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Este estudo procurou mostrar como, a partir das contrarreformas neoliberais intensificadas desde meados dos anos 1990, a EAD se constituiu em uma estratégia de expansão da educação superior. Nesse contexto, o desenvolvimento da EAD se deu em articulação a dois dos eixos reformistas que partiram das recomendações dos organismos internacionais para a educação superior nos países da periferia do sistema: diferenciação

institucional e diversificação das fontes de financiamento. Incorporados aos programas de

governo e às políticas nacionais, esses eixos estruturam uma nova concepção e uma nova organização para a educação superior nacional. A EAD desponta neste contexto, a princípio justificada por situações “emergenciais”, mas, desde a sua formulação e experiências iniciais, articulada aos eixos do reformismo neoliberal. A partir do início do novo século, o desenvolvimento da EAD se acelera, ganhando corpo uma política nacional de EAD voltada, sobretudo, para a formação de professores. Nesse quadro, a EAD passa a compor uma nova concepção de formação para os professores da educação básica: massificada, aligeirada, precarizada. Os componentes pedagógicos dessa concepção são um conjunto de

neopedagogias, variantes do neoprodutivismo: a pedagogia do aprender a aprender, a

pedagogia das competências e a pedagogia neotecnicista. Estas fundamentam os princípios das políticas educacionais defendidas e propagadas pelos organismos internacionais do capital e atuam como amalgama a uma nova sociabilidade burguesa, uma sociabilidade de cunho neoliberal, que se consolida com a difusão de uma racionalidade privatista:

meritocrática-empresarial-instrumental.

A EAD utilizada como política estratégica para a expansão da educação superior carrega em si uma afinidade direta com esta racionalidade privatista. Ao seu caráter instrumental, a EAD alinha-se por permitir uma redução no custo da expansão da educação superior, estando, assim, mais afinada às políticas de ajuste e “responsabilidade fiscal”, ao mesmo tempo em que possibilita a massificação desse nível de ensino, que, sendo política de segurança sistêmica, é propagada como democratização. Com os ganhos de escala, a EAD também se alinha à racionalidade empresarial que introduz, à gestão das políticas públicas e das instituições educacionais, as teorias gerenciais e o cálculo microeconômico. Por fim, a EAD se alinha ao caráter meritocrático-individualista dessa racionalidade privatista, pois, por um lado, corrobora o discurso da responsabilização individual pela educação, pelo qual se

inculca a ideia de que a educação está acessível a todos, de acordo com o esforço e o mérito de cada um, enquanto, por outro lado, a organização distanciada e mediada desta forma de ensino dificulta a organização política de estudantes, professores e demais trabalhadores da educação, meio pelo qual se constrói a consciência coletiva e crítica sobre os processos históricos.

Nestes termos, a EAD se consolida como política de formação de professores em nível superior, principalmente por meio de experiências apoiadas financeira e institucionalmente por órgãos de governos, federais, estaduais e municipais, bem como por instituições de fomento à pesquisa e universidades públicas. Enfim consolidada, passa a ser apropriada pelo setor privado a partir de 2002, ganhando força como estratégia de expansão do acesso à educação superior. O Decreto nº 5.622 de 2005 surge, nesse sentido, para reforçar a legitimidade da EAD, conferindo-lhe ares de ensino moderno, afinado às demandas da “sociedade do conhecimento” e da “globalização”, de qualidade e democrático. Combinado ao Decreto, e também reforçando a legitimidade da EAD, ela é articulada a uma política de expansão da educação superior pública, com a criação da UAB. Fazem parte desse contexto, dois determinantes: uma política de diferenciação interna ao setor público, pautada por uma expansão de vagas em escala massificada e a baixo custo; e um discurso voltado para as demandas de “justiça social”, de democratização da educação superior, e do ensino público. Em paralelo a esse movimento de massificação e diferenciação interna do setor público de educação superior, o setor privado se expande utilizando crescentemente a EAD como estratégia de mercado na competição por novos alunos de um setor social ainda mais pauperizado dos trabalhadores, que se beneficiará da menor mensalidade dos cursos EAD ou, ainda, será beneficiado pelo PROUNI, também aplicado a essa “modalidade de ensino”. O discurso de democratização da educação superior é determinante, também, na legitimação deste movimento, que se acelera ao passo em que se acelera o processo de mercantilização deste nível de ensino, colocando em pauta a financeirização, a oligopolização e a internacionalização do setor.

O desenho desse quadro ganha densidade de sentido quando visualizado a partir de uma perspectiva histórica e de totalidade, em que são pautadas questões como: a) a inserção do Brasil na divisão internacional do trabalho no contexto da transnacionalização do capital; b) o movimento de reversão neocolonial que se colocou em curso a partir das contrarreformas que adaptaram o país a esta “nova ordem”; c) o processo acelerado de

desindustrialização que caracteriza esse movimento de reversão neocolonial e os ciclos de expansão de mercados consumidores – modernização dos padrões de consumo – que caracterizam o processo contraditório e desigual de difusão tecnológica nas economias capitalistas; d) o papel descaracterizado a que fica submetida a educação superior nestes marcos da particularidade capitalista periférica no Brasil: por um lado, ensino de caráter pós- secundário ofertado para as massas pauperizadas (sobretudo pelo setor privado e sob a lógica da expansão da educação-mercadoria), e, de outro, associação próxima entre as necessidade do mercado e o desenvolvimento das pesquisas científicas e a formação de mão de obra qualificada; e) a EAD como uma forma determinada e limitada de adaptação das TIC para os contextos educativos; f) a EAD como suporte para um movimento de internacionalização dos “negócios da educação” e da educação vista como “serviços educacionais” (educação-mercadoria).

Frente a essas questões, se não podemos negar que a expansão da educação superior por meio da EAD viabiliza acesso massificado a certificados, também não podemos reduzir a democratização da educação a esse movimento de precarização e descaracterização do nível superior, sob pena de reduzirmos a própria concepção de democracia e cidadania à concepção limitada e neoliberal de acesso a bens de consumo. Se quisermos a educação como direito universal e fundamental, as suas bases devem ser construídas sob outra lógica, que não a do contingenciamento dos gastos públicos e a do lucro.