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2. GÊNEROS TEXTUAIS EM MAR PARAGUAYO

2.2. Oralidade e Escrita

Neste ponto, podemos considerar que, além da fusão entre poesia e prosa e entre as culturas europeia, brasileira e paraguaia, existe outro tipo de fusão de culturas em Mar

paraguayo. Trata-se de uma apropriação dos gêneros massivos, que fazem com que se

estabeleça no romance uma hibridização cultural, resultante da mescla entre a alta cultura e a cultura popular. Esse processo de hibridização cultural se configura no romance, especialmente, diante da tensão, que perpassa todo o relato, entre a oralidade e a escrita. Nesse caso, a oralidade representa o popular, muitas vezes associado ao inculto, enquanto a escrita se insere no caráter erudito, simbolizando a alta cultura.

De acordo com Irlemar Chiampi, essa apropriação de gêneros massivos é característica do romance latino-americano escrito no período do pós-boom, ou seja, entre as décadas de 1970 a 1990. Até então, a cultura de massas era de certa forma excluída, numa nítida separação entre o culto e o popular. No entanto, não se trata apenas de utilizar a cultura popular como simples tema ou desculpa para uma forçada hibridização cultural e sim da utilização do que antes era considerado como “lixo”, que deveria, portanto, ser descartado da alta cultura como fonte primária para a compreensão da natureza das personagens e do próprio discurso:

O lixo cultural, cuja presença a cultura hegemônica foi tolerando na época moderna desde que se mantivesse em territórios bem definidos – onde o contágio não ameaçasse a pureza das expressões culturais genuínas e nobre, as do Folclore e da Arte, o popular e o erudito –, parece experimentar dias de glória que transcendem sua condição de resíduo. Reciclado por narradores pertencentes ao cânone literário, seu reaproveitamento e refuncionalização em obras prestigiadas lhe outorga um novo status dentro da cultura pós-moderna da América Latina [...] (CHIAMPI, 1996, p. 76). Isso quer dizer, na verdade, que os “gêneros espúrios invadiram a seara da alta literatura” (CHIAMPI, 1996, p.75). Como exemplo disso, a autora cita o romance Boquitas pintadas, publicado em 1969 por Manuel Puig, um romance “[...] povoado de lances melodramáticos e oferecida em “entregas” ao leitor, como um flhetim, cada uma delas epigrafada com versos de tango” (CHIAMPI, 1996, p.75). Destacamos, neste ponto, o melodrama, termo utilizado por Heloísa Buarque de Hollanda em um dos primeiros textos críticos sobre Mar paraguayo, publicado na aba da primeira edição do livro. No breve comentário sobre a obra, a autora já de antemão destaca a fusão entre a cultura popular e a dita alta cultura na narração da “marafona del balneário”:

De início, desconcertante pelo mix linguístico – guarani y castejanos, afros duros brasileños –, mix de melodrama barato e stream of counsciousness, mix feminino (?) borrado de rouge e batom e de um sinistro fascínio por clones de la Sônia Braga e Nossa Senhora das Dores (BUARQUE DE HOLLANDA, 1992, aba).

Em meio ao trânsito entre as línguas de que já tratamos anteriormente, Heloísa Buarque de Hollanda destaca, pelo menos quatro elementos aparentemente contraditórios e que em Mar

paraguayo se encarregam de proporcionar a mescla entre o popular e o culto, entre o sagrado e

o profano. Consideremos, primeiramente, o “mix de melodrama barato e stream of counsciousness”. No caso, temos o melodrama que, por extensão de sentido, se refere a “obra ou situação romanesca, dramática que, pelo exagero, esp. na expressão dos sentimentos, se apresenta como ridícula, grotesca; drama lacrimoso, drama sentimental, dramalhão” (HOUAISS, 2001), além de tudo, esse melodrama é caracterizado como “barato”, o que representa a cultura popular, aquilo que não faz parte do cânone, mas que representa o gosto de uma grande parte de pessoas, da cultura de massa.

A associação ao melodrama, se deve, sobretudo, ao teor de confidência que caracteriza a narração da “marafona del balneário”. Por ser uma narração em primeira pessoa cujo principal objetivo talvez seja convencimento do leitor/ouvinte da inocência da protagonista narradora, alguns trechos são marcados pela forte presença da subjetividade e do exagero:

No, no lo matê porque su vida se entranhava en la mia. No, fue la suerte, ya lo disse. Mi suerte advinadora de la esfera, bólide y cristal: antes de todo yo lo via más muerto que la muerte.

[...]

Mi cuerpo que engordo por non salir de esta sala oscura onde traço el destino, melhor el dele, o deste hombre que mis manos acabaram de assessinar suavemente – con una disposición de cisne y sabre. Ô era el que acabava de morir? (BUENO, 1992, p. 16). Nesse trecho, a “marafona del balneário” inicia suas considerações sobre a morte do

viejo, personagem que lhe inspira ao mesmo tempo os sentimentos de amor e ódio, afirmando

que ela não foi a responsável pela morte e aponta uma justificativa repleta de drama e sentimentalismo: o fato de que sua vida se encontrava de tal forma atrelada à do viejo, como se os dois fossem um só. Nos parágrafos seguintes, ela relata sobre sua chegada à Guaratuba e sua identificação com o mar e, ao retomar a questão da morte do amante, considera que suas mãos puderam ter sido capazes de assassiná-lo, mas de uma forma suave. Por fim, encerra o parágrafo retomando novamente a dúvida, com o ponto de interrogação questionando se a morte do viejo não pudesse ter sido em função de um assassinato e sim por causas naturais.

De acordo com Irlemar Chiampi, conforme veremos adiante, o romance sentimental, as histórias de detetive e os filmes policiais são alguns dos gêneros massivos que “o povo consome e a elite abomina” (CHIAMPI, 1996, p.75), apropriados pela ficção latino-americana. Então, em Mar paraguayo, não apenas o tom melodramático das confidências da “marafona del balneário”, mas também o caráter de suspense que rodeia toda a narrativa. Por outro lado, no que se refere ao stream of counsciousness, temos uma técnica narrativa consagrada. Trata-se de uma expressão em inglês que tem como correspondentes em português os termos monólogo interior e fluxo de consciência. Em seu Dicionário de Teoria da Narrativa, Carlos Reis e Ana Cristina Lopes definem o monólogo interior como uma técnica que “[...] exprime sempre o discurso mental, não pronunciado das personagens”, ou seja, “um discurso sem ouvinte, cuja enunciação acompanha as ideias e as imagens que se desenrolam no fluxo de consciência das personagens (REIS & LOPES, 1988, p. 266 e 267).

O livro Les lauries sont Coupés, publicado em 1887 por Edouard Dujardin é apontado como o primeiro a utilizar o fluxo de consciência como recurso narrativo (LEITE, 1985, p. 68). Ao problematizar sobre a utilização do monólogo interior nos séculos XIX e XX, Tzvetan Todorov considera que

O artifício que consiste em apresentar a história através de suas projeções na consciência de um personagem será mais e mais utilizado no decorrer do século XIX, e depois de ter sido sistematizado por Henry James, tornar-se-á regra obrigatória no século XX (TODOROV, 1976, 240).

Sendo assim, por se tratar de um artifício considerado como obrigatório no século XX e tendo como representantes James Joyce, Wirgínia Woolf e Marcel Proust, por exemplo, o

stream of counsciousness, fluxo de consciência ou monólogo interior assume a posição de

técnica representativa de expoentes da literatura canônica universal. Na narração da “marafona del balneário”, o fluxo de consciência é constante. Desde a própria estruturação do livro, com mudanças bruscas e frequentes de assunto, até os trechos nos quais as faltas de articulação lógica e sintáticas demonstram que os enunciados são apresentados na ordem caótica e desconcertante do pensamento da narradora:

[...] la siesta me pone abrasado el útero profundo: el niño: súbita ñandu: puede que ponga su língua a lenta y me percorra: de los pies al cielo en luto donde vislumbro los rumores de la tempestade lunar: lábio premindo lábio: araña y grêlo: la dança de su boca: ñandu: el arpón de la aguja avança sobre la linha de la trenzada línea: antes del nudo los caprichos de la meada: ñandurenimbó: fuerzo su cabeza contra mi boca: borro-lhe batón: el borrador: borrar la linha: la siesta: mi grito: nunca olvidar el gemido que tuvo el niño antes de que todo y tudo se transformasse: [...] (BUENO, 1992, p. 47-48).

Em primeiro lugar, temos no trecho a divisão dos enunciados por “:”, fato que acentua a noção de que os acontecimentos se tratam de flashes de memória. A cada laçada de seu crochê/ñanduti, a narradora não parece se dirigir a ninguém e sim recordar ou desejar em sua mente os momentos de prazeres sexuais proporcionados pelo niño. Cada laço corresponde a uma imagem do mosaico da memória da “marafona del balneário”. Nessa perspectiva, a técnica narrativa de Mar paraguayo se equilibra em uma linha tênue entre o culto e o popular. O tom de confidência do relato da protagonista, o fluxo de consciência e a oralidade de seu discurso fazem com que, ao mesmo tempo, se aproxime dos romances melodramático que fazem o gosto de um grande público e, devido à manipulação artística e o cuidado com a linguagem, se caracterize como um participante da tradição literária que tem em James Joyce e Clarice Lispector representantes canônicos.

Além disso, temos no romance a fusão entre as imagens de Sônia Braga, atriz brasileira reconhecida nacional e internacionalmente por sua beleza e sensualidade, e Nossa Senhora das Dores, que representa o oposto da atriz, como símbolo da santidade, do sofrimento e da abnegação. Representa as sete dores de Maria em relação ao seu filho Jesus. O interessante é que em sua auto-caracterização, a “marafona del balneário” se considera como “[...] señora de las dores, borrada de rouge e batom” (BUENO, 1992, p. 26), mesclando a imagem da santa à sua face desfigurada, pitoresca e cubista, num misto entre o sagrado e o profano, já anunciado pela associação à atriz Sônia Braga.

A santa aparece também na cabeceira da cama, “[...] la santa imagen de Nuestra Señora” (BUENO, 1992, p. 38) e em uma outra caracterização da protagonista narradora como uma “santa senhora” (BUENO, 1992, p. 34). Sônia Braga, por outro lado, é mencionada especialmente nos momentos de exacerbação dos desejos sexuais da narradora, ou nos momentos em que se senta para assistir televisão todas as noites:

A la noche tengo mi trabajo: no que me enamore, no, non es esto, lo que digo es todo um labirinto de aranhas que van tecendo en las quinas de la casa, mientras me perco frente al televisor assistindo a la novela de Sônia Braga – sus ancas que me ponen en arrepios toda la vez que aparecen en el vídeo como se fuera la derradeira disposición de una vida, mi vida, la vida – de viés (BUENO, 1992, p. 17).

A atriz representa, então, a beleza, a sensualidade e a distração oposta à fé e à devoção por Nossa Senhora. São duas figuras femininas que se equilibram no universo caótico da “marafona del balneário”. Além disso, a referência à Sônia Braga, ao lado da exageração do ruge e do batom, juntamente com outros elementos como a telenovela, a própria Sônia Braga, a canção e o bolero, aparece, também, o elemento brega, que convive no romance com associações a Homero, Camões, Guimarães Rosa, por exemplo. O que faz Wilson Bueno em

Mar paraguayo é exatamente reutilizar os gêneros massivos, que convivem com tópicos da

literatura que se apresentam como representantes do cânone universal. Esse processo de reutilização é visto por Irlemar Chiampi como uma tendência da ficção latino-americana do pós-boom:

Desde então, a ficção latino-americana vem desenvolvendo uma bem sustentada apropriação dos gêneros que os meios massivos consagram, o povo consome e a elite abomina: foto e radionovela, zarzuela, romance sentimental ou “cor-de-rosa”, histórias de detetive, musicais, cinema B, filmes policiais; e o repertório inesgotável da música popular, em cujos subgêneros o Caribe é campeão: guaracha, bolero, danzón, rumba, cumbia, salsa... (CHIAMPI, 1996, p. 75).

Nesse caso, uma das apropriações dos gêneros massivos em Mar paraguayo se dá através da música popular, especialmente a caribenha, como o bolero e a rumba. Em dois pontos específicos do romance, a narradora de certa forma canta dois trechos de música que representam esses estilos populares. Na primeira delas, em “[...] me aperta acá en el lado esquerdo una lúgubre canción hecha de remorso, lo podrido veneno de la saudade y me pega, por todo el cuerpo, unas ganas de matar ô de morir. Quiçás, quiçás, quiçás [...]” (BUENO, 1992, p. 58), a repetição “quiçás”, faz parte de um trecho de um famoso bolero. Na segunda delas, em “[...] no sei, sinceramente no sei, se le assassinaram mis manos ô fue la vida mismo que lo mato de chofre, súbita golpeada en su corazón flagíl, corazón de melón, melón, melón [...]” (BUENO, 1992, p. 27), o termo “corazón de melón” faz parte do estribilho de uma também famosa rumba cubana.

Sobre a apropriação do bolero, como ritmo popular na narrativa latino-americana contemporânea, Irlemar Chiampi considera:

[...] Isentos dos subcódigos da emissão e da recepção que a matéria “cantada” supõe, os versos bolerescos funcionam como filosofemas que pontuam as conexões dos relatos, para sugerir significados nobres e engrandecer as paixões, tornando a sedução e a perdição pela sensualidade verdadeiros movimentos anímicos que transcendem a mera carnalidade (CHIAMPI, 1996, p. 80).

Assim, o bolero não aparece apenas como um tema, mas como uma referência cultural (CHIAMPI, 1996, p. 76). No momento de expressar o amor, a sensualidade ou a perdição, os clássicos filosóficos ou artísticos são substituídos pelas letras da música popular, uma vez que estas se encontram enraizadas na mente das personagens. Há, portanto, na narração da “marafona del balneário” uma mescla do culto e do popular: em alguns pontos, ao refletir sobre seu discurso, associando-o ao ñanduti, traz à tona a tradição da renda, com personagens como Penélope de Homero, ou ao refletir sobre as contrariedades do amor, faz referência a Camões; em outros pontos, como nos casos citados, ao descrever o remorso, a saudade ou a decadência física e moral do viejo, ela o faz utilizando-se de referências da tradição popular. Nesse sentido, nesse romance de Wilson Bueno, as vozes do culto e do popular se sobrepõem, mesclam-se e dão voz e sentido às confissões de sua narradora.

Em um determinado ponto da narrativa, podemos analisar claramente essa sobreposição de vozes da cultura popular e da dita alta cultura: “[...] La vida – causticante y feroz. Unos dias, tango; outros, puro bolero-canción” (BUENO, 1992, p. 32). Ao refletir sobre sua vida, a presença marcante do viejo, as razões e particularidades de sua existência, a narradora manifesta seus altos e baixos expressando-os através das metáforas do tango e do bolero, visto como elementos opostos: um caracterizando os pontos altos ou bons, no caso o tango, e o outro, o bolero, os momentos baixos ou ruins.

Essas metáforas, por sua vez, podem remeter não apenas às inconstâncias da narradora, entre o que é bom ou ruim em sua vida, mas, sobretudo, também podem ser entendidas como elementos chave para a fusão, no relato de Mar paraguayo, entre a tradição e o popular. Isso porque, nesse contexto, o tango e o bolero, ritmos que se associam ao elemento popular, massivo. O tango, com sua coreografia complexa, mas híbrido em suas raízes – uma vez que de acordo com website “Portal do Tango”, sua origem obscura em alguns pontos, possui raízes nas danças dos bordéis e cabarés, sendo posteriormente aceito pela aristocracia torna-se símbolo da tradição argentina – aparece como uma metáfora para as citações, referências e alusões para as obras da tradição cultural ocidental, que também, em muitos casos, apresentam o elemento popular em suas origens.

É o que acontece, por exemplo, com a Sherazade das Mil e uma noites, que conta sua história como forma de entretenimento para escapar da morte, assim como também o faz a “marafona del balneário”. As grandes histórias dos clássicos universais, antes de passarem para a forma escrita, foram contadas por marinheiros baseados nas experiências de suas longas viagens ou por tecelões ou outros trabalhadores manuais, como forma de distração do trabalho (BENJAMIN, 1975, p. 69). Tal hibridismo entre o caráter oral e escrito também aparece como

constituição fundamental no entendimento de Mar paraguayo, num misto entre o culto e o popular. O romance, apesar de ser materializado na escrita, possui a oralidade como elemento caracterizador de sua intenção e configuração.

O conceito de hibridização cultural é definido por Néstor García Canclini a partir da exploração de três problemas fundamentais: “[...] a quebra e a mescla das coleções organizadas pelos sistemas culturais, a desterritorialização dos processos simbólicos e a expansão dos gêneros impuros”. (GARCÍA-CANCLINI, 2015, p. 284). Para ele, no cenário moderno já não há lugar para um agrupamento dos grupos culturais. As definições de culto e popular não podem ser tratadas como estanques, mas como resultantes de um entrecruzamento natural e constante. Uma amostra do multiculturalismo é apresentada por García Canclini através da convivência entre espanhol e inglês em grandes centros, especialmente nas fronteiras, dos Estados Unidos ou do México:

O caráter multicultural da cidade se expressa no uso do espanhol, do inglês, e também nas línguas indígenas faladas nos bairros e nas montadoras ou entre aqueles que vendem artesanato no centro. Essa pluralidade se reduz quando passamos das interações privadas às linguagens públicas, as do rádio, da televisão e da publicidade urbana, em que o inglês e o espanhol predominam e “coexistem naturalmente” (GARCÍA CANCLINI, 2015, p. 320).

Mar paraguayo também mostra o hibridismo linguístico como marca desse

multiculturalismo em sua configuração textual. Sua linguagem é elaborada nos limites dos idiomas e do labor artístico, mas, ao mesmo tempo, representa o erro, especialmente no que se refere aos pressupostos gramaticais da norma padrão do português, língua oficial do Brasil, país em que foi publicada a primeira edição, e também apresenta desconformidades com o espanhol escrito da Argentina, Chile e México, países em que foram publicadas as outras edições. Na verdade, a escrita de Mar paraguayo não pode ser considerada em conformidade com a norma culta de nenhum idioma e por isso, pode ser associada ao inculto, ao erro, ao periférico.

Diante disso, podemos considerar que o fato de ter sua linguagem associada ao erro ou ao inculto, não pode fazer com que Mar paraguayo possa ser tratado como um inferior. Muito pelo contrário, uma vez que, para Irlemar Chiampi:

O trabalho de apropriação dos gêneros massivos não supõe o abandono da expressão erudita ou “alta” e muito menos da experimentação formal; não se trata tampouco de “rebaixar” a sua proposta estética, na tentativa de conquistar o consumidor desses gêneros para a leitura da obra literária. Os romances do postboom têm a prosa tão elaborada quanto a dos seus congêneres modernos e suas narrativas têm estruturas tão complexas quanto as do boom. (CHIAMPI, 1996, p. 77).

Trata-se de uma linguagem elaborada – a mescla entre os idiomas, a utilização do guarani, dos mitos indígenas, as citações da alta cultura –, que, ao lado da complexidade filosófica de sua temática, pode ser uma das responsáveis pelo distanciamento dessa obra do círculo de leitores da cultura massiva, mais fácil no que se refere à linguagem e aos temas, e atrair o gosto de um público seleto. Para Antônio Roberto Esteves, existe uma ausência de fronteiras na linguagem de Mar paraguayo, que se estabelece no hibridismo dos gêneros literários, da poesia e da prosa, do culto e do popular, da oralidade e da escrita:

Así, en la frontera de los géneros literarios tradicionales, mezclando lo lírico, la narrativa y el ensayo, se teje el relato de Wilson Bueno. Se mezclan también registros lingüísticos y discursivos, la lengua culta y literaria se entrecruza con el lenguaje popular, lo escrito se amalgama con lo oral y con la representación escrita de lo oral. Aprovechándose de que la ligereza de la zona fronteriza la hace muy sensible a los vientos, como una puerta de vaivén que nunca está totalmente abierta o totalmente cerrada [...] (ESTEVES, 2005, p. 7)37.

Sendo assim, em Mar paraguayo o discurso da “marafona del balneário” é marcado pelo erro, pelo híbrido e pelo elemento brega, sendo que a alta cultura se encontra presente no recurso narrativo do monólogo interior, nas referências a Penélope, Sherazade e nas intertextualidades com Guimarães Rosa e outros escritores canônicos, as quais veremos detalhadamente mais adiante neste trabalho. A apropriação dos gêneros que podem em um

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