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CAPÍTULO II – ABORDAGENS VERTICAIS

2. Contrastes entre Frequências Gerais de Vocábulos

2.4 Operadores Gramaticais e Substitutos Coesivos: Do, Does e

adentra o universo dos vocábulos ingleses que tanto atuam como verbos lexicais quanto como verbos gramaticais auxiliares, tais com do, will, can, etc., aqui restrita às formas verbais do Simple Present e Simple Past do primeiro, por este, segundo Halliday e Hasan (1976), ser o vocábulo inglês que tipicamente estabelece relações de coesão por substituição verbal, e também ser um operador gramatical (auxiliar), o que permite um maior aprofundamento nas análises relativas às relações gramático- coesivas a serem abordadas.

Neste direcionamento, a seleção das formas verbais do, does e did se deu: (i) por elas estabelecerem correspondências interlinguísticas com as diversas conjugações do verbo ‘fazer’, bem como, de outros, cujos significados centrais giram em torno deste; (ii) por estas formas verbais, muitas vezes, não estabelecerem correspondências morfossintáticas com vocábulos do português, o que explicita divergências marcantes entre os dois sistemas linguísticos. Enquanto, por exemplo, os vocábulos do, does e did, quando atuando como operadores gramaticais auxiliares, são compostos somente por um único morfema gramatical que indica seus respectivos tempos-aspectos verbais, no português, estes são indicados por uma gama de morfemas gramaticais, implícitos nas flexões verbais, os quais são associados a morfemas lexicais, relativos aos significados centrais dos verbos. Em resumo, as funcionalidades sintático-gramaticais (auxiliares) de do, does e did apontam para funcionalidades que não são atribuíveis ao verbo ‘fazer’, e afins.

Quando do does e did atuam como substitutos verbais em relações de coesão textual, os três podem acarretar repetições deles em orações adjacentes, como em “Does she sing? No, but Mary does.” (HALLIDAY e HASAN, 1976, p.127). Similarmente, quando atuam como operadores gramaticais, podem ocorrer mais de uma vez numa mesma oração, como em “How do you do?” (BNC, C9R 180), sendo que o operador gramatical do, desta pergunta, não estabelece correspondência direta com nenhum vocábulo do português, portanto não figura numa tradução para esta língua.

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Os atributos funcionais de do, does e did, descritos nos dois últimos parágrafos, abrem campo para expectativas da existência de frequências mais elevadas de ocorrências deles nas traduções para o inglês. No entanto, buscas por confirmações destas expectativas em Corpora linguísticos são demasiadamente complexas, por conta de elas demandarem contrastes interlinguísticos, via alinhamentos frásicos, envolvendo ocorrências destes vocábulos, como operadores gramaticais e como formas verbais lexicais homônimas, e as ocorrências das diversas formas verbais conjugadas, ou não, do verbo ‘fazer’ e afins. Em outras palavras, o contraste é por demasiado complexo, pois, por um lado, envolve diferentes aspectos gramático-coesivos dos vocábulos nas duas línguas, e, por outro, envolve as diferentes polissemias destes dentro de seus respectivos sistemas linguísticos, o que demandaria um alinhamento total do córpus, que viabilizasse os contrastes entre frequências de ocorrências, o que não é o caso da pesquisa.

Face esta complexidade, optou-se por um caminho inverso ao adotado nas investigações contrastivas dos vocábulos terminados em - ing, abordando, primeiramente, a questão pelo viés teórico, para em seguida, apresentar algumas frequências de ocorrências de do, does e did, que não estabelecem correspondências com formas verbais das traduções.

Não se pretendeu, porém, com este direcionamento investigativo subverter a ordem geral dos Descriptive Translation Studies (DTS), que, segundo Toury (2102), essencialmente, não são prescritivos. E, como a Linguística de Córpus enquadra-se nos DTS, o método indutivo torna-se sine qua non. No entanto, devido à complexidade dos contrastes interlinguísticos, necessários para se aplicar este método à questão dos vocábulos do, does e did, o método dedutivo permitiu focar nas ocorrências destes, que por força de relações gramático-coesivas, pertinentes ao sistema linguístico do inglês, evidenciam possibilidades de surgimentos de discrepâncias quantitativas entre as frequências de ocorrências de repetições nos textos originais e as traduções do Córpus da Pesquisa.

Cumpre então, primeiramente, definir as linhas teóricas aqui adotadas. Por conta da Hipótese da Pesquisa, elencou-se essencialmente a teoria hallidayana como norte das investigações por vir, em razão do aprofundamento, que Halliday e Hasan (1976) conferiram aos estudos da Coesão Textual. Aliado à questão da coesão textual, parte das investigações foram direcionadas a aspectos da Gramática Funcional também de Halliday (HALLIDAY E MATTHIESSEN, 2004), em

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especial, quanto ao fluxo de informação de mensagens linguísticas, pois, segundo Mona Baker (2001), este também é um aspecto a ser considerado pelas estratégias de tradução.

A despeito de um aparente silogismo, em relação ao direcionamento acima proposto, a discussão tem como ponto de partida as atuações de do, does e did encontradas no Córpus da Pesquisa, meramente, como referenciais estruturais do texto. Nas investigações quanto às atuações gramático-coesivas de do, does e did, no subcórpus TT em inglês, encontrou-se 06 distinções, i.e.:

1. Expressando ações em sentenças declarativas positivas, podendo ser finitos - indicando pessoa, número, tempo-aspecto verbal (LINGUATECA) - ou não finitos;

2. Atuando como verbo finito em sentenças interrogativas;

3. Atuando como verbo finito em sentenças declarativas negativas;

4. Enfatizando ações, antecedendo verbos lexicais;

5. Conferindo efeitos retóricos, formais ou literários via English Invertions, antecedendo sujeitos sintáticos;

6. Estabelecendo coesões por referência e/ou substituição, incluindo as em short answers negativas e positivas;

Com vistas à busca por possibilidades de correspondências com o português, a seguir são dispostas correlações entre as seis atuações de do, does e did, acima listadas, e as distinções propostas por Halliday e Hasan (1976, p.123-129), em negrito e entre parênteses, a saber:

Como formas verbais lexicais (verbos lexicais do) (1) expressando ações em sentenças declarativas positivas, podendo ser finitos ou não finitos. Quando finitos, estabelecem correspondências interlinguísticas com as formas verbais de alguns verbos do português, cujos significados centrais giram em torno de ‘fazer’. Quando não finitos, estabelecem correspondências semânticas, mas nem sempre gramaticais;

Como auxiliares sintáticos (operadores gramaticais do), (2) e (3) sempre como verbos finitos (Ibid.), mas não lexicais. Em outras palavras podendo indicar pessoa, e/ou número, e sempre indicando tempo-aspecto verbal, mas não expressando significados, o que, conforme disposto anteriormente, não ocorre com ‘fazer’ no português. Ou seja, o verbo ‘fazer’ não atua como um operador gramatical no português, e, por conta disto, também inexistem usos similares aos usos dos operadores gramaticais do, precedendo formas verbais

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lexicais para enfatizar ações (4), nem similares aos usos enfáticos (retóricos) (5) destes operadores precedendo sujeitos sintáticos em English Inversions. Cabe aqui ressaltar que, tradicionalmente, o termo English Inversion é mais abrangente; aqui ele se restringe às inversões que se dão por conta de estratégias retóricas;

 Em relações coesivas (6), podendo estabelecer diferentes relações anafóricas, catafóricas e endofóricas, bem como diferentes correspondências interlinguísticas:

(i) Anaforicamente, como verbos lexicais do, sendo sempre transitivos, portanto, sempre acompanhados de objeto direto sintático, referindo-se a formas verbais lexicais idênticas, como em “He ought to be doing his homework. – He’s doing it.” (Ibid. p.124). Estabelecem relações de coesão por repetição, e estabelecem correspondências morfossintáticas e semânticas com seus homólogos em português;

(ii) Anaforicamente, como substitutos verbais do de formas verbais lexicais e de grupos verbais, sendo que se distinguem dos verbos lexicais do por poderem não ser acompanhados por objetos sintáticos, como em, “He is doing” (ibid.), outra resposta possível para a pergunta do exemplo anterior. Destaca-se que, quanto à correspondência interlinguística, esta distinção entre (i) e (ii) em inglês, às vezes, não é facilmente perceptível no português, em função de neste haver uma tendência à elipse do objeto sintático, em respostas curtas, correspondentes às possíveis do exemplo;

(iii) Anaforicamente, como substituto verbal do, sempre como forma verbal finita, substituindo uma forma verbal lexical, como em, “Does she sing?” e “Yes, she does.”, onde does é elíptico (Ibid., p. 127). Em geral, não encontram correspondências diretas no português, a não ser se considerar-se, como elípticas, as respostas ‘Sim.’ ou ‘Não’ para, por exemplo, a pergunta ‘Ela canta?’;

(iv) Atuando como itens lexicais com significados generalizados, - verbos genéricos do -, como na forma noninalizada, em “they did the dance, significando, simplesmente, they danced” (Ibid. p. 125). Podem estabelecer correspondências com o português, como em, ‘they do lunches’ e ‘it does no harm’ (Ibid.) correspondendo, respectivamente, a ‘fazem almoços’ e ‘não faz mal’. Podem estabelecer coesão anafórica por referência, quando um dos itens lexicais, da forma nominalizada, for mencionado anteriormente;

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(v) Estabelecendo referência como pró-verbos8 do, associados há algum item lexical, pró-substantivo, como it, this e that, referindo-se a grupos verbais, como em “Her chin was pressed so closely against her foot, that there was hardly room to open her mouth; but she did it last,...” (Ibid.), onde did it se refere à open her mouth, por conta da referência anafórica que it estabelece com her mouth. Mas, “na realidade é todo grupo verbal que estabelece a referência” (Ibid.). Em geral, estabelecem correspondências diretas com o português.

Cabe ressaltar que, algumas das distinções, propostas por Halliday e Hasan, têm relações diretas com aspectos fonológicos da língua inglesa. Como os próprios autores afirmam, ao distinguirem as ocorrências de does nas respostas no exemplo II - 8, que “na oralidade, as duas formas são mais distintas do que na escrita, porque o substituo do é fraco, enquanto que, o operador do é proeminente, quando finaliza o grupo verbal,” (Ibid. p.127, tradução nossa).

Em função das distinções entre traços fonológicos das duas línguas, algumas vezes, as distinções nos usos de do, does e did feitas por estes autores, também podem não ser aplicáveis ao português. Neste exemplo, as duas coocorrências do vocábulo does dificilmente estabeleceriam correspondências no português, pois nestes contextos frásicos, o núcleo, ‘canta’, do grupo verbal, é comumente elidido na oralidade. Caso não o seja, tende a ser repetido, portanto, ambas as ocorrências de does corresponderiam à ‘canta’. Perceba que não seria possível traduzir a segunda resposta por “Não, mas Mary faz”. Seria

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Segundo os estudos de Halliday e Hasan, as relações coesivas podem se estabelecer entre substantivos, verbos, e partes de orações. Assim, o sufixo ‘pró’ em pró-verbo do, indica que ele se refere às coesões por referência que do estabelece com grupos verbais, tais quais as que os pró-substantivos, como it e

one estabelecem com substantivos ou grupos nominais.

(II - 8) Does she sing?

Yes, she does. (operador do)

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possível, mas somente em contextos mais formais, por “Não, mas Mary o faz”.

Na sequência investiga-se, ainda pelos vieses teóricos da coesão textual e do fluxo de informação, os efeitos, que algumas das atuações de do, does e did, que não encontraram correspondências nas traduções presentes no Córpus da Pesquisa, podem ter nas frequências de ocorrências destes vocábulos, e, por conseguinte, nas frequências de ocorrências de repetições deles. Porém, pela obviedade de tais efeitos, no que se refere às atuações destes vocábulos como operadores gramaticais nas estruturações de sentenças interrogativas e declarativas negativas,, excluímos estas atuações das investigações por vir, retomando-as nas quantificações das ocorrências destes vocábulos no subcórpus TT em inglês.

Antes de dar prosseguimento às investigações, cabe ressaltar que, a partir deste ponto, quando adequado, a terminologia Halliday e Hasan é privilegiada, visto que a distinção destes autores auxilia na melhor compreensão dos usos de do, does e did, o que facilita no contraste com os usos de seus possíveis correspondentes interlinguísticos em português. Cabe reiterar que, na terminologia proposta pelos autores, do refere-se a todas as suas formas verbais, incluindo done e doing. No entanto, nesta seção do texto, do compreende somente as três formas verbais em questão.

Passa-se, então, para as análises de alguns aspectos gramático- coesivos e de alguns relevantes ao fluxo de informação, com vistas ao mapeamento das funcionalidades dos vocábulos do, does e did, que corroboram com o aumento das repetições de vocábulos em inglês. Cabe retomar o que já foi enfatizado na Introdução desta dissertação, que a pesquisa adota a posição de Halliday e Hasan, quanto ao fato de “o conceito coesão ser um conceito semântico e não estrutural” (HALLIDAY & HASAN, 1976, p.4, tradução nossa). Portanto, as relações coesivas não são limitadas por aspectos estruturais, e “podem ser encontradas, tanto dentro de sentenças, quanto entre sentenças, [...] [a despeito de, quando] dentro, chamarem menos atenção devido à força coesiva das estruturas gramaticais.” (Ibid. p.8, tradução nossa).