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Foi objetivo deste estudo de cunho teórico propor articulações entre questões que envolvem o processo de desinstitucionalização e o cuidado no território as pessoas em situações de rua que fazem uso abusivo de álcool e outras drogas.

Na tentativa de responder este objetivo, construímos a fundamentação teórica a partir das seguintes temáticas:biopoder; território; redução de danos. No primeiro capítulo, encontramos na genealogia de proposta foucaultiana para compreender as forças envolvidas nos modos de produção de saber-poder e esta relação como constituinte entre as políticas públicas de saúde no Brasil e as possibilidades de intervenções psicossociais que extrapolem os muros dos hospitais psiquiátricos e promova saúde mental de modo específico aos usuários de álcool e outras drogas em condições de rua. Analisamos também o percurso histórico e político que constituem a Medicina Social e a correlação entre os saberes médicos e o poder do Estado.

O segundo capítulo tratou das Reformas Sanitária e Psiquiátrica no Brasil, suas diretrizes e regulamentações das práticas e a influência histórica do processo antimanicomial ocorrido especificamente na França e na Itália. Este trajeto ao longo da História permitiu compreender os avanços e as possibilidades emergentes de cuidado. Embasou a interação entre Atenção Básica e Saúde Mental como possibilidade de atendimento aos usuários de drogas. Além disso, ampliou as propostas de prevenção, recuperação e promoção de saúde mental que ultrapassa a proposta dos hospitais psiquiátricos, dos manicômios e dos asilos. Sai da clínica nos modelos tradicionais e vai subsidiar uma proposta de cuidado no território que procure atender os usuários no espaço onde habita.

Por fim, no terceiro capítulo, construiu-se uma pesquisa teórica a partir do sentido de território como produção de cuidado. Concebemos território além do conceito de espaço geográfico, espaço físico, mas um território carregado da subjetividade de cada sujeito que nele habita, de suas histórias e memórias.

Pensar neste conceito mais amplo de território permite compreender as estratégias de cuidado no lugar habitado. Permite, deste modo, ir ao encontro de quem de fato demanda assistência, rompendo as propostas seculares de hospitais psiquiátricos como lugar de aprisionamento, de abandono, de violência de toda ordem; enfim, lugar de segregação e

punição, seja pelo estigma que existe em torno do uso abusivo das drogas, seja pela história da loucura e da doença mental.

Esta pesquisa nos permitiu refletir que não existe uma receita única e previsível de cuidado, de promoção de saúde mental. Ao profissional que envereda numa proposta de um fazer itinerante, distante das consultas em horário marcado e espaços preestabelecidos, mas uma clínica que vai ao encontro do usuário e que pede licença para interagir, mesmo que numa postura de estrangeiro em seu território – as ruas, é importante se manter à espreita dos modos de intervenção que se está conduzindo, pois a postura assumida diante dessas práticas que estão sendo produzidas podem recair numa medida de controle e vigilância, como ações normalizadoras, de abordagem violenta que não respeitem os direitos do outro. Poderíamos dar um exemplo de uma abordagem que culpabilize o sujeito por fazer uso de alguma substância ou uma abordagem que seja impositiva, como o caso da abstinência como imposição para o cuidado.

Como resposta a questão norteadora: como ofertar e produzir cuidado no território dessas pessoas? Algumas possibilidades são apontadas nos estudos que realizamos, mas encontramos no fazer itinerante um modelo de cuidado ao usuário de álcool e outras drogas em situação de rua. E nesta perspectiva, encontramos nas estratégias de redução de danos uma proposta de respeito às diversidades e de uma ética de valorização ao sujeito em sua realidade. Respondendo a segunda questão que norteia nossa pesquisa, ou seja, em que medida esse modo de cuidado no território recai ou pode recair numa estratégia de biopoder, agindo como controle da população e na formatação dos indivíduos? Encontramos na perspectiva genealógica foucaultiana, nos efeitos de produção do saber-fazer, um caminho para compreender as relações de forças e mecanismos de controle que subsidiam práticas de atenção no campo da saúde.

Neste contexto de uma pesquisa dissertativa de cunho teórico, dentre as possibilidades de intervenção psicossocial no contexto das drogas lícitas e ilícitas, identificamos o território como espaço de cuidado como uma oportunidade de atenção aos indivíduos em vivência de rua.

Nosso estudo permitiu refletir sobre esta amostra do contexto social, suas dificuldades, suas demandas, suas exposições às relações de poder, do biopoder. Compreender território numa visão ampliada sugere ações interventivas numa proposta itinerante. E o retorno à

história das Reformas Sanitárias e Psiquiátricas no Brasil, abre possibilidades de atuar além dos muros manicomiais.

Identificamos como oportunidade ampliar este estudo de cunho teórico para um modelo, por exemplo, de pesquisa-intervenção que permita compreender e habitar essesterritórios e ao mesmo tempo intervir e cartografar práticas em saúde mental.

Entendemos que há possibilidades de vida, mesmo na visão determinista do senso comum de que o usuário de drogas é um morto em potencial. Há tantas vidas diferentes daquelas separadas por muros, mesmo vivendo em situação de rua. Há também tantas outras possibilidades de cuidado sem se impor a abstinência ou outras formas impositivas e violentas. Há muitas outras formas de produzir saúde e cuidado sem criminalizar as pessoas que por razões singulares optam pela experiência com o uso de álcool e outras drogas. Percebemos também, que a rua é um espaço democrático. A rua é um espaço que acolhe. A rua também é uma escolha, uma decisão.

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