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Do ponto de vista metodológico, a pesquisa que será desenvolvida nessa tese possui dois eixos de abordagem. O primeiro, consiste na reconstrução do papel do Judiciário a partir da leitura realizada por Antonio Gramsci74. Trata-se, aqui, de verificar de que forma o autor italiano considerava o judiciário como um poder autônomo ou com independência em relação aos outros poderes, assim como estabeleceu uma compreensão articulada com conceitos próprios tais como ideologia, hegemonia, sociedade civil e sociedade política, entre outros.

Além disso, Gramsci abordava as instituições sociais - e especialmente as instituições clássicas que compunham o Estado - em oposição às leituras marxistas que tendiam a opor fenômenos de infraestrutura versus fenômenos de superestrutura. Essa tensão, típica do marxismo da Terceira Internacional, fez com que a perspectiva da sociedade civil se tornasse menos um problema a ser investigado, e mais uma consequência autônoma das tensões entre "os de baixo" e "os de cima". Sem a presença de mediações consistentes, que efetivamente expusessem as crises e paradoxos a que instituições e grupos da sociedade civil estavam submetidos, essas relações eram traduzidas de maneira dogmática, por meio de fórmulas, ou descartadas pela aparente impossibilidade de compreensão de sua dinâmica. Aqui, a

74 A leitura da obra de Gramsci vem sendo feita pela autora desde seu mestrado. Editorialmente, os

textos de Gramsci dividem-se entre os de cunho jornalístico, correspondentes ao período em que escreveu para jornais como L'OrdineNuovo, Avanti! e Il GridodelPopolo e os Escritos do Cárcere, 29 cadernos numerados por parágrafos, produzidos durante sua prisão até a morte. Além disso, um conjunto de escritos compõe as "Cartas do Cárcere", sem mencionar a “Questão Meridional”. Julgou-se por oportuno esclarecer o leitor que, tendo em vista a dimensão da obra de Gramsci entendeu-se que o sistema de referência bibliográfica mais fidedigno à cronologia da escrita de Gramsci seja o sistema de referência em notas de rodapé com opção pelo uso, recomendado pela ABNT até 2006, de citações que utilizem o recurso “op. cit.”, Idem e Ibidem, além da menção à data em que o material foi escrito ou, no caso dos Cadernos, o parágrafo e a ordem em que se inseriu na obra. Desta maneira, julga-se que o leitor poderá encontrar as referências em qualquer edição que utilize para a sua pesquisa, inclusive na internet (já que a obra caiu em domínio público, exceto os Cadernos) e não somente no material utilizado aqui.

45 complexidade intrínseca à sociedade acabava sendo reduzida estruturalmente, ou, no pior dos casos, tratada a partir de uma perspectiva unilateral e limitada.

A teoria gramsciana constrói o seu diagnóstico da realidade a partir da análise das contradições - o que reputamos como uma escolha metodológica prévia à própria maneira como o autor analisava as explicações de mundo que se organizavam em torno dos conceitos de hegemonia e ideologia. De fato, Gramsci, ao lado de Jurgen Habermas, NiklasLuhmann, Weber, Durkheim, Malinowski, Souza Santos75, entre outros autores, se engajou no estudo do Direito no quadro de um esforço maior no sentido da elaboração de uma teoria sociológica que comportasse as contradições de seu tempo.

Essa tradição, entretanto, foi parcialmente abandonada quando se observa hoje a relação entre Direito e Sociologia e vice versa. De fato, e do ponto de vista acadêmico, como diagnosticam Banakar e Travers76 ao estabelecer uma balanço do ensino jurídico no Ocidente, o crescente desinteresse curricular tanto dos cursos de Direito sobre a disciplina sociológica, quanto de Sociologia sobre as questões jurídicas foram substituídos por abordagens disciplinares, como sociologia do esporte, do crime, da ciência, educação, da saúde, enquanto conteúdos de Sociologia do Direito são abordados somente na ausência de conteúdo específico. Para os autores, ao mesmo tempo que hoje se fala muito em interdisciplinaridade, ela é praticada de um ponto de vista segmentado, de maneira que a "sociedade", tanto quanto o "direito" são observados como manifestações isoladas, não como aspectos sociais que se apresentam integrados à vida política e à história das sociedades77.

Isso afeta diretamente as escolhas metodológicas. Enquanto o direito se fecha na análise do discurso jurídico, como se ele se apresentasse de maneira linear e se auto-alimentasse do ponto de vista de sua autoridade intrínseca, a sociologia é instrumentalizada

75 HABERMAS, J. Direito e Democracia. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro. 2010. _____________. O

Discurso filosófico da Modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2002. LUHMANN, N. A SociologicalTheoryof Law. NY: Glasshouse, 2014. WEBER, M. Economia e sociedade. Mexico:Fondo de Cultura Economica, 1992. DURKHEIM, E. De ladivisióndeltrabajo social. Buenos Aires: Schapire, 1967. MALINOWSKI, B. Crime e costume na sociedade selvagem. Brasília: UnB, 2008. SANTOS, Boaventura Sousa. A crítica da razão indolente. São Paulo: Cortez Editora.2009.

76 BANAKAR, R. & TRAVERS, M. Law, sociology and method. In:Theory and method in social-

legal studies.Oxford-UK,: Hart Publishing, 2005. p. 1-26.

77 Balanço semelhante foi feito por Mark Tushnet no Encontro promovido pela Faculdade de Direito de

Harvard no IGLP (Institute for Global Law andPolicy), em 2015, do qual tivemos oportunidade de participar. Aqui no Brasil, ao lado de esforços sólidos de pensar o Direito em uma perspectiva não exclusivamente dogmática - e submeter a dogmática à crítica sociológica (como ocorre com o Direito Achado na Rua, na Universidade de Brasília), inúmeros curriculae adotados especialmente em pequenas faculdades privadas insistem em tratar a sociologia de maneira instrumental.

46 para a abordagem de questões "empíricas". Aqui, ela se apresenta muito mais como um conjunto de "técnicas legitimadoras" das escolhas teóricas do que propriamente uma ciência que desenvolveu um método próprio - ou, o que seria desejável, um método próprio ao ramo sócio-jurídico do conhecimento. Em sentido oposto, a sociologia também segmenta o direito em fenômenos sociais vinculados a teorias sociais que procuram explorar o comportamento de grupos ou setores sociais com graus de homogeneidade e identidade diversos.

Nega-se, assim, o exercício teórico interdisciplinar de

"combinar conhecimento, habilidades e formas de experiência de pesquisa a partir de duas (ou várias) disciplinas na tentativa de transcender algumas das limitações teóricas e metodológicas das disciplinas em questão e criar uma base para o desenvolvimento de uma nova forma de análise"78.

Para os autores, a interdisciplinaridade tem sido utilizada como uma forma de proporcionar alívio momentâneo às questões que insistem em se apresentar à teoria e que poderiam ser abordadas com muito mais complexidade se houvesse uma aproximação teórica, e não apenas instrumental, entre as disciplinas de Sociologia e Direito.

"A interdisciplinaridade fornece um 'espaço de encontro' no cruzamento das disciplinas que oferece alívio temporário para as restrições metodológicas e teóricas das disciplinas (previamente) estabelecidas"79.

Uma outra crítica importante é a de Boaventura Souza Santos. Para o autor, na modernidade o Direito teria perdido seu caráter emancipatório, pois deixou de lado a tensão entre regulação e emancipação em favor da primeira. O capitalismo teria um papel fundamental nesse movimento de refluxo da função libertadora do Direito ao exigir da ordem jurídica um controle social.

"Ao direito moderno foi atribuída a tarefa de assegurar a ordem exigida pelo capitalismo, cujo desenvolvimento ocorrera num clima

78 BANAKAR, R. & TRAVERS, M. op. cit. p. 5.

79 E continuam: "o preço do preenchimento do hiato disciplinar é alto. Para criar um espaço interdisciplinar os pesquisadores têm que estabelecer canais comunicativos entre as disciplinas. Esses canais os ajudam a visualizar o mundo do ponto de vista das outras disciplinas relevantes e apreciar o valor do conhecimento e habilidades desenvolvidos por elas. Isto frequentemente exige que eles desenvolvam dupla competência e dominem dois ou mais discursos acadêmicos, o que é mais fácil de se falar do que de se fazer. Além disso, os pesquisadores mono-disciplinares podem, e frequentemente o fazem, atribuem à forma interdisciplinar de conhecimento/poder como uma ameaça ao seu prestígio acadêmico e outros interesses vestais e, portanto, atribuem à interdisciplinaridade uma forma de diletantismo". Idem, p. 6.

47 de caos social que era, em parte, obra sua. O direito moderno passou, assim, a constituir um racionalizador de segunda ordem da vida social, um substituto da cientifização da sociedade, o ersatz que mais se aproximava - pelo menos no momento - da plena cientificização da sociedade que só poderia ser fruto da própria ciência moderna e tornar-se ele próprio científico. A cientificização do direito moderno envolveu também a sua estatização, já que a prevalência política da ordem sobre o caos foi atribuída ao Estado moderno, pelo menos transitoriamente, enquanto a ciência e a tecnologia a não pudessem assegurar por si mesmas80."

Para o autor é tarefa da crítica ao Direito a afirmação de seu caráter emancipatório através de seu des-pensar e sua redescoberta. Ao des-pensar, Santos afirma a ruptura com um modelo distorcido de sociedade. À redescoberta, o autor propõe a atenção do pesquisador ao fato de que

"circulam na sociedade, não uma, mas várias formas de direito ou modos de jurisdicidade. O direito oficial, estzal, que está nos códigos e é legislado pelo governo ou pelo parlamento, é apenas uma dessas formas, se bem que tendencialmente a mais importante. Essas diferentes formas variam quanto aos campos da acção social ou aos grupos sociais que regulam, quanto à sua durabilidade, que pode ir da longa duração da tradição imemorial até à efemeridade de um processo revolucionário, quanto ao modo como previnem os conflitos individuais ou sociais e os resolvem sempre que ocorram, quanto aos mecanismos de reprodução da legalidade, e distribuição ou sonegação do conhecimento jurídico. Parto, assim, da ideia da pluralidade das ordens jurídicas ou, de forma mais sintética e corrente, do pluralismo jurídico"81.

Santos propõe, assim, uma crítica ao Direito centrada não apenas em uma investigação filosófica, mas também sociológica. A interdisciplinaridade do discurso do autor português guarda essa proximidade com o discurso Gramsciano, ao mesmo tempo que salienta o fato de o Direito ter se afastado da sociedade ao se pensar como esfera do Estado na modernidade. Ao não se diferenciar do Estado, o Direito moderno teria sucumbido à ordem e às formas de dominação.

Neste sentido, a opção por Gramsci, um autor que localiza o Direito no interior de uma teoria social, apresenta uma outra problemática metodológica: qual o sentido do estudo de caso aqui proposto, a saber, as decisões judiciais acerca do comportamento do TST em relação às violações dos direitos dos trabalhadores no setor de frio dentro da abordagem teórica sugerida?

80 SANTOS, Boaventura Sousa. A crítica da razão indolente.op. cit. p. 120 (grifos do autor). 81Idem, p. 205.

48 Ao mesmo tempo que Gramsci propõe uma nova abordagem do Judiciário em relação aos outros poderes de Estado, assim como enxerga no Direito um aparelho ideológico de Estado de tipo muito particular, ele também estabelece uma abertura grande para o que podemos considerar o Direito na forma como é admitido e praticado nos Tribunais e, mais precisamente, em uma instância particularmente sensível às questões constitucionais e aos discursos de justificação social, como o TST82.

Certamente ele é um fenômeno de força. Mas também é um ambiente de disputa intelectual (os debates com os juristas italianos - Croce83, Pareto84, entre outros, é ilustrativo desse campo), cultural (a presença do positivismo nos discursos jurídicos de justificação), e, principalmente, é um ambiente de disputa de justificativas sociais.

Paralelamente, o Judiciário é um poder que se estabelece em uma arena movediça quando se pensa em termos de legitimidade. Sua força não é retirada somente da esfera normativa, mas da maneira como ele recepciona e também disputa explicações sobre o real. É, portanto, difícil definir o Direito a partir de uma perspectiva gramsciana se a história e as forças que se opõem socialmente e se apresentam no âmbito jurisdicional não forem levadas em questão.

A opção metodológica pelo estudo de caso permite realizar esse recorte a partir de uma situação historicamente contextualizada: de que forma TST tem agido no sentido de reforçar seu papel de instrumento de controle superestrutural ou, ao contrário, se apresenta não apenas como mediador das forças sociais, mas como portador de um discurso ideológico próprio? Em caso positivo, é possível dizer que esse discurso é predominante no ambiente jurídico que se pretende estudar? Qual é a sua fundamentação? Houve um reforço dos argumentos constitucionais de proteção aos trabalhadores? De que forma os próprios trabalhadores se encontram presentes nos discursos de justificação da Corte?

Observe-se que aqui há um desvio inclusive em relação à teoria jurídica centrada no positivismo - e uma opção deliberada por deixar o objeto (e suas

82

Especialmente após a Constituição Federal de 1988 e a Emenda Constitucional 45, de 2004.

83 CROCE, B. Aspectos moraes da vida política. Rio de Janeiro: Ed. Athena, s/d. __________.

Logica come scienzadelconcetto puro. Bari, 1909. p. 89. Disponível em: https://archive.org/details/logicacomescienz02croc. Acesso em julho de 2015.

84

PARETO, V. Trattatodi sociologia Generale. Firenze: G. Barbera, 1923.
 __________. Crítica a O Capital de Karl Marx. Rio de Janeiro: Pongetti Editores, 1937. __________. Manual de Economia Politica, Buenos Aires: Atalaya, 1945.

49 variantes) falar por si. Neste caso, o objeto é o discurso jurídico, porém não o discurso exclusivamente baseado na autoridade da lei (ainda que esse seja um dado importante). Essa observação é importante porque existe uma tradição forte no Brasil, derivada do reducionismo metodológico predominante na hermenêutica jurídica de se estabelecer um "paradigma" centrado na autoridade da lei (ou no próprio juízo do magistrado). Esse paradigma criou um mito da "última palavra": todos os argumentos são considerados, porém a última palavra é a da lei - ou da pessoa do juiz.

O estudo de caso permite investigar não apenas esse tipo de redução à dogmática jurídica, assim como a rejeição a qualquer outro argumento que não seja o jurídico-legal, mas também proporciona a identificação de zonas em que o Direito procura ponderar outras questões que não podem ser abarcadas pelo conteúdo textual das normas, regras ou princípios85, ou em que a mera "autoridade" do juiz se encontra fragilizada pela presença de argumentos morais.

E o que caracteriza o "discurso racional"? Segundo Rodriguez,

"uma argumentação que não se fundamente principalmente em argumentos de autoridade deve apresentar-se como convincente por si só, independentemente da pessoa que a proferiu ou de qualquer outra autoridade ou pessoa que, eventualmente, concorde com determinado modo de pensar. Ela deve ser justificada independentemente da pessoa que articula os argumentos, ou seja, deve representar a melhor solução possível para aquele caso - o melhor direito, a solução mais adequada -, esteja ela presente no texto da lei ou tenha sido obtida por intermédio de algum outro modelo de racionalidade judicial. Prevalece no Brasil a articulação de opiniões acompanhadas da citação, sem contextualização ou análise, de uma série de 'jurisprudências' e 'doutrinas' a título de argumento de autoridade. Uma forma de argumentar marcada pela racionalidade está preocupada com sua generalização possível em casos futuros; está preocupada com a formação de padrões decisórios positivados a partir da atividade dos tribunais. Por isso mesmo, a autoridade encara como seu dever individual, a despeito da assinatura que apõe à decisão, falar também em nome da instituição. Claro, é de um indivíduo que estamos tratando sempre, com seus limites e suas idiossincrasias. É ele quem vai reconstruir o sistema. No entanto, em argumentações racionais, esse indivíduo precisa atuar de forma descentrada e justificar seus argumentos de maneira impessoal. O elemento que descentra a autoridade é,

85 A esse respeito, ver BRADNEY, A. Law as a parasitic discipline. 2002. 25 In:Journal of Law and

50 justamente, o conjunto de ônus argumentativos com os quais ela deve arcar para proferir uma boa decisão, ou seja, o modelo de racionalidade judicial seguido por ela. No caso de argumentações por autoridade, a formação de padrões decisórios se dá a partir das razões subjetivas para decidir." (grifos do autor86).

O estudo de caso, neste contexto, permite conferir voz a um objeto a partir de um enquadramento teórico prévio e de um conjunto de hipóteses previamente estabelecidas. No caso desta tese, a "moldura teórica" proposta diz respeito aos conceitos gramscianos a respeito da argumentação jurisdicional e o papel do Judiciário como poder de Estado e como produtor de ideologia/hegemonia. Tendo em vista o enfoque no Direito do Trabalho e a atividade jurisdicional do TST, esta tese procurará verificar de que maneira a aproximação com o horizonte constitucional é capaz de promover a elaboração de discursos ideológicos próprios ao Direito do Trabalho.

Além disso, essa opção metodológica permite que se colha da realidade o objeto in natura, ou seja, da maneira como ele se expressa e apresenta. Esse objeto é "recortado" de um todo (o próprio universo, ao qual se agrega). Tem-se, assim, duas molduras teóricas aqui: uma, que diz respeito ao universo relativo ao papel do Poder Judiciário em relação à sociedade civil (a partir do qual se localiza a produção Gramsciana) e um outro, que diz respeito à forma como o Judiciário Trabalhista elabora as justificativas para suas decisões. Por sua vez, o objeto escolhido por nós para o estudo de caso são as decisões do TST tendo em vista as situações de extrema precariedade no trabalho (e sua reparação) presentes no setor de frio - abate, corte e processamento de carnes.

O estudo de caso, entretanto, possui algumas características que devem ser levadas em consideração. Segundo Ventura87, ao permitir que o objeto "fale" ou narre a sua própria trajetória, a opção permite que, uma vez descrito, o objeto seja confrontado com uma moldura teórica - que, no caso desta tese, é fornecida pela ideia gramsciana acerca do Judiciário como palco de disputas e pela hipótese de que esse palco de disputas guarda elementos de irracionalidade e contradição. Além disso, a opção metodológica permite que seja jogada luz sobre determinadas práticas que, se

86

RODRIGUEZ, J. R. Como decidem as cortes? São Paulo: FGV Editora, 2013. p. 77-78

87 VENTURA, Magda M. O estudo de caso como modalidade de pesquisa. Rev. SOCERJ,

51 analisadas de maneira agregada, tenderiam a ser desprezadas ou a se perderem tendo em vista outras características do universo.

Por outro lado, o estudo de caso pode provocar alguns resultados não desejados: além de exigir do pesquisador mais cuidado, já que há poucas situações a serem analisadas e as variáveis muitas vezes não são percebidas de maneira evidente (como por exemplo, nos estudos quantitativos), a generalização dos resultados deve ser feita de maneira cuidadosa. Outro risco é que a escolha da unidade a ser pesquisada seja atípica, daí a necessidade de uma prévia análise do universo para que a escolha dos casos reflita a parte do universo que se pretende estudar88.

Nesta pesquisa, a seleção do caso se dará a partir da presença de elementos irrefutáveis de dano efetivo aos trabalhadores em que, pela conduta sistemática da reclamada, houve uma mobilização por parte do MPT e/ou do Judiciário, externada no processo pela via da constatação: a de que era preciso condenar com rigor empresas cujas práticas lesivas eram reiteradas. Assim, o elemento da reiteração do dano, do rigor e da urgência em se reduzir as práticas danosas efetivadas pelos frigoríficos devem necessariamente ser os três elementos presentes nos processos. A partir daí, o que se propõe é montar quadros em que os processos serão "dissecados" a partir da justificativa, presença de discursos contraditórios, argumentos intuitivos e articulação entre a decisão final e as justificativas apresentadas.

Assim, podemos afirmar que o estudo de caso será descritivo e analítico89 - ou seja, procurar-se-à descrever as decisões investigadas, ao mesmo tempo em que, uma vez organizadas por temas ou argumentos, elas serão problematizadas com relação aos dois instrumentais teóricos, a saber, o papel do Judiciário Trabalhista brasileiro em relação à sociedade civil e enquanto poder de Estado e a perspectiva de haver ou não a construção de argumentações hermenêuticas racionais sólidas que confirmem ou não o papel especial que a bibliografia atribui ao Poder Judiciário trabalhista e suas ações protetivas ao trabalho humano sob um porto de vista da plataforma

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