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A construção modular é um conceito vasto e os seus primeiros traços podem ser encontrados em civilizações tão antigas como a grega ou a romana. Contudo, este não é um conceito imutável e a sua definição atual pouco terá em comum com a que seria aceite na antiguidade. Para a generalidade das pessoas, a construção modular “é um tipo de construção feita através de módulos, caixas ou contentores pré-fabricados, que são transportados até ao local de implantação, ligados entre si e colocados sobre o solo ficando prontos a habitar”. Conquanto, esta ideia é demasiado redutora, imprecisa e dificilmente adequada aos dias de hoje (Patinha, S., 2011).

O uso do módulo como parte de um sistema construtivo remonta às civilizações gregas e romanas, há milhares de anos atrás. Mais tarde durante o período da revolução industrial, um importante salto em termos de eficiência de produção de materiais foi dado, o que abriu as portas à expansão da indústria da construção modular. Já no século passado surgiram os primeiros estudos aprofundados sobre os mais diversos campos da construção modular e foram dados passos deveras relevantes para se atingir o estado de industrialização e diversidade de ofertas que podem ser encontradas hoje em dia. Diversos autores, como Cruz, H. (2007), apontam para uma divisão histórica deste tópico em três etapas cronológicas cujo período é balizado pelo aparecimento de inovações significativas que permitiram um salto evolutivo relevante na construção modular:

 Dos primórdios da humanidade e das primeiras civilizações humanas até ao início do século XVIII;

 Do início do século XVIII até à primeira metade do século XIX – período referente à revolução industrial;

 Da segunda metade do século XIX até à atualidade.

2.2.1. ANTIGUIDADE

No ano 27 a.C. Vitrúvio, um arquiteto romano, foi pioneiro no uso do módulo como medida base para o desenvolvimento de projetos em arquitetura. Esta medida permitia “estabelecer dimensões, proporções e ordenar a construção de elementos de um determinado componente arquitetónico” e o fundamento das suas ideias é ainda usado hoje em dia (Freire, A., 2006).

Vários povos ao longo dos tempos deixaram no seu legado exemplos da aplicação de princípios de construção modular, como é o caso dos Gregos e Romanos.

Para o povo Grego o diâmetro das colunas constituía a unidade base, sendo todos os restantes componentes da mesma (fuste, capitel e base) ajustados em função do primeiro. A juntar a este facto, o vão entre colunas extremas é, na arquitetura Grega, menor do que os restantes vãos interiores, de modo a possibilitar que os componentes pré-fabricados mantivessem proporções concordantes com aquelas existentes noutros alinhamentos. (Baldauf, A., 2004)

A Figura 2.5 mostra os dois tipos de vãos usados na arquitetura grega. Com a letra “A” está assinalado o vão interior tipo. O vão extremo, representado pela letra “B”, é ligeiramente menor do que o primeiro de modo a que os frisos e as vigas, ilustrados na parte superior da imagem, possam manter as mesmas dimensões ao longo de todo o alinhamento. A tracejado está representada a posição que o vão extremo tomaria se fosse mantida a mesma distância “A” ao longo de todo o alinhamento.

Figura 2.5 – Ilustração dos vãos interiores e exteriores na arquitetura grega (Baldauf, A., 2004)

Na civilização romana, os traços de técnicas iniciais de construção modular podem ser encontrados em vários elementos da sua herança arquitetónica. O módulo romano teve a sua aplicação desde elementos construtivos como telhas, tubos cerâmicos ou tijolos, até ao planeamento territorial das cidades (Lacerda, P., 2005).

Um exemplo claro da importância atribuída à construção modular por este povo pode ser encontrado nos tipos de tijolos usados pelos romanos, que apesar do seu vasto império foram capazes de padronizar a utilização destes elementos de alvenaria a duas medidas apenas: bipetalis e sesquipetalis (Lacerda, P., 2005).

Contudo não é apenas a uma pequena escala que se pode encontrar o uso deste tipo de método construtivo. A Figura 2.6 mostra uma planta da cidade de Emona (atual Liubliana, Eslovénia) onde é possível verificar que o planeamento da mesma foi feito com recurso a uma malha quadricular. Esta tinha como medida base o passus, um múltiplo do pé, e era baseada num módulo de 60 passus, resultando nas dimensões finais de 300 por 360 passus (Patinha, S., 2011).

Figura 2.6 – Planta da cidade de Emona (Patinha, S., 2011)

2.2.2. REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

O primeiro exemplo de construção modular mais próximo do que pode ser encontrado na atualidade é ainda anterior ao período da revolução industrial. Em 1624 os ingleses levaram para Cape Ann, Massachusetts, uma casa pré-fabricada em madeira cujo processo de montagem consistia na assemblagem de vários painéis. Esta casa destinava-se ao uso pela comunidade piscatória da região e foi montada e desmontada várias vezes em diversos locais, consoante as necessidades da comunidade evoluíam (Kelly, B., 1951).

Segundo Patinha, S. (2011), com a chegada da revolução industrial “o desenvolvimento de novos equipamentos e técnicas de processamento de materiais levou a uma utilização diferente e mais sistematizada de materiais como o aço e vidro. O aparecimento da indústria permitiu também a produção em série de elementos construtivos pré-fabricados de forma padronizada, mais rápida e eficiente”. Após o período da revolução industrial surgiu em Londres, no ano de 1851, o palácio de cristal. Esta obra de Joseph Paxton, ilustrada na Figura 2.7, consistia numa estrutura de perfis de aço aparafusados entre si, que serviam de suporte a painéis pré-fabricados de vidro e madeira. Tido por muitos como o ex-líbris da construção mundial à altura, o palácio de cristal foi erigido em apenas quatro meses, tendo sido posteriormente desmontado e reerguido em Sydenham (Kelly, B., 1951).

Figura 2.7 – Palácio de cristal, 1851 (Patinha, S., 2011)

Contudo, ainda segundo Kelly, B. (1951), estas edificações não foram mais do que inícios esporádicos de uma indústria de construção modular que tardava em aparecer. Para este autor, o início da produção em massa de casas pré-fabricadas e componentes para construção modular deu-se com a corrida ao ouro, na Califórnia, em 1848. A chegada de muitas pessoas de vários pontos do território americano a esta região num curto período de tempo trouxe uma grande necessidade por um processo construtivo rápido e de fácil montagem. A resposta a este problema foi dada pela construção modular, com casas a serem fabricadas em diversos locais do planeta para serem posteriormente montadas na Califórnia. A necessidade por uma habitação era tão elevada nesta altura que casas produzidas no estado de Nova Iorque foram vendidas na costa oeste americana por doze vezes o seu preço original.

2.2.3. SÉCULO XX

O início do século XX foi, por diversos motivos, o catalisador ideal que permitiu o crescimento da construção modular até uma escala global. Com o virar do século Thomas Ford introduziu na indústria automóvel a linha de montagem que veio permitir uma produção de componentes racionalizada e estandardizada, através da repetição de processos. Esta invenção de Thomas Ford não demorou a alastrar-se para outras indústrias e a construção civil foi uma dessas (Castelo, J., 2008).

O nascimento do conceito de construção modular ocorreu em 1921 quando Albert Famell Bemis iniciou o seu trabalho nesta área. O seu objetivo principal era transportar para a indústria da construção os enormes avanços tecnológicos que outras indústrias já tinham adotado. Observando que todos os outros aspetos do quotidiano tinham já sido melhorados com o rápido crescimento da industrialização, Bemis propôs um método que racionalizasse a produção de componentes e materiais construtivos. Em 1933 esse estudo intitulado “The Evolving House” foi publicado, no qual foram descritas com grande detalhe as suas propostas para um sistema de construção modular baseado na ideia de um módulo tridimensional. Este método modular cúbico tinha como objetivo proporcionar as bases para uma produção mais eficiente. Após estudar várias hipóteses admissíveis para a dimensão da sua medida modular base, Bemis concluiu que a medida de 4 polegadas (aproximadamente 10 centímetros) era a que melhor se adaptava (Green, A.C.e Koppes, W.F., 1967).

Ainda segundo Green, A.C.e Koppes, W.F. (1967), apesar de Bemis ter dado especial foco à redução de desperdícios no processo construtivo no seu trabalho, o mesmo afirmou que outras vantagens podiam ser obtidas com a adoção das suas ideias, tais como:

 Uma unidade de medida comum;

 A redução do uso de diversas medidas para apenas algumas medidas estandardizadas;

 O benefício económico de usar componentes repetidos;

 A compatibilidade dimensional de acessórios, equipamentos e mobiliário.

Contudo Bemis não chegaria a ter a oportunidade de ver os frutos que adviriam do seu trabalho. Apenas em 1945, 9 anos após a sua morte, foi adotada a sua medida de 4 polegadas como medida padrão para a indústria construtiva americana.

Outros arquitetos, como Le Corbusier, focaram também os seus estudos nesta temática. Em 1919, este arquiteto suíço, enalteceu as vantagens da pré-fabricação de habitações em detrimento da construção habitual com o seu trabalho “Mass Production Houses”. Mais tarde, em 1921, Le Corbusier percebeu a importância que a linha montagem desenvolvida por Ford teria para a indústria da construção e com isso em mente criou o sistema “Dom-Ino”, ilustrado na Figura 2.8. Este sistema era composto por módulos tridimensionais em betão de dimensões padronizadas e tinha como objetivo proporcionar uma construção eficiente de edifícios até dois pisos, mantendo a liberdade arquitetónica interna (Patinha, S., 2011).

Figura 2.8 - Sistema "Dom-Ino" desenvolvido por Le Corbusier (Patinha, S., 2011)

Durante a segunda guerra mundial, o alemão Ernst Neufert realiza um estudo sistemático e bastante completo sobre a construção modular. O seu trabalho intitulado Bauordnungslehre baseia-se num módulo de 12,5cm (um oitavo de um metro) tendo ficado conhecido como o “sistema octamétrico”. Neufert previa que no final da segunda guerra mundial surgisse a necessidade de uma construção em grande escala e num curto espaço de tempo no território alemão, pelo que o uso da construção modular seria a solução ideal. Os 12,5cm propostos procuraram não alterar substancialmente as medidas então usadas no fabrico dos tijolos tradicionais alemães, de modo a não haver necessidade de reformular outras indústrias (Baldauf, A., 2004).

Os estudos de Neufert tiveram um impacto tão grande na época que em 1951 foi extraída dos seus trabalhos e publicada a primeira norma alemã sobre construção modular. Nos 14 anos seguintes estima- se que 4.400.000 habitações tenham sido construídas na Alemanha obedecendo ao sistema octamétrico, o que corresponderá a 50% da totalidade de habitações executadas nesse período, nesse país. Adicionalmente, é estimado que em 1970 cerca de 90% dos blocos cerâmicos e de betão leve, 89% das lajes mistas pré-fabricadas, 75% dos caixilhos, 100% das chapas de fibrocimento e 65% de todas a estruturas pré-fabricadas usassem as dimensões octamétricas (Baldauf, A., 2004).

A Agência Europeia para a Produtividade, em 1956, baseando-se em diversos trabalhos e estudos prévios declarou como dimensão padrão os 10cm para os países que adotassem o sistema métrico e as quatro polegadas para países com o sistema pé-polegada. Contudo na Alemanha, fruto do trabalho de Neufert, continuou a ser adotado o sistema octamétrico em paralelo (Patinha, S., 2011).

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