção buscam compreender a “forma pela qual o homem percebe e reage frente às condições e aos elementos do meio circundante e como esse mecanismo se reflete na sua interação espacial” (p.18).

Neste sentido, os dados levantados por essa autora coincidem com as conclusões a que chegamos ao analisar os textos de geógrafos espanhóis, que informam a produção da parte II, dessa tese.

Segundo Rodrigues, os países europeus do então bloco socialista, sobretudo a URSS, ao considerar o lazer como direito social, combinam numa totalidade os sistemas de recreação, transportes e produção. O resultado é a produção de estudos interdisciplinares que combinam técnicas da geografia clássica com a análise quantitativa, baseados na teoria geral dos sistemas, bem como na investigação através de modelos. A finalidade é informar a planificação do fenômeno turístico.

A guisa de síntese, a autora em questão conclui que, independente da posição política capitalista ou socialista do país, o fenômeno turístico é estudado nos anos 60 e 70 sob a ótica economicista, e a partir dela “se justificavam as pesquisas interdisciplinares visando o planejamento das regiões turísticas” (p.28).

Em relação ao item “1.2 – A Geografia da Recreação no Brasil”, Rodrigues avisa, de antemão, que não pretende esgotar o assunto. Assim procede ao identificar as primeiras contribuições brasileiras ao estudo do fenômeno turístico e seus respectivos autores, bem como reconhece nesses escritos sua “vinculação à evolução teórico-metodológica pela qual vem passando a Geografia no pós-guerra, refletindo tendências da Geografia Clássica, passando pela chamada Nova Geografia [...] chegando ao enfoque do fenômeno recreação-turismo sob a ótica da chamada Geografia Nova.” (p.28)

A segunda tese referenciada é de Ouriques, sob o título “A produção do turismo: fetichismo e dependência”, defendida na Universidade Estadual Paulista, campus de Presidente Prudente, em 2003. O autor dedica o Capítulo 3 (p. 94-124), intitulado “Produção científica em turismo: síntese crítica”, ao levantamento das principais tendências teóricas a partir da análise de obras de autores brasileiros, geógrafos e turismólogos.

O critério escolhido por Ouriques para proceder à análise das obras selecionadas32 é “o modo como os autores estudados abordam: a) o

32 LAGE, Beatriz e MILONE, Paulo. Introdução ao estudo do turismo (1991); LEMOS, Leandro de. Turismo, que negócio é esse? (1999); BENI, Mário Carlos.

Análise estrutural do turismo (2000); PETROCCHI, Mário. Turismo, planejamento e gestão (2000); CASTROGIOVANNI, Antonio Carlos. (Org) Turismo Urbano (2000);

CORIOLANO, Luzia Neide M.T. Do local ao global: o turismo no litoral cearense. (1998); PORTUGUEZ. Anderson P. Agroturismo e desenvolvimento regional (1999); RUSCHMANN, Doris. Turismo e planejamento sustentável (1997); LIMA, Luiz Cruz. “O planejamento regional” (1999); BARRETO, Marguerita. Ciências sociais

aplicadas ao turismo (2000); CRUZ, Rita de Cássia A. “Políticas de turismo e

construção do espaço litorâneo no Nordeste do Brasil” (1999) e “O planejamento governamental e a política pública de turismo: o que são para que servem” (2002); RODRIGUES, Adyr B. Turismo e Espaço (2001); YÁSIGI, Eduardo. Turismo, uma

esperança condicional (1999); MOESCH, Marutschka. O saber-fazer turístico:

possibilidades e limites de superação (2001); TRIGO, Luiz Gonzaga Godoi. A

sociedade industrial e o profissional em turismo (1998); RODRIGUES, Arlete

Moisés. “Turismo e o mito da sustentabilidade* (2000a) e “Desenvolvimento sustentável e atividade turística” (2000b); LUCHIARI, Maria Tereza. “Urbanização turística: um novo nexo entre o lugar e o mundo” (2000a) e “Turismo natureza e

trabalho; b) a natureza; c) o capital; d) o Estado.” Em decorrência, ele identifica “a existência de quatro linhas de interpretação e análise do turismo”:

1- concepção economicista neoclássica de cunho predominantemente liberal; 2- desenvolvimento planejado (através do Estado) que inclui a “questão ecológica”.

3- concepção pós-moderna de crítica ao “turismo em massa e pelo elogio à diferenciação e/ou segmentação do mercado turístico, com ênfase na cultura, patrimônio histórico e natural e incorpora premissas modernistas das concepções anteriores”;

4- enfoque crítico com ênfase nos “aspectos do consumo e produção destrutivos da atividade turística”. (p.96)

O nosso procedimento de análise dos dados que informam o arcabouço teórico da produção acadêmica brasileira na abordagem geográfica do turismo, nos exige rigor. Isso nos obriga ao levantamento de duas questões em nível teórico-metodológico em relação ao Capítulo 3 do trabalho de Ouriques.

A primeira questão repousa no fato de o autor usar igual critério de análise de produção científica para dois universos acadêmicos distintos: geógrafos e turismólogos33. Não se questiona aqui se turismo é ou não ciência. A questão de fundo é a natureza do conhecimento sobre o turismo, cujo enfoque tem suas peculiaridades para geógrafos e turismólogos. Enquanto a pesquisa cultura caiçara: um novo colonialismo” (2000b) e MORETTI, Edvaldo César. Pantanal, paraíso visível e real oculto: o espaço local e global (2000).

33 Não se deve aqui fazer uma leitura da tese defendida por OURIQUES sob a ótica da tese defendida por REJOWSKI (1993), conforme capítulo III desta tese. Segundo essa autora trata-se de um estudo exploratório, de recuperação da memória do conhecimento científico em turismo produzido no Brasil. Os objetivos e encaminhamentos são, portanto, distintos.

geográfica básica e aplicada se relaciona à dimensão socioespacial do turismo, os estudos e pesquisas no âmbito do turismo se referem ao “fazer- saber” turístico, expressão essa tomada de empréstimo à turismóloga brasileira Moesch (2001).

A segunda questão em nível teórico-metodológico, decorrente da primeira, é o fato de o autor tomar a “abordagem crítica”, sob a ótica do processo construtivo da Ciência Geográfica, como procedimento de análise de obras de autoria de turismólogos. Mesmo considerada a ressalva colocada pelo autor, de que “toda tentativa de classificação tem algum grau de indeterminação, e mesmo muitas vezes de arbitrariedade” (p.96) é controverso que esperasse encontrar nas obras dos turismólogos por ele analisadas alguns dos pressupostos que direcionam a visão crítica do geógrafo, que é questionar “[...] o caráter intrinsecamente benéfico do desenvolvimento turístico, discutindo as transformações que ocorrem na (re)produção da vida das comunidades receptoras e as condições de trabalho nas atividades turísticas [...]” (OURIQUES, 2003, p.116)

Entendemos também como contraditório que o autor conduza suas reflexões de orientação política, referindo-se “ao comprometimento com os problemas das populações trabalhadoras” (p.124), quando o enfoque é condizente, menos com o campo de atuação do turismólogo que do geógrafo.

Em síntese, os autores referenciados – Rodrigues e Ouriques – têm objetivos distintos ao abordarem o tema turismo nos capítulos analisados. Enquanto Rodrigues analisa o estado da arte da Geografia do Turismo e Recreação na busca de identificar a abordagem geográfica que referencia as produções de geógrafos, Ouriques propõe critério político-ideológico e econômico para a análise de textos de geógrafos e turismólogos.

Impossibilitada de acessar na sua totalidade, os 162 textos do universo da nossa pesquisa, para proceder à análise das produções, adotamos como

critério para reconhecimento do seu arcabouço teórico palavras-chave e procedimentos teórico-metodológicos anunciados nos resumos como a matéria-prima informativa.

Na TAB. 3 apresentamos o arcabouço teórico que resultou da análise das produções de dissertações e teses do nosso banco de dados.

TABELA 3

Brasil: arcabouço teórico da produção de dissertações e teses na abordagem geográfica do turismo (1975-2005)

Abordagem geográfica Produções %

Crítica 79 48,8 Crítica-Socioambiental 24 14,8 Crítica-Cultural 16 9,9 Crítica-Humanista 15 9,3 Crítica-Humanista-Socioambiental 05 3,1 Crítica-Cultural-Socioambiental 01 0,6 Crítica-Pragmática 02 1,2 Crítica-Humanista-Cultural 02 1,2 Crítica-Pragmática-Cultural 01 0,6 Pragmática 07 4,3 Socioambiental 02 1,2 Cultural 01 0,6 Cultural-Humanista 02 1,2 Humanista 01 0,6 Humanista-Socioambiental 01 0,6 Humanista-Cultural 01 0,6 Clássica 02 1,2 Total 162 100 Fonte: Castro (2006)