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A colecção de leques da Casa-Museu Medeiros e Almeida constituiu um objecto de estudo fascinante e de uma inesperada complexidade. Apesar do prazer e gratificação propiciados pelo desafio, a sua realização não foi, contudo, isenta de dificuldades e obstáculos.

A primeira etapa deste processo, a da investigação bibliográfica e documental, provou ser uma das mais estimulantes e simultaneamente frustrantes com que nos deparámos. As dificuldades sentidas prenderam-se, por um lado, com a antiguidade de diversas publicações; por outro, com a falta de estudos de cariz académico relacionados com o tema e, consequentemente, às fragilidades de algumas das referências que, ainda assim, optámos por utilizar; há que referir ainda a inacessibilidade de diversos documentos que gostaríamos de ter podido consultar. Transponíveis ou não, o estudo dos leques da Casa-Museu Medeiros e Almeida não se fez pautar apenas por obstáculos. Pelo contrário, não poderíamos deixar de referir a receptividade e entusiasmo com que esta investigação foi recebida por diversos investigadores, colecionadores e instituições que a acompanharam ao longo do seu percurso e de cujas contribuições beneficiou imensamente.

Abriram-se inúmeras potenciais vias de investigação ao longo do processo da elaboração deste trabalho. A constatação do quase total desconhecimento da história desta coleção e a consciência das limitações inerentes a uma dissertação de mestrado, tanto pelo tempo destinado à sua realização como pelo espaço disponível para o seu desenvolvimento, obrigaram a que enveredássemos por apenas algumas destas vias, na tentativa de responder às questões que considerámos mais relevantes ou mais prementes: Quando, como e por que nasce esta colecção? Quais as trajectórias da sua musealização? Que objectos a integram e o que representam? São estas as três questões que inicialmente colocámos e, concluindo-se a presente dissertação de mestrado, intentaremos recapitular e responder às problemáticas levantadas.

Na selecção destas questões provaram-se determinantes as abordagens propostas por diversos autores que se debruçaram sobre a história e os processos do

coleccionismo - como Edward McClung Fleming, Igor Kopytoff e Susan Pearce -, que nos encaminharam para um exercício de recuo temporal relativamente à colecção no tempo presente, por forma a identificar e compreender como e por que esta nasce.

A primeira parte desta dissertação parte assim do desejo de compreender a génese da colecção, desde as características do seu coleccionador – o seu perfil, gosto, motivações e estratégias –, ao processo da sua constituição e de integração na instituição museológica que a alberga.

Verificou-se desde muito cedo a insipiência do estado de tratamento e estudo da documentação museológica referente não apenas ao conjunto de objectos em estudo, como também do próprio fundador da instituição enquanto entidade criadora da colecção. Isto não constituiu, de certa forma, uma surpresa, dado o conhecimento do cenário geral dos arquivos museológicos e das realidades da investigação conduzida pelos profissionais dos museus portugueses, ainda muito afastada das perspectivas desenvolvidas pelos estudos de colecções da actualidade - embora o panorama, nos últimos anos, se tenha vindo a alterar, sobretudo graças a um forte contributo das universidades e do voluntariado estudantil.

Na verdade, estas vicissitudes não constituíram um real obstáculo à iniciativa de dedicar a nossa dissertação a esta colecção. Antes pelo contrário, revelou-se um verdadeiro estímulo a possibilidade de contribuir para suscitar o debate no interior da Casa-Museu e de experimentar opções alternativas aos modelos de pesquisa tradicionais em torno dos objectos, procurando voltar as atenções para o território menos conhecido das colecções e dos motivos por detrás da sua formação.

Na segunda parte traçámos as trajectórias de musealização desta colecção, da sua integração na instituição à respectiva inclusão no programa expositivo de longa duração, treze anos depois da sua abertura ao público. O motivo que podemos deduzir da exclusão do núcleo de leques do programa expositivo inicial da Casa-Museu Medeiros e Almeida, e para a sua “invisibilidade” no seio da colecção, provém do parco conhecimento e documentação sobre estas peças. Tal como refere Susan Pearce, a selecção das peças museológicas às quais a prioridade é dada – quer a nível expositivo, como de estudo, publicação, etc. –, recai inevitavelmente sobre as peças

que melhor se conhecem e, consequentemente, que maior potencial interpretativo e narrativo possuem210.

Nesta linha de pensamento, dedicámos a terceira parte desta dissertação ao estudo e à breve caracterização dos objectos que integram esta colecção, remetendo para um catálogo em anexo as imagens e os detalhes de cada peça.

A colecção de leques de António Medeiros e Almeida é composta por duzentos e dez destes objectos, integrando exemplares datados entre o século XVIII e o século XX, com proveniências diversas. É esta a segunda maior colecção museológica de leques do país, logo a seguir à do Museu Nacional do Traje, que conta com cerca de trezentos exemplares. Nesta colecção encontramos objectos de referência, dos quais destacaríamos, pela sua importância histórica, o leque comemorativo dos casamentos de D. Luís, delfim de França e duque da Borgonha, com D. Maria Adelaide de Sabóia, e de D. Pedro II de Portugal com D. Maria Francisca Isabel de Sabóia; o leque da Imperatriz D. Eugénia do Montijo; o leque que pertenceu à Rainha D. Amélia; pela sua qualidade e raridade, os três leques brisé de exportação chinesa do século XVIII; entre vários outros exemplares cuja excepcionalidade, invulgaridade ou preciosidade lhes granjeariam facilmente lugar nesse pódio.

Gostaríamos de referir que o catálogo que apresentamos em anexo reveste-se de um carácter informativo e didáctico, não se destinando a especialistas, a não ser na medida em que a informação que nele consta se baseia em bibliografia publicada por especialistas, para além de alguma da pesquisa inédita que nos foi generosamente sendo facultada.

O estudo realizado sobre esta colecção em particular sugere que há, ainda, um longo percurso por percorrer, tanto no domínio da investigação sobre leques, como da sua aplicação às colecções museológicas portuguesas e mesmo ao caso específico da

210 “All curatorial decisions are formed in the light of inherited social traditions, including study and

research. (…) Those pieces from a museum collection that have already responded well to conventional, classificatory information-gathering are likely to get the larger share of future research work. The chosen pieces will be those that are displayed, published and used in posters. Other pieces will remain neglected because little is known about them (…)”. PEARCE, Susan - Making up is hard to do. In Gaynor Kavanagh (ed.) - Museum Provision and Professionalism: Leicester Reader in Museums Studies. Londres: Routledge, 2002. p. 64.

colecção da Casa-Museu Medeiros e Almeida. Conscientes das limitações deste estudo, aproveitamos este espaço conclusivo para lançar o repto a que se sucedam a esta dissertação estudos científicos de aprofundamento do tema.

Esperamos, ainda assim, que o nosso contributo venha a lançar alguma luz sobre a colecção de leques da Casa-Museu Medeiros e Almeida e sobre as práticas de musealização desta tipologia, assim como suscitar reflexão e debate em torno do seu colecionador e dos processos de coleccionar em geral, muito particularmente no universo dos museus portugueses.