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Dentro do grupo das orações subordinadas, temos diferentes comportamentos sintáticos e semânticos. Lobo (2013), seguindo Haegeman (2002; 2006), afirma que é possível distinguir orações adverbiais em orações periféricas e integradas, em função do tipo de conectividade que mantêm com a oração matriz. Orações causais, explicativas, condicionais e finais podem ser integradas e periféricas, porém, as orações temporais são sempre integradas e as orações concessivas são sempre periféricas. Nesta seção, serão discutidas as diferenças

entre as orações periféricas e integradas, e os exemplos apresentados serão de orações finais.

As orações adverbiais integradas são aquelas que podem ser c-comandadas por elementos presentes na oração subordinante. Possuem assim maior ligação prosódica e estrutural com a oração matriz, e apresentam compatibilidade com processos de focalização. Seriam então orações que modificam o predicado. Já as orações adverbiais periféricas são aquelas que não podem ser c-comandadas por elementos presentes na oração subordinante. Por isso possuem menor ligação prosódica e estrutural com a oração matriz, são orações que ocorrem tipicamente em posição inicial – quando em posição final, são destacadas da oração matriz –, e apresentam incompatibilidade com processos de focalização. Seriam assim orações que modificam a frase. Em termos estruturais, Lobo assume que as adverbiais de predicado seriam adjungidas no interior da projeção temporal (TP), enquanto as adverbiais de frase seriam adjungidas acima da projeção temporal.

Uma primeira observação sobre esses dois tipos de orações mostra que orações adverbiais integradas (modificadoras de predicado) podem ocorrer em posição final sem marcação, como podemos observar no exemplo em (114), o que não acontece com orações adverbiais periféricas (modificadoras de frase), pois só ocorrem em posição final se precedidas de pausa, o que corresponde geralmente uma vírgula na escrita, como podemos observar no exemplo em (110).

(114) Abrimos a janela ​para arejar a sala.​ (Lobo, 2013, p. 2032) (115) Não aprecio chocolates, ​para ser sincero.​ (idem)

Lobo (2013) realiza também testes de focalização que distinguem esses dois tipos de oração: clivagem, escopo da negação e de advérbios focalizadores, e interrogação parcial. Um resultado aceitável com os testes indicaria que a oração é uma adverbial de predicado, e um resultado inaceitável indicaria que a oração é uma adverbial de frase.

Orações adverbiais integradas admitem a ocorrência em estruturas clivadas, como podemos observar no exemplo em (116) o que não acontece com orações adverbiais periféricas, como podemos observar no exemplo em (117).

(116) Era​ para​ ​arejar a sala​ que abrimos a janela.

(117) *​É para​ ​ser sincero​ que não aprecio chocolates. (Lobo, 2013, p. 2033)

Orações adverbiais integradas recaem sob o escopo da negação da oração principal, como podemos observar no exemplo em (118), o que não acontece com orações adverbiais periféricas, como podemos observar no exemplo em (119).

(118) Não abrimos a janela ​para arejar a sala​, mas para ouvir melhor o som. (119) *Eu ​não​ aprecio chocolates, ​para ser sincero​, mas para que você

saiba.

Orações adverbiais integradas estão no alcance do foco de advérbios como

só e ​até na oração principal, como podemos observar no exemplo em (120), o que não acontece com orações adverbiais periféricas, como podemos observar no exemplo em (121).

(120) O Rui ​só estava poupando dinheiro ​para viajar. (Adaptado de Lobo, 2013, p. 2034)

(121) # ​Só ​aprecio chocolates ​para ser sincero​.

Orações adverbiais integradas admitem respostas a orações interrogativas parciais, como podemos observar no exemplo em (122), o que não acontece com orações adverbiais periféricas, como podemos observar no exemplo em (123).

(122) Para que vocês abriram a janela? ​ Para arejar a sala.

(123) Para que você aprecia chocolates? ​*Para ser sincero.

Orações adverbiais integradas admitem estruturas interrogativas alternativas, como podemos observar no exemplo em (124), o que não acontece com orações adverbiais periféricas, como podemos observar no exemplo em (125).

(124) Vocês abriram a janela ​para arejar ou para escutar melhor o som​? (125) *Você aprecia chocolates para ser sincero ou para dizer a verdade?

(idem)

Para reforçar o fato de que as orações periféricas possuem menor ligação prosódica e sintática com a oração matriz, Lobo (2013) ressalta ainda que, as orações periféricas podem ocorrer com tempos distintos na oração principal e na subordinada, como podemos observar no exemplo em (126), enquanto nas orações integradas isso geralmente não ocorre, como podemos observar no exemplo em (127).

(126) Dei-lhe uma última oportunidade,​para que fique claro. (Lobo, 2013, p. 2036)

(127) Dei-lhe uma última oportunidade, ​para que não me acusassem de ser

injusto. ​(idem)

O seguinte quadro mostra o resultado da diferenciação entre as orações finais de evento e das orações finais de enunciação de acordo com os testes aqui expostos.

QUADRO 1 - TESTES ORAÇÕES DE EVENTO X ORAÇÕES DE ENUNCIAÇÃO

TESTES/ TIPOS DE ORAÇÃO

EVENTO ENUNCIAÇÃO

POSIÇÃO FINAL SEM MARCAÇÃO * CLIVAGEM * NEGAÇÃO * FOCO DO ADVÉRBIO ​SÓ * INTERROGAÇÃO PARCIAL *

Em suma, as orações adverbiais finais de evento e de enunciação podem ser analisadas respectivamente como adverbiais integradas e adverbiais periféricas. Assim, adotando a análise de Lobo (2003), as orações em (114) e (115) teriam as estruturas em (128) e (129) respectivamente. Em (128), a oração infinitiva “para arejar a sala”, analisada como integrada, é adjungida ao VP ; em (129), a oração 8 “para ser sincero”, analisada como periférica, é adjungida ao CP, a projeção que forma a camada de interface com o discurso. No caso de a infinitiva aparecer no início da frase, a adjunção se daria à esquerda (129’).

(128)

8 Crucialmente, a oração estaria adjungida no interior de TP. Trabalhos futuros considerando a adjunção de sintagmas que denotem instrumento, por exemplo, podem ajudar a determinar mais

(129)

4.5 CONCLUSÃO

Neste capítulo, buscamos apresentar como é feita a descrição das orações adverbiais em alguns estudos linguísticos atuais.

Kenedy e Othero (2018) descrevem os tipos de articulação entre orações e as organizam no ​continuum encaixamento, hipotaxe e parataxe. Para este estudo, foi relevante apresentar as noções de (i) encaixamento, que ocorre quando dada oração é constituinte de outra, desempenhando função sintática na oração matriz, podendo nela inserir-se como complemento ou especificador (orações substantivas, por um encaixamento sintático) ou adjunto (orações relativas, por um encaixamento sintático-semântico) e (ii) hipotaxe, que ocorre quando dada oração é constituinte de outra, desempenhando função sintática na oração matriz, mas com grau inferior de articulação sintática, podendo inserir-se na matriz como adjunto adverbial (orações adverbiais) ou aposto (orações adjetivas explicativas), e adjungindo-se em diferentes posições. Esses autores analisam a articulação entre orações empregando termos descritivos da própria sintaxe, abandonando as tradicionais explicações de natureza semântica-discursiva encontradas nas gramáticas tradicionais.

Lobo (2003; 2013) reproduz, em certa medida, o que já foi dito por outros autores da Gramática Tradicional já citados neste estudo sobre o valor semântico das orações adverbiais, que é atribuído pelo conector que as introduz. A autora faz uma distinção sintática entre as orações adverbiais e as orações completivas e relativas, já que as orações adverbiais se comportam de maneira mais livre do que as outras. Para demonstrar tal informação, a autora realiza alguns testes que foram apresentados neste capítulo.

Assim como Neves (2011), citada no capítulo 3 deste estudo, Lobo (2003; 2013) faz a distinção entre orações que apresentam finalidade da situação descrita na oração matriz ou que apresentam finalidade do ato de fala. Porém, as autoras utilizam uma nomenclatura diferente com relação às orações que se ligam à situação descrita na oração matriz, nomeadas por Neves (2011) como orações circunstanciais e por Lobo (2003; 2013) como orações finais de evento.

Lobo (2003; 2013) subdivide ainda as orações adverbiais em (i) periféricas, orações que não podem ser c-comandadas por elementos na oração matriz, possuem menor ligação prosódica e estrutural com a matriz e tipicamente se encontram em posição inicial – quando em posição final, são destacadas da oração matriz; e (ii) integradas, orações que podem ser c-comandadas por elementos na oração matriz, possuem maior ligação prosódica e estrutural com a matriz e apresentam compatibilidade nos processos de focalização. A autora realiza alguns testes para diferenciar essas orações que foram apresentados neste capítulo, o que permitiu concluir que as orações de enunciação podem ser classificadas como orações periféricas, e as orações finais de evento, como integradas.

Os estudos apresentados neste capítulo visam contribuir (i) para a expansão da descrição apresentada por autores da Gramática Tradicional e (ii) para melhor compreensão do funcionamento das orações adverbiais. De forma mais geral, depreende-se que é necessário distinguirmos explicações sintáticas de explicações semântico-discursivas quando descrevemos orações, mas que essas análises devem ser relacionadas para que se obtenha um quadro descritivo mais completo. O próximo capítulo trata mais especificamente das orações adverbiais finais infinitivas de evento e das orações mirativas.

5 ORAÇÕES FINAIS DE EVENTO E ORAÇÕES MIRATIVAS

É objetivo central deste trabalho investigar e descrever as propriedades sintáticas das orações finais com foco nas orações finais infinitivas e nas orações mirativas no português do Brasil. Como visto na introdução desta dissertação, as orações mirativas se assemelham na forma às orações finais infinitivas introduzidas por “para”, mas possuem um sentido que não pode ser associado ao sentido de finalidade, expressando sobretudo uma atitude de surpresa, por vezes de ironia, por parte do falante. Assumimos o termo “mirativa” para essas orações com base na classificação proposta por Jędrzejowski (2018, 2019) para esse tipo de oração do alemão e do polonês.

Este capítulo visa assim à discussão das questões V e VI elencadas na introdução deste trabalho, quais sejam:

(V) As orações finais modificadoras de evento têm sempre o mesmo comportamento?

(VI) Há semelhanças sintáticas entre as orações mirativas e as orações finais tradicionais?

Iniciamos o capítulo com uma comparação em termos interpretativos entre as orações finais e as orações mirativas. Em seguida, discutiremos a estrutura das orações finais, mostrando que há pelo menos dois subtipos de orações subordinadas que denotam finalidade. As orações mirativas serão então comparadas às orações finais em termos estruturais.

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