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Por fim, esse capítulo, destinado a agrupar a parte conceitual relativa aos contratos, não pode deixar de abarcar a oponibilidade do contrato, qualidade esta que permite a responsabilização do terceiro que interfere na relação contratual.

Consoante destacado acima, o efeito obrigatório ou interno do contrato diz respeito à relação em si, aos deveres assumidos pelas partes. Os direitos e obrigações resultantes do ajuste de vontades vinculam apenas os contratantes e somente podem atuar sob sua esfera jurídica. Vale dizer, a obrigação advinda do contrato somente pode ser exigida do contratante ou de quem venha a assumir sua posição. O princípio da

relatividade, nessa ordem de idéias, decorre diretamente do efeito obrigatório do vínculo.

Contudo, o contrato apresenta hoje um caráter social. Em razão desta constatação, vislumbra-se um outro efeito natural e decorrente do contrato, denominado de oponibilidade, que extrapola o limite inter partes, atuando na esfera jurídica de terceiros, não participantes da relação. O contrato, enquanto fenômeno social, projeta-se externamente para além das partes contratantes, refletindo no patrimônio de quem não consentiu para sua celebração. Entende-se que na própria idéia de contrato encontra-se ínsito o dever de terceiros de respeito e abstenção.

A idéia de oponibilidade decorre, primeiramente, dos direitos reais, cuja eficácia é erga omnes. Isto porque, via de regra, estes direitos incidem sobre coisas perceptíveis aos outros e são dotados de publicidade registral. Esta circunstância estabelece à sociedade o dever geral de abstenção e respeito ao direito do seu titular.

Essa oponibilidade dos direitos reais, contudo, foi se expandindo para o direito de crédito, aqui incluído o contrato, antes visto como relativo e concernente apenas às partes contratantes. Modernamente, face à sua importância para a sociedade, o crédito apresenta projeção erga omnes, gerando um dever geral de respeito.

Santos Júnior, nesse aspecto, entende que “o dever geral de respeito é, pois, imanente a qualquer direito subjectivo, não excluído o direito de crédito”.66

Cardoso destaca ser a oponibilidade uma resultante da interação entre a função social do contrato, que impõe ao instituto uma relevância social, e a relatividade, que determina o isolamento da relação, que fica circunscrita às partes.67

A oponibilidade não se configura em uma exceção ao princípio da relatividade do contrato, tal como ocorre nas hipóteses de estipulação em favor de terceiro, promessa de fato de terceiro ou de contrato com pessoa a declarar. Nestas figuras jurídicas, um terceiro é atingido pelos efeitos do contrato em decorrência da vontade manifestada pelos contratantes especificamente para esse fim. Ou seja, o ajuste prevê, expressamente, que sua eficácia irá extrapolar o limite inter partes para alcançar a esfera daquele que não consentiu para sua celebração. A oponibilidade dirige-se a uma coletividade indeterminada de pessoas, independentemente de manifestação expressa nesse sentido.

66 SANTOS JÚNIOR, E. Op . cit., p. 464.

67 CARDOSO, Patrícia. Oponibilidade dos efeitos dos contratos: determinante da responsabilidade civil do

terceiro que coopera com o devedor na violação do pacto contratual. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, ano 5, v. 20, out./dez. 2004, p. 129.

Igualmente, a relatividade não exclui a oponibilidade, nem com ela se confunde, já que, segundo Cardoso,

“[...] aquela trata das relações internas dos contratantes, por sua vez, esta refere-se à eficácia externa das obrigações, consubstanciando-se num dever geral de abstenção de terceiro em face de contratos anteriormente estabelecidos”.68

O efeito externo do contrato decorre do princípio geral de não lesar (neminem

laedere), que se traduz na proibição de o terceiro ignorar a situação patrimonial

derivada de um ajuste para cuja celebração não tenha participado. De tal sorte que não apenas responde pelos prejuízos provocados aos contratantes, como, também, pode buscar no contrato a justificativa para ser indenizado pelos danos que lhe forem causados.

O tema será tratado mais adiante, no capítulo III do trabalho. Mas, pode-se ilustrar a hipótese com a possibilidade de a vítima de acidente automobilístico ajuizar ação direta contra a seguradora para ver-se ressarcida dos prejuízos suportados, fundamentando sua pretensão no contrato de seguro de responsabilidade civil do qual não é parte.

Theodoro Neto, ao tratar da oponibilidade, conclui que:

“[...] a existência do contrato é um fato natural que não pode ser negado nem desconsiderado pelo direito. Se ele existe, portanto, o terceiro, sempre que dele tiver ciência, tem que tê-lo em consideração em sua conduta, evitando interferência indevida ou podendo, inclusive, se valer de sua existência”.69

Ghestin, referindo-se à oponibilidade na França, entende ser a mesma necessária à eficácia da força obrigatória do contrato, pois permite justificar que um terceiro não possa desconhecer a existência de um contrato legalmente firmado.70

No Brasil, Godoy, ao tratar da expansão da eficácia dos contratos, afirma:

“[...] mesmo contratos sem uma eficácia social que se poderia dizer típica podem também interferir na esfera jurídica de terceiro. Isso, quer permitindo que o terceiro possa valer-se de contrato alheio para defesa de seus interesses,

68 CARDOSO, Patrícia. Ibid., p. 138.

69 THEODORO NETO, Humberto. Op. cit., p. 87.

70 No original: “il suffit de constater que l’opposabilité est nécessaire à l’efficacité de la force obligatoire du

contrat. Cette seule considération permet de justifier qu’un tiers ne puisse méconnaitre l’existence d’un contrat légalment formé” (Traité de droit civil: les obligations – les effets du contrat. Paris: LGDL, 1992. p. 587).

quer fazendo com que os contratantes possam alegar, a terceiro, um contrato que os una”.71

No mesmo sentido, Negreiros ensina:

“A oponibilidade do contrato traduz-se, portanto, nesta obrigação de não fazer, imposta àquele que conhece o conteúdo de um contrato, embora dele não seja parte. Isto não implica tornar as obrigações contratuais exigíveis em face de terceiros (é o que a relatividade impede), mas impõe aos terceiros o respeito por tais situações jurídicas, validamente constituídas e dignas da tutela do ordenamento (é o que a oponibilidade exige)”.72

Nesse ponto, importante destacar que o dever geral de não lesar e não violar os direitos de outrem, decorrentes da oponibilidade dos efeitos do contrato e de sua função social, justifica a responsabilização do terceiro que interfere na relação contratual de forma a obstar o seu cumprimento e prejudicar os contratantes.

71 NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato. Op. cit., p. 145. 72 Ibid., p. 272-3.

SEÇÃO II–RESPONSABILIDADE CIVIL

1.NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

O direito estabeleceu a responsabilidade civil para regular as situações em que o indivíduo viola um dever jurídico, acarretando dano de natureza patrimonial ou moral a outrem. O direito estabelece determinados padrões de comportamento, necessários à convivência pacífica dos indivíduos insertos em uma sociedade. Uma vez violados esses padrões, vale dizer, agindo fora do comportamento desejado, surge para o sujeito a obrigação de indenizar (responsabilidade).

O instituto evoluiu muito nas últimas décadas, principalmente após a promulgação da Constituição Federal de 1988 e o advento do Código de Defesa do Consumidor, em 1990. E continua a merecer especial dedicação por parte dos doutrinadores e juristas até os dias atuais.

O presente trabalho procura ampliar a aplicação que já vem sendo dada ao instituto. Seu intuito consiste em possibilitar a sua extensão àquelas situações em que um terceiro interfere numa relação contratual da qual não faz parte, prejudicando um ou ambos os contratantes.

Faz-se, portanto, necessário abordar, ainda que sucintamente, a responsabilidade civil, a fim de firmar o seu conceito, suas modalidades e seus requisitos. Contudo, o

estudo não pretende esgotar a análise da matéria, possibilidade, aliás, impossível, devido ao caráter mutável da temática. Aqui serão tratados, apenas, os pontos principais do instituto, essenciais para o desenvolvimento da dissertação.