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Analisaremos as soluções no direito alemão230 pela clara influência que este deteve, e ainda detém, no direito processual penal português.

No direito alemão existe uma categoria autónoma de meio de obtenção de prova denominado de “intrusões corporais”, pelo artigo §81 da Strafprozessordnung. Anterior a 1997, a doutrina questionava-se se o artigo §81 consistia numa habilitação legal suficiente para a utilização de testes genéticos no processo penal ou se apenas englobavam as diligências correntemente usadas pelos tribunais alemães ao tempo mas, com a aprovação da Strafverfahrensänderungsgesetz dna-analyse (genetisher Fingerabdruck), de 17 de

229 BERISTAIN, Arantza Libano, “La práctica del análisis …”, op. cit., Pág. 219;

88 março, que permitiu o acrescento dos §81e §81f ao artigo, a questão ficou pacificada, permitindo concluir pela habilitação legal suficiente para o recurso aos testes genéticos com fins de identificação criminal.

Portanto, em primeiro lugar, cabe referir que não existe no ordenamento jurídico alemão a discussão se os testes genéticos, na complexidade do conjunto de atos que englobam, configuram um exame para obtenção de prova ou um meio pericial de prova (discussão que verificámos no caso português), sendo englobados numa categoria autónoma dentro dos meios de obtenção de prova no código processual penal alemão. É preciso salientar que, nesta categoria, para além dos testes genéticos, estão incluídos mais métodos de aquisição de prova que envolvem intrusões corporais na sua aplicação, como por exemplo, a realização de meras investigações corporais, raios X, eletrocardiogramas, recolhas de sangue, punções lombares, entre outros. E que a diligência de análise do ADN não é subsidiária em relação a outros métodos de investigação analíticos, sendo admissível a aplicação do método mesmo quando não estejam esgotados todos os outros métodos231.

Dentro desta categoria de “intrusões corporais”, englobam-se tanto os métodos Körperliche Untersuchung – meras investigações corporais, inofensivas para a saúde – e Köperlicher Eingriffe – intervenções corporais que já podem representar risco para a integridade física e que têm de ser realizadas por um profissional de saúde e num estabelecimento adequado.

Em mera referência, a habilitação legal para a recolha coativa de material genético para identificação de suspeito/arguido provém da conjugação dos artigos §§ 81a, 81e e 81f StPO. A alínea a) do §81 é relativa às “intrusões corporais” no arguido, com a finalidade de constatação de factos significativos ao processo, que dispensa o consentimento do arguido, mesmo no caso das intervenções corporais, desde que não provoque perigo para a saúde deste – artigo este que, ainda hoje, merece ataques na sua constitucionalidade pela doutrina alemã232. Esta execução forçada tem de ser, pela mesma alínea, ordenada pelo juiz, no entanto, o MP pode ordenar nos casos urgentes, sem controlo judicial posterior. Pelo §81e é permitido que, com o material obtido pela alínea a), se realizem análises genéticas, caso

231 ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA, DILP, Utilização de ADN em Investigação Criminal – Legislação,

Lisboa, Coleção TEMAS: n.º 54, 2014, Disponível em: http://app.parlamento.pt/upload/Comunicar/Anexos/2015/N2/ADN.pdf, pág. 15;

89 hajam vestígios materiais a identificar (provenientes do suposto criminoso não identificado, do corpo ou vestuário da vítima ou encontrados ou apreendidos) e, pelo §81f , que apenas o juiz pode legitimamente ordenar essa análise genética para comparação de perfis genéticos com fins de identificação.

Agora com mais relevo, a habilitação legal para a recolha coativa de material genético para identificação da vítima provém da conjugação dos artigos §§ 81c, 81e e 81f. A alínea c) do §81 é relativo às “intrusões corporais” em pessoas distintas do arguido, no entanto, limitam subjetivamente o âmbito de aplicação das medidas permitidas, isto é, a pessoa distinta do arguido que pode ser submetida a estes meios de aquisição de prova tem de preencher dois critérios: Zeugengrundsatz – a pessoa tem de ser testemunha no processo – e Spurengrundstaz – tem de ser portadora de vestígios ou consequências do crime, algo que contribua para a investigação do crime. Também há uma restrição no que toca ao âmbito de medidas admitidas, não permitindo todos os métodos que para o arguido se admitiam, isto é, são permitidas todas as medidas Körperliche Untersuchung – só examinados na superfície corporal e orifícios naturais – e, das intervenções corporais, apenas os exames necessários para investigação da filiação ou colheitas de sangue. Ainda pela mesma alínea, se houver uma recusa persistente da vítima, o juiz pode ordenar a aplicação da medida com recurso à força física, mas apenas relativamente à colheita de amostras de sangue (o que configura uma amostra biológica da própria). Pelo §81e, novamente, é permitido que, com o material obtido agora pela alínea c), se realizem análises genéticas, caso hajam vestígios materiais a identificar (provenientes do suposto criminoso não identificado, do corpo ou vestuário da vítima ou encontrados ou apreendidos) e, pelo §81f , que apenas o juiz pode legitimamente ordenar essa análise genética para comparação de perfis genéticos com fins de identificação. Portanto, podemos concluir que, a recolha da amostra biológica da própria, pode apenas ser forçada nos casos de colheita de sangue e se o juiz o ordenar.

Desde 2005, são permitidas as recolhas “em massa” de amostras biológicas para a determinação dos perfis genéticos de comunidades inteiras, para se descobrir os agentes de crimes violentos, como último recurso de investigação233, quando não tenha sido possível identificar o agente, mas em que se suspeita que possa provir de uma determinada região. A participação nestas recolhas em massa é, aparentemente, voluntária. No entanto, a recusa de

90 participação funciona como suspeita e fundamenta a recolha coativa, pelo artigo §81g da StPO. Portanto, conseguimos concluir que “são cada vez mais implicadas pessoas que nem são suspeitas, nem são relacionadas com os factos”234, indo para lá da recolha coativa na vítima, que não é um suspeito mas, pelo menos, está imensamente relacionada com os factos.