• Nenhum resultado encontrado

Diferentes estudos, em diversos contextos, constatam que as práticas orantes constituem um dos comportamentos reli- giosos mais persistentes. Isto deverá explicar-se pelo facto de ser a prática mais moldável, adaptável e portátil, indo assim ao encontro das dinâmicas de individualização próprias das sociedades atuais.

Nos resultados apurados, é necessário sublinhar que 32,3% da população inquirida não apresenta indícios de qualquer prática orante. Por outro lado, 49,3% dos respondentes apre- sentam uma prática regular de oração. Os dados confirmam a observação recorrente segundo a qual a oração permanece um dos comportamentos religiosos mais persistentes, mesmo nas sociedades onde se encontram sinais evidentes de erosão de práticas explicitamente religiosas.

Grande parte da população inquirida neste estudo assume participar em práticas orantes. Estas apresentam traços de individualização e subjetivação; são solitárias, sem deixarem de ser solidárias; são preponderantemente espontâneas; são um elo determinante na circulação de dons entre os crentes e o ser divino (pedir, receber, agradecer, etc.), mas também um recurso na demanda de bem-estar; são práticas em que a comunicação com a transcendência convive com novas

práticas de oração e meditação como formas de integração numa unidade cósmica.

A vasta maioria dos inquiridos ora sozinha e no final do dia. Assim, as práticas orantes persistem como formas de ação características de uma religiosidade privada, particularmente no ocaso do dia. Tal evidência diz-nos algo sobre a expe- riência de oração, nas suas formas mais tradicionais, como prática devocional individual (mental, vocal e corporal), e como disciplina de interioridade particularmente ligada a esse limiar entre o quotidiano público e doméstico e o tempo do sono. Mas para além desses indícios de tradiciona- lidade religiosa, os dados apontam para a evidência de que as práticas orantes são facilmente moldáveis à experiência do indivíduo na sua autonomia e subjetividade, ao contrário de outras, mais formalizadas e mais dependentes de ambientes institucionais. A sua concentração nestas duas características – «sozinho» e à «noite» – pode explicar, pelo menos em parte, a persistência deste comportamento religioso.

Quando observamos as categorias que nos informam acerca do objeto da oração, a maioria das pessoas responde «peço pelos outros» (66,6%). Com um peso percentual inferior, apresenta-se o enunciado «peço por mim» (56,9%). Estas duas direções não se opõem. De algum modo, a oração tem como objeto, com frequência, a experiência de vulnerabilidade, que tanto afeta o praticante como os seus círculos de rela- ções. Este aspeto da análise pode esclarecer-se observando a relevância da percentagem de indivíduos que diz agradecer graças/benefícios (52,7%).

Na lógica retributiva que caracteriza boa parte das práticas orantes, ao gesto do pedido corresponderá, ulteriormente, o gesto de agradecimento – esta transação simbólica é uma importante matriz da atividade religiosa. As formas mais difusas, como «contemplação» (7%), ou exógenas, como «meditação de tipo oriental» (6,1%), têm taxas de frequência comparativamente baixas. São mais relevantes as relativas ao bem-estar pessoal («procuro a paz interior»: 42,6%). Na comparação entre as formas de oração mais espontâneas (52,2%) e as mais formalizadas (43%), dir-se-á que a impro- visação toma o lugar da memória, uma vez que as primeiras prevalecem. No confronto entre modalidades de oração que evocam o ser divino, plural ou singular, ou outras entidades transcendentes (26%), e aquelas que apelam a uma experiência de índole cósmica (16,4%), afirmam-se as primeiras, mais tradi- cionais. Ainda assim, importa sublinhar que as práticas mais próximas de uma conceção cósmica ou naturalista de oração, correspondem a mundividências mais recentes.

Como seria de esperar, é entre os que não pertencem a nenhuma religião que encontramos as frequências mais baixas. Neste caso, o que é assinalável é o facto de, mesmo entre os não crentes, ser possível encontrar algum vestígio das práticas orantes, pelo que as mesmas poderão atestar a plasticidade própria dos comportamentos religiosos. Entre os crentes sem religião, que constituem uma espécie de peri- feria crente, encontramos resultados que os distinguem nitidamente, tanto dos não crentes, como dos indivíduos que dizem pertencer a uma religião.

No universo cristão, descobre-se um contraste sintomático entre católicos e evangélicos. Enquanto 81% dos evangélicos dizem orar «todos os dias», no universo dos católicos apenas 35,8% dizem fazê-lo diariamente. De forma simétrica, entre os evangélicos, o número dos que nunca rezam é residual (1,7%). Esse número é muito mais significativo entre os cató- licos (13,3%), sendo comparável, neste aspeto, às Testemunhas de Jeová (13,6%). Esta aproximação pode decorrer do facto de, nestes dois grupos, existirem periferias com um certo distan- ciamento das práticas religiosas, tanto orantes como cultuais. Porém, esta proximidade já não se verifica nas outras catego- rias, onde, apesar de uma grande distribuição das posições, encontramos uma mais intensa atividade orante.

Mais do que no campo católico, «orar» é, no campo evan- gélico, uma vivência nuclear na construção da identidade crente, unindo, num contínuo religioso, a interioridade do indivíduo, o espaço doméstico e a sua experiência comunitária. Apesar de estarmos perante um número de respondentes muito baixo, pode afirmar-se que os muçul- manos apresentarão, tendencialmente, frequências elevadas na prática da oração diária, uma vez que esse comportamento religioso é nuclear no regime de observâncias que descreve o quotidiano islâmico. Neste contexto, podemos dizer que a oração é uma civilidade quotidiana.

Documentos relacionados