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3.2 Estabilidade de Ondas Viajantes

4.1.1 Ondas Viajantes

G =  f ∈ C1(R); existe lim ξ→±∞f (ξ) e ξ→±∞lim f 0 (ξ) = 0. 

Uma onda viajante para o sistema (4.13) com velocidade σ, conectando o es- tado w0 = (u0, y0) (à esquerda) ao estado w1 = (u1, y1) (à direita) é uma solução

w = (u, y), onde u(x, t) = v(x − σt), y(x, t) = z(x − σt) e (v, z) ∈ G2, satisfazendo

lim

ξ→−∞z(ξ) = z0 e ξ→∞lim z(ξ) = z1 (4.14)

lim

ξ→−∞v(ξ) = v0 e ξ→∞lim v(ξ) = v1 (4.15)

Para o nosso problema específico, desejamos que a onda viajante, conecte um estado queimado à um estado não queimado. Logo tomamos z0 = 0 e z1 = 1.

Além disso, estamos supondo que o reservatório esteja em equilíbrio termodinâmico e que sua temperatura inicial seja igual a temperatura de ignição T = 0. Portanto adicionamos a condição u(x, t) = 0, ∀t ≤ 0, fazendo com que v1 = 0.

O problema de encontrar uma onda viajante para o sistema (4.13) conectando w0à w1 pode ser transferido, via uma mudança de variáveis, ao problema de resolver

um sistema de equações diferenciais ordinárias.

Teorema 4.1 A função w(ξ) = (v(ξ), z(ξ)), onde ξ = x − ct, é uma onda viajante para o sistema (4.13) com velocidade σ, conectando we= (v0, 0) à wd = (0, 1) se, e

somente se, w é uma solução em G2 do seguinte sistema de EDO’s

 v0 = 1 λ −σ av + bvz + d Az − d A + cv z0 = Aσf (v, z) , (4.16) sujeito às seguintes condições de contorno

lim

ξ→−∞w(ξ) = we e ξ→∞lim w(ξ) = wd. (4.17)

Prova: Suponha que w seja uma onda viajante de (4.13) conectando we e wd. A

condição de contorno (4.17) é automaticamente satisfeita. Resta-nos mostrar que w é solução do sistema (4.16). Com efeito, substituindo w em (4.13), obtemos

−σ d dξ[(a + bz)v] + d dξ[cv] = df (v, z) + λ d2v dξ2 (4.18) σdz dξ = Af (v, z). (4.19)

Integrando (4.19) de ξ à ∞, obtemos σ − σz(ξ) = σ[ lim ξ→∞z(ξ) − z(ξ)] = σ Z ∞ ξ z0(r)dr = A Z ∞ ξ f (v(r), z(r))dr. Daí a integral Z ∞ ξ f (v(r), z(r))dr = σ A(1 − z(ξ)), converge.

Analogamente, integrando (4.18) de ξ à ∞, obtemos

λv0 = −σ(a + bz)v + cv + d Z ∞

ξ

f (v(r), z(r))dr = −σ(a + bz)v + cv + dσ

A(1 − z(ξ))

Daí e de (4.19), concluímos que w é solução do sistema (4.16).

A recíproca é obtida simplesmente derivando as funções u(x, t) = v(x − σt) e

y(x, t) = z(x − σt). 

Portanto, se resolvermos o problema (4.16)-(4.17), basta tomar u(x, t) = v(x−σt) e y(x, t) = z(x − σt), que w = (u, y) será uma solução do tipo onda viajante para o problema (4.13). Consequentemente, a questão da existência de uma onda viajante de velocidade σ é equivalente à questão da existência de uma órbita do sistema de EDO’s (4.16) conectando we à wd de forma assintótica.

4.2

Retrato de Fase

Nesta seção concentraremos nossos esforços em estudar o retrato de fase do sistema (4.16), o qual podemos reescrever na forma

w0 = (v0, z0) = F (w, σ) = (f1(w, σ), f2(w, σ)).

A quantidade z só tem significado físico, no intervalo [0, 1]. No entanto, con- sideraremos todas as soluções com z ≥ 0 para obtermos um retrato de fase mais claro.

Se v, z > 0, então de (4.16), segue que z0 > 0. Se z = 0, então z0 = 0, isto nos leva a inferir que o eixo v seja invariante pelo fluxo. Com efeito, note que definindo α = (c − σa)/λ, β = σd/(λA) e v(ξ) = keαξ, temos que w(ξ) = (v(ξ), 0) é solução de

(4.16) para qualquer constante k. Por unicidade de soluções, concluímos que o eixo v é invariante pelo fluxo. Por outro lado, se v ≤ 0, então z0 = 0, donde as órbitas nesta região são horizontais.

Como a densidade da rocha é muito maior que a do gás e a porosidade de uma rocha reservatório, em geral, não supera 20%, segue que c/a é um número estritamente positivo e próximo de zero. De agora em diante vamos supor σ > c/a,

donde, para z ≥ 0, v0 é positivo, nulo, ou negativo, conforme w está abaixo, sobre, ou acima da curva

v = σd(1 − z)

A(σa + σbz − c), (4.20) respectivamente. Observemos que esta curva é invariante pelo fluxo para v ≤ 0, pois neste caso todos os pontos são singularidades. Além disso, a curva corta o eixo v no ponto ve(σ) = A(σa−c)σd > 0. Portanto, as singularidades do campo F são

{(ve(σ), 0)} ∪ {(v, z) : z ≥ 1 e v = A(σa+σbz−c)σd(1−z) }.

Para resolver o sistema (4.16), precisamos determinar o valor de v1 em (4.15).

Ora, o único ponto de equilíbrio deste sistema no eixo v é (ve(σ), 0) que, como

veremos adiante, é uma sela, cuja variedade estável é o eixo v e a variedade instável uma curva transversal ao eixo v. Consequentemente a única órbita do retrato de fase que pode sair de algum ponto do eixo v (no sentido de tender a algum ponto do eixo v quando t → −∞) e tem chance de chegar à wd (no sentido de tender wd

quando t → ∞), e assim corresponder a uma solução do problema (4.16)-(4.17), é a órbita contida na variedade instável de (ve(σ), 0). Portanto, estaremos interessados

em soluções em G2 do sistema de EDO’s

 v0 = 1 λ −σ av + bvz + d Az − d A + cv z0 = Aσf (v, z) , (4.21) sujeito às condições de contorno

lim

ξ→−∞w(ξ) = we= (ve(σ), 0) e ξ→∞lim w(ξ) = wd= (0, 1).

Reiterando: soluções de (4.21), correspondem a ondas viajantes conectando o estado queimado we (à esquerda) ao estado não queimado wd (à direita). Órbitas

com este comportamento, conectando dois pontos de equilíbrio, são conhecidas na literatura como órbitas heteroclínicas.

É importante notar que se σ ≤ c/a, então ve ≤ 0, donde z0 = 0, isto é, as órbitas

são horizontais, tornando a igualdade limξ→∞z(ξ) = 0 impossível. Logo não existem

ondas viajantes conectando we à wd neste caso.

O cálculo da derivada do campo F nos pontos de equilíbrio nos dá

F0(we) =  a11 a12 0 a22  e F0(wd) =  b11 b12 0 0  , onde a11 = − σa − c λ , a22= A σfy(we), a12 = σ λ(bve(σ) + d/A), b11= − σ(a + b) − c λ e b12 = − σd λA

Os autovalores de F0(we) são a11 < 0 e a22 > 0, com respectivos autovetores

que consiste de uma sela. A variedade estável Wee desta singularidade é tangente, em we, ao eixo v. Como o eixo v é invariante pelo fluxo, para que não haja uma

órbita no eixo v perturbando o comportamento das órbitas próximas da sela we, o

eixo v deve, necessariamente, coincidir com Wee. Quanto a variedade instável, Wei, esta é tangente, em we, ao vetor C = (a12, a22− a11).

Os autovalores de F0(wd) são b11< 0 e 0, com respectivos autovetores e1 = (1, 0) e

B = (−b12, b11). Portanto wdé um ponto de equilíbrio não-hiperbólico. Aqui, o eixo

v é tangente, em wd, à sua variedade estável Wde, enquanto o vetor B = (−b12, b11)

é tangente, em wd, à sua variedade central Wdc. Para v ≤ 0, a curva de equilíbrio

(4.20) é invariante pelo fluxo. Como Wc

d passa por wd, tangente à um vetor com

direção B, se Wc

d escapasse da curva (4.20), como as órbitas no semi-plano v ≤ 0 são

horizontais, Wdcdeixaria de ser suave. Portanto, para v ≤ 0, a variedade central Wdc é exatamente a curva (4.20). Para v > 0, a variedade central consiste de uma órbita, pois se esta escapar de uma órbita, deverá conter todas as órbitas que interceptar fazendo com que deixe de ser uma curva. Numa vizinhança de wd as órbitas por

pontos no eixo z, acima de wd, são "quase" horizontais. Logo, nesta vizinhança, a

órbita Wc

d deve estar abaixo de wd. Como z0 > 0 para v > 0, esta órbita se dirige à

wd. Pelo comportamento da variedade central, as órbitas por pontos (v, z) próximos

de wd, abaixo da variedade estável e tais que v > 0, se dirigem à wd tangentes à B.

Analogamente, podemos ver que a matriz jacobiana calculada sobre os demais pontos de equilíbrio tem um autovalor nulo e outro negativo. Sendo a variedade estável uma reta horizontal para v ≤ 0 e a variedade central a mesma de anteri- ormente. Daí, as órbitas por pontos próximos de wd e acima da variedade estável,

incidirão sobre as órbitas (que são variedades estáveis) de algum ponto de equilíbrio da curva (4.20) com v < 0. Veja a Figura 4.1.

4.3

Existência de Soluções

Uma órbita de uma EDO conectando um ponto de equilíbrio hiperbólico we à

um ponto de equilíbrio não-hiperbólico wd é chamada forte, quando está totalmente

contida na variedade estável de wd. Se esta órbita corresponde a uma onda viajante

de uma EDP dizemos que a onda viajante também é forte.

Como we é uma sela, Wei é a única órbita do retrato de fase que sai de we e tem

chance de chegar à wd. Se a variedade instável Wei interceptar a variedade estável

Wde, a união destes conjuntos deve constituir uma única órbita forte que conecta we à wd. Se Wei se aproximar de wd pela região acima de Wde, então interceptará

uma órbita (e portanto será esta órbita) que não passa por wd. Portanto, neste

caso, o sistema (4.21) não possui solução. Se Wei se aproximar de wd pela região

abaixo de We

d, então interceptará uma órbita (que não é Wde) que tende à wd pela

variedade central Wc

d e assim será uma órbita, não forte, conectando we à wd. A

seguir provaremos que isto ocorre conforme σ é pequeno ou grande respectivamente. Imaginemos que σ seja suficientemente grande, digamos σ = 1/, com  pequeno. A mudança de variáveis ξ = η, transforma o sistema (4.21) em

 v0 = 1 λ− av + bvz + d Az − d A + cv z0 = 2Af (v, z) . (4.22)

Para  = 0 o sistema (4.22) tem uma curva de equilíbrio v = A(a+bz)d(1−z) , que inclui um segmento no primeiro quadrante ligando (aAd , 0) à (0, 1). Seja M0 este segmento.

Observemos que (d/(aA), 0) corresponde exatamente ao ponto de equilíbrio we, com

σ = ∞. Neste caso os autovalores da derivada do campo em qualquer ponto (v, z) são 0 e −(a + bz)/λ. Portanto M0 é constituído por singularidades normalmente

hiperbólicas (os autovalores não-nulos são negativos). Pelo Primeiro Teorema da Variedade Invariante de Fenichel (Teorema 2.8), para  suficientemente pequeno, existe uma variedade M difeomorfa à M0 (portanto uma curva que é um conjunto

fechado) suficientemente próxima de M0 e que é localmente invariante pelo fluxo.

Sendo um conjunto fechado e localmente invariante segue que M é um conjunto

invariante pelo fluxo. Note que para  suficientemente pequeno, o ponto de equilí- brio we está suficientemente próximo de (d/(aA), 0), portanto podemos considerar

que uma das extremidades da curva M está próxima de we. Assim, levando em

consideração o comportamento das órbitas em torno de uma sela, concluímos que M deverá coincidir com a variedade instável Wei, pois caso contrário interceptará

órbitas que escaparão de M, o que contradiz o fato de M0 ser invariante. Analo-

gamente, a outra extremidade da curva M deve estar próxima de wd. Como M

está suficientemente próxima de M0, deve se aproximar de wd, por baixo de Wde e

acima de Wc

d, pois caso contrário novamente chegaríamos a contradições com o fato

de Mser invariante. Como Weinão pode escapar de M, segue que Wei é uma órbita

conectando we à wd. Portanto, para σ grande, o sistema (4.21) possui solução do

tipo onda viajante que não é forte. Além disso, neste caso a órbita correspondente a esta solução se encontra na região abaixo da variedade estável Wee.

pequeno.

A mudança de variáveis v = 1/s transforma o sistema (4.21), na região v > 0, em  s0 = s λ  c a + τ . a + bz + d A(z − 1)s − c z0 = c+aτAa zeEs/(RT∗) . (4.23)

Os pontos de equilíbrio de (4.21) com v ≤ 0, não são visíveis neste sistema, em particular, wd é deslocado para s = ∞.

Pondo τ = 0 o sistema (4.23) toma a forma

s0 = c aλs  bz + d A(z − 1)s  z0 = Aa c ze −Es/(RT∗) . (4.24)

O único ponto de equilíbrio deste sistema é a origem P0 = (0, 0). Os autovalores

da matriz jacobiana deste campo são 0 e Aa/c > 0 com respectivos autovetores (1,0) e (0,1). Daí a variedade central de P0 é tangente ao eixo s e a variedade instável

tangente ao eixo z. Se z = 0, então z0 = 0 e novamente podemos concluir que o eixo s é invariante pelo fluxo e assim a variedade central de P0 é o próprio eixo s.

Analogamente, se s = 0, então s0 = 0, donde o eixo z é invariante pelo fluxo e assim a variedade instável de P0 é o eixo z.

Se τ > 0 o sistema (4.23) tem dois pontos de equilíbrio, P = (0, 0) e Q = (q, 0) = (1/ve(σ), 0). Neste caso, os autovalores da matriz jacobiana em P são aτ /λ > 0 e

Aa2/(c + aτ ) > 0, logo P é uma fonte. Os autovalores da matriz jacobiana em Q

são −aτ /λ < 0 e aAe−Eq/RT∗/σ > 0, donde Q é uma sela. Observemos que esta sela é exatamente a mesma sela do sistema (4.21). Além disso, a variedade estável desta sela continua sendo tangente ao eixo s (pois (0,1) é um autovetor associado ao autovalor negativo) e portanto consiste no próprio eixo s.

O conjunto M0 = {P0} satisfaz as hipóteses do Segundo Teorema da Variedade

Invariante de Fenichel (Teorema 2.9). Neste caso, necessariamente Mτ = {Q}, pois a

outra possibilidade, Mτ = {P }, é descartada já que P é uma fonte, donde Wei(Mτ) =

R2 teria dimensão 2. Logo, Wei(Q) está suficientemente próxima de qualquer parte

compacta do eixo z (ou seja, Wi(P0)), desde que τ > 0 seja suficientemente pequeno.

Assim, (s, z) ∈ Wi(Q) implica s suficientemente pequeno. Logo (v, z) ∈ Wi

e implica

v suficientemente grande. Portanto, neste caso, Wi

e não conecta we à wd e assim o

problema não possui solução. Concluímos que, Wi

e está abaixo ou acima de Wde conforme σ > c/a é sufi-

cientemente grande ou pequeno. Pela continuidade das soluções em relação aos parâmetros, deve existir um valor de σ = σ∗ para o qual Wi

e intercepta (e portanto

coincide com) We

d provando a existência de uma órbita correspondendo a uma onda

viajante forte, de velocidade σ∗, conectando we à wd.

provando a unicidade do valor de σ∗ para o qual a órbita é forte. Para tanto, utilizaremos as ferramentas apresentadas na Seção 2.6.

Seja S : R −→ R uma função separadora entre Wde e W i

e, que é positiva quando

We

d estiver abaixo de Wei e que é negativa quando Wde estiver acima de Wei. Temos

que S(σ∗) = 0 e desejamos mostrar que existe apenas um σ∗ que anula S.

Seja w0(ξ) = (v0(ξ), z0(ξ)) uma solução do sistema (4.21) correspondendo à uma

onda viajante forte de velocidade σ0. Temos S(σ0) = 0. Defina

H(ξ) = exp  − Z ξ 0 div F (w0(s))ds  .

Como a singularidade não-hiperbólica wdé sempre constante quando σ varia (na

notação do Teorema 2.11, temos ∂q0

∂λj(0) = 0), podemos usar o Teorema 2.11, obtendo

que ∂S ∂σ(σ0) = Z ∞ −∞ H(ξ)[(v00(ξ), z00(ξ)) ∧∂F ∂σ(w0(ξ))dξ]. (4.25)

Qualquer conexão w = (v, z) de we à wd, permanece no primeiro quadrante do

plano v × z e acima da curva (4.20). Logo z0 < 0 e v0 < 0 sobre qualquer conexão w = (v, z) de we à wd. Além disso, v > σd(1 − z) A(σa + σbz − c) > σd(1 − z) A(σa + σbz) = d(1 − z) A(a + bz). Daí (v00(ξ), z00(ξ)) ∧∂F ∂σ(w0(ξ))dξ = h(−z 0 (ξ), v0(ξ)),∂F ∂σ(w(ξ))i = 1 λ  av + bvz + d A(z − 1)  − v0A σ2f (v, z) > 0.

Daí e de (4.25), sendo a função exponencial sempre positiva, concluímos que

∂S

∂σ(σ0) > 0. Assim, em cada σ0 tal que S(σ0) = 0, a função separadora é crescente

em uma vizinhança de σ0. Como S é contínua, só pode haver, no máximo, um ponto

σ tal que S(σ) = 0. Portanto σ0 = σ∗ é o único valor de velocidade para o qual a

onda viajante é forte.

Assim, acabamos de demonstrar o seguinte teorema.

Teorema 4.2 Existe um único σ∗ ∈ (c

a, ∞) tal que o sistema (4.21) possui órbita

conectando we à wd se, e somente se, σ ∈ [σ∗, ∞). Além disso a órbita é forte se, e

Capítulo 5

A Equação KPP

Neste capítulo estudaremos uma equação do tipo reação-difusão conhecida na literatura como equação KPP:

ut= uxx+ up(1 − u), p > 1, x ∈ R e t > 0. (5.1)

Esta equação aparece nos problemas de reações químicas autocatalíticas isotérmi- cas. Como veremos neste Capítulo, esta equação tem propriedades muito próximas das do sistema (4.13), proviniente do modelo de combustão em meios porosos. Em particular veremos que existem soluções do tipo onda viajante para uma faixa de valores de velocidades, sendo que somente a solução correspondente ao menor destes valores é forte. Encerramos o Capítulo com um estudo da estabilidade das ondas viajantes não fortes, sob perturbações em certos espaço de Banach com peso. Espe- ramos que as técnicas aqui estudadas sejam úteis para o estudo da estabilidade das ondas não fortes do sistema (4.13).

5.1

Existência de Soluções

Nesta seção estaremos interessados em provar a existência de soluções do tipo onda viajante para a equação (5.1), conectando os estados de equilíbrio u = 1 à u = 0.

Inicialmente note que a mudança de variáveis ξ = x − ct, com c > 0, transforma a equação (5.1) em

uξξ+ cuξ+ up(1 − u) = 0.

A fim de transformar esta equação em um sistema de EDO de 1a ordem, fazemos v = uξ, obtendo

 uξ = v

vξ = −cv − up(1 − u).

Sendo z = (u, v), este sistema pode ser escrito na forma autônoma zξ = F (z, c),

onde F (z, c) = (v, −cv − up(1 − u)). A matriz jacobiana desse sistema é

J F (z) =  0 1 up−1((p + 1)u − p) −c  .

O sistema (5.2) tem dois pontos de equilíbrio, P = (0, 0) e Q = (1, 0). Os autovalores de J F (P ) são 0 e −c, com respectivos autovetores (1, 0) e (1, −c). Portanto P é um ponto de equilíbrio não-hiperbólico com uma variedade estável We(P ) tangente ao vetor (1, −c) e com variedades centrais Wc(P ) tangentes ao ve-

tor (1, 0). Por outro lado, os autovalores de J F (Q) são λ1 = [−c + (c2+ 4)1/2]/2 e

λ2 = [−c − (c2+ 4)1/2]/2, com respectivos autovetores (1, λ1) e (1, λ2). Como λ1 > 0

e λ2 < 0 segue que Q é uma sela, cuja variedade estável We(Q) é tangente à (1, λ2)

e a variedade instável Wi(Q) é tangente à (1, λ1).

Uma solução do tipo onda viajante de (5.1) conectando u = 1 à u = 0 deve ser uma solução de (5.2) conectando os pontos de equilíbrio Q à P . Como Q é uma sela, a única órbita candidata a solução é a contida na variedade instável Wi(Q).

Como vimos no Exemplo 3, do Capítulo 2, sendo h uma carta para Wc(P )

em uma vizinhança de P , temos que h(u) ∼ −up/c2 quando u −→ 0. Portanto, dependendo do valor de p > 1, temos duas possíveis configurações para Wc(P ),

ilustradas na Figura 5.1. Se v > 0 e u < 0, então uξ > 0 e assim nenhuma órbita

que tenda à P pelo 2o quadrante do plano u × v pode vir de Q. Se v, u < 0, então uξ < 0 e assim nenhuma órbita que tenda à P pelo 3o quadrante do plano u × v

pode vir de Q. Concluímos que a diferença entre as configurações A e B para Wc(P )

é irrelevante para analisarmos a existência de soluções do sistema (5.2). Portanto, podemos supor sem perda de generalidade, que Wc(P ) tem a configuração A.

Figura 5.1: Possíveis configurações para Wc(P ).

Como vimos, se v < 0, então uξ < 0 e assim as órbitas no semi-plano v < 0 tem

orientação no sentido negativo do eixo u. Com estas informações, podemos esboçar o retrato de fase do sistema (5.2) nas vizinhanças de seus pontos de equilíbrio. Veja a Figura 5.2.

Figura 5.2: Retrato de Fase do sistema (5.2).

Seja C a curva dada por

h(u) = −up(1 − u)/c, u ≥ 0 (veja a Figura 5.3).

Note que h(1) = h(0) = 0 e como up+1 < up, ∀u ∈ (0, 1), segue que a curva C permanece no 4o quadrante do plano u × v para u ∈ (0, 1). Para u > 1 temos

up+1> up e assim a curva C permanece no 1o quadrante do plano u × v para u > 1.

Considere agora as regiões (ver Figura 5.3):

• R1 = {(u, v); u, v < 0} (terceiro quadrante do plano u × v);

• R2 é a região tal que u ≥ 1, v > 0, limitada superiormente por C;

• R3 é a região tal que v > 0, limitada inferiormente por C;

• R4 é a união da faixa {(u, v); 0 < u < 2/3, v < −2p/(3p+1c)} com a região do

semi-plano u > 2/3, v < 0 limitada superiormente por C;

• R5 é a região do semi-plano u > 0, v < 0, limitada inferiormente pela fronteira

de R4.

Figura 5.3: Regiões R1, R2, R3, R4 e R5.

R1: Se alguma órbita interceptar a fronteira {(0, v); v < 0}, então uξ < 0 e assim a

órbita entrará em R1.

R2: Se alguma órbita interceptar a fronteira {(u, 0); u > 1}, então vξ > 0 e assim a

órbita entrará em R2. Se alguma órbita interceptar a fronteira {(u, h(u)); u > 1},

então uξ > 0 e vξ= 0. Logo, as órbitas em R2 não podem deixar esta região.

R3: Se alguma órbita interceptar a fronteira {(u, 0); 0 < u < 1}, então vξ < 0 e assim

a órbita entrará em R5. Se alguma órbita interceptar a fronteira {(u, h(u)); u > 1},

então uξ > 0 e vξ = 0. Logo uma órbita em R3 que interceptar esta fronteira entrará

em R2.

R4: Se alguma órbita interceptar a fronteira {(0, v); v < −2p/3p+1c}, então, como

vimos na análise de R1, a órbita entrará em R1. Se alguma órbita interceptar a

fronteira {(u, −2p/(3p+1c)); 0 < u ≤ 2/3}, então v

ξ = 2p/3p+1−up(1−u) > 0 e assim

a órbita entrará em R5. Se alguma órbita interceptar a fronteira {(u, h(u); 2/3 <

u < 1}, então vξ = −ch(u) − up(1 − u) = 0 e uξ < 0, donde a órbita entrará em

R5. Se alguma órbita interceptar a fronteira {(u, 0); u > 1}, então vξ > 0 e assim a

órbita entrará em R2.

R5: A fronteira de R5 já foi estudada nas regiões anteriores.

Seja S0 a órbita contida em We(P ) que chega em P , pelo quadrante u > 0, v < 0.

Diante das propriedades das regiões Ri, i = 1, ..., 5, podemos concluir que existem

apenas três alternativas para S0 (acompanhe com as Figuras 5.4 - 5.6):

Figura 5.4: Alternativa A1.

A1: S0 vem de R3, entra em R5 e tende à P ;

A2 : S0 conecta Q à P ;

A3 : S0 vem de R4 sem conectar Q, entra em R5 e tende à P .

Seja S1 a órbita contida em Wi(Q) que sai de Q pelo semi-plano v < 0. Vamos

analisar o que acontece com S1 em cada alternativa Ai, i = 1, 2, 3:

A1 : Neste caso, a órbita S0forma uma barreira, impedindo as órbitas que chegam

em P (observe a Figura 5.2 e note que estas órbitas estão acima de S0) de sair de

Figura 5.5: Alternativa A2.

Figura 5.6: Alternativa A3.

neste caso, o problema não possui solução.

A2 : Neste caso S0 = S1 é a única solução do problema, que consiste de uma

órbita forte, correspondendo à uma onda viajante forte.

A3 : Se v > 0 e 0 < u < 1, então de (5.2) temos vξ < 0 e assim S1 não pode

entrar em R3. Note que S1 não pode sair de Q por R4, pois para 2/3 < u < 1 e

v < −up(1 − u)/c, temos vξ = −cv − up(u − 1) > 0. Logo S1 sai de Q por R5,

e como não pode deixar esta região pela fronteira de R4 nem pela fronteira de R3

(veja as propriedades de R3 e de R4), segue que S1 deve chegar em P , pois não pode

interceptar S0, se mantendo acima de S0 e em R5. Portanto, S1 é a única solução

do problema que, neste caso, não é forte.

Agora vamos buscar determinar uma relação entre o valor de c > 0 e as alter- nativas A1, A2 e A3. Para isto vamos definir uma função f : (0, ∞) −→ (0, ∞) da

seguinte forma: Para cada c > 0, se ocorrer a alternativa A1, seja f (c) ∈ (0, 1) o valor

de u para o qual S0 intercepta o eixo u. Se ocorrer A2, seja f (c) = 1. Se ocorrer A3,

seja f (c) = 1−v1, onde v1 é o valor de v para o qual S0 intercepta a reta u = 1. Note

que a única maneira de S0 não interceptar a reta vertical u = 1, seria existir uma as-

síntota entre 0 e 1 para S0. Mas isto só ocorreria se vξ/uξ= −c−up(1−u)/v −→ −∞

quando v −→ −∞, o que não é verdade. Portanto f esta bem definida e como as soluções da equação (5.2) dependem continuamente do parâmetro c, segue que f é

uma função contínua.

Pela construção da função f , temos o seguinte resultado:

Teorema 5.1 O problema (5.2) possui solução se, e somente se, f (c) ≥ 1. Além disso, a solução é forte se, e somente se, f (c) = 1.

O Teorema 5.1 ainda não é um resultado satisfatório devido a natureza abstrata da função f . Sequer sabemos se existe um valor de c para o qual tenhamos f (c) ≥ 1! Portanto, a partir de agora nos dediquemos a estudar a função f .

Lema 1: A função f é crescente.

Prova: Dado c > 0, denotemos por S0(c) a órbita S0 do sistema (5.2) correspon-

dente ao parâmetro c.

Por (5.2), quando c > 0 cresce, a inclinação das retas tangentes à S0(c) decrescem

e tendem monotonicamente a uma reta vertical.

Dado c0 > 0, seja R(c0) a região contida na faixa 0 ≤ u ≤ 1, v ≤ 0 limitada

inferiormente por S0(c0) (veja a Figura 5.7).

Figura 5.7: Região R(c0) para as alternativas A1, A2 e A3.

Seja c1 > c0 (acompanhe na Figura 5.8). Se S0(c1) interceptar S0(c0) em um

ponto (u0, v0), dada a monotonicidade das inclinações das retas tangentes à S0(c)

em função de c, a reta tangente a órbita S0(c1) no ponto (u0, v0) tem inclinação

menor que a reta tangente à S0(c0) em (u0, v0). Logo S0(c1) entra em R(c0).

Por outro lado, para u suficientemente pequeno, a órbita S0(ci), i = 0, 1, chega

em P tangente ao vetor (1, −ci). Portanto S0(c1) deve estar abaixo de S0(c0) para

u suficientemente pequeno. Se S0(c1) interceptar S0(c0), como vimos, S0(c1) entrará

em R(c0), contrariando o que acabamos de ver. Portanto S0(c1) não deve interceptar

S0(c0) e assim permanecerá abaixo de S0(c0). Pela definição de f , devemos ter

f (c1) > f (c0). Logo f é crescente. 

Lema 2: Se c > 0 é suficientemente grande, então f (c) > 1.

Prova: Sendo c > 0 suficientemente grande, podemos escrever c = 1/, onde  > 0 é suficientemente pequeno. A mudança de variáveis η = cξ, transforma o sistema (5.2) em

 u0 = v

Figura 5.8: S0(c1) entra na região R(c0) quando interceptar S0(c0).

Para  = 0, o sistema (5.3) tem o eixo u como seu conjunto de pontos de equilí- brio. Considere o conjunto compacto M0 = {(u, 0); 0 ≤ u ≤ 1}. Note que o conjunto

M0 é composto por singularidades normalmente hiperbólicas. Pelo Primeiro Teo-

rema da Variedade Invariante de Fenichel (Teorema 2.8), para  suficientemente pequeno, existe uma curva fechada M, difeomorfa à M0, suficientemente próxima

de M0 e localmente invariante pelo fluxo. Analisando o retrato de fase do sistema

(5.2), sendo M localmente invariante pelo fluxo, podemos concluir que, próximo de

Q, M deve coincidir com Wi(Q). Consequentemente Wi(Q) conecta Q à P , donde

f (c) ≥ 1. Como f é crescente, devemos ter f (c) > 1 para c suficientemente grande. 

A combinação dos Lemas 1 e 2, nos garante que, sendo c∗(p) = inf f−1([1, ∞)) ≥ 0, temos f (c) ≥ 1, ∀c ≥ c∗(p), ou seja, a equação (5.1) possui uma solução do tipo onda viajante se, e somente se, c ≥ c∗(p). Além disso, neste caso, a solução é única. Resta-nos saber se existem c > 0 tais que a equação (5.1) não possua solução. Esta questão é respondida no próximo lema.

Lema 3: Se c > 0 é suficientemente pequeno, então f (c) < 1.

Prova: Qualquer órbita que conecte Q à P , permanece no quarto quadrante do plano u × v. Portanto, vamos nos restringir ao quarto quadrante do plano u × v. Nesta região, podemos fazer a mudança de variáveis s = 1/u que transforma o sistema (5.2) em



s0 = −s2v

v0 = −cv − s−p−1(s − 1). (5.4)

O sistema (5.4) possui apenas um ponto de equilíbrio, Q0 = (1, 0). Observe que Q0 = Q, onde estamos usando o 0 para indicar que a singularidade (1, 0) é relativa ao sistema (5.4). Os autovalores da matriz jacobiana no ponto Q0 são λ1 = (−c + (c2 + 4)1/2)/2 > 0 e λ2 = (−c − (c2 + 4)1/2)/2 < 0, com respectivos

autovetores V1 = (1, −λ1) e V2 = (1, −λ2). Logo Q0 é uma sela com variedade

instável tangente ao vetor V1 e variedade estável tangente ao vetor V2. Note que

esta sela é o ponto de equilíbrio correspondente à sela Q do sistema (5.2). Sendo c = 0, o sistema (5.4) se torna



s0 = −s2v

v0 = −s−p−1(s − 1). (5.5)

A única singularidade do sistema (5.5) é exatamente a mesma do sistema (5.4). Por isto vamos denotá-la por Q”, para indicar que é relativa ao sistema (5.5). Os autovalores da matriz jacobiana no ponto Q” são 1 e −1, com respectivos autovetores U1 = (1, −1) e U2 = (1, 1). Logo Q” é uma sela com variedade instável tangente ao

vetor U1 e variedade estável tangente ao vetor U2.

Para v < 0, de (5.5), temos que s0 = −s2v > 0 e para s > 1, temos

v0 = −s−p−1(s − 1) < 0. Daí, sendo S1” a órbita contida em Wi(Q”) que está

no quarto quadrante do plano s × v, podemos garantir que existe um v0 < 0, tal que

S1” fica abaixo da reta horizontal v = v0 a partir de um certo ponto (veja a Figura

5.9).

Figura 5.9: S1” permanece abaixo de v0 a partir de um certo ponto.

Aplicando o Segundo Teorema da Variedade Invariante de Fenichel

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