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A Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17/4: a concretização do direito à aquisição da cidadania portuguesa fundada na residência

No documento Contencioso da Nacionalidade (páginas 175-178)

Anexo III – Página de rosto de uma obra trilingue em hebraico e ladino

III. A Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17/4: a concretização do direito à aquisição da cidadania portuguesa fundada na residência

10. A concretização do direito fundamental à nacionalidade portuguesa dos estrangeiros com uma ligação efetiva à comunidade nacional, porque aqui nasceram ou porque aqui residem e têm o centro da sua vida, foi o motor da reforma do Direito da Nacionalidade operada pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17/435, que introduziu várias modificações profundas em sede de nacionalidade originária36 e derivada.

Pela importância que reveste para o acórdão em anotação, destaco a alteração radical do regime jurídico da aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização

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“Anotação ao artigo 26.º da CRP”, cit., p. 628. No mesmo sentido,

JORGE MIRANDA, “Anotação ao artigo 4.º da CRP”, cit., p. 127; JORGE PEREIRA DA SILVA, Direitos de

Cidadania e Direito à Cidadania, cit., pp. 100, 101 e 139 e seg.

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Direitos de Cidadania e Direito à Cidadania, cit., p. 100. Neste sentido, também ANA RITA GIL, “Princípios

de Direito da nacionalidade – sua consagração no ordenamento jurídico português”, cit., p. 756.

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Esta Lei Orgânica resultou da discussão conjunta da proposta de lei n.º 32/X (Governo) e dos projetos de

lei n.º 18/X (BE), 31/X (PEV), 40/X (PCP), 170/X (PSD) e 173/X (CDS-PP) e foi aprovada com ampla maioria parlamentar (145 votos a favor dos deputados do PS, PSD, PCP e PEV; 18 abstenções dos deputados do CDS- PP, BE e 3 deputados do PSD e 1 voto contra de um deputado do PS).

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Neste domínio, destaca-se a consagração, no art. 1.º, n.º 1, alínea d), da LN, do princípio do duplo ius soli,

que atribui a nacionalidade originária por mero efeito da lei aos filhos de estrangeiros nascidos em Portugal, quando o progenitor também aqui tiver nascido e resida ao tempo do nascimento, como corolário do direito fundamental à nacionalidade portuguesa dos estrangeiros que têm com Portugal a sua única conexão relevante. Invocando uma eventual inconstitucionalidade por omissão, esta solução era defendida, de jure condendo, por JORGE PEREIRA DA SILVA, Direitos de Cidadania e Direito à Cidadania, cit., p. 107.

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Doutrina

(tradicionalmente concebida como um poder discricionário do Governo), que passou a ser, nos casos previstos nos n.ºs 1 a 4, do art. 6.º, da LN, um verdadeiro direito subjetivo37.

11. Em especial, o n.º 1, do art. 6.º, da LN, cuja interpretação é objeto do acórdão em anotação, prevê o direito dos estrangeiros a adquirirem a nacionalidade portuguesa em virtude da sua residência no território nacional38, sempre que preenchidos cumulativamente

quatro requisitos:a)

a) “Serem maiores ou emancipados à face da lei portuguesa;

b) Residirem legalmente no território português há pelo menos seis anos; c) Conhecerem suficientemente a língua portuguesa;

d) Não terem sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa”.

A alteração da redação deste n.º 1, de “o Governo pode conceder”, para “o Governo concede”, não levanta dúvidas sobre a intenção do legislador em alterar a natureza jurídica do ato de naturalização, que deixou de ser um ato discricionário constitutivo da aquisição derivada da nacionalidade, para passar a ser um ato vinculado.

Os estrangeiros que preencham os requisitos legais passaram a ter um direito subjetivo à aquisição da nacionalidade portuguesa, concretizando, assim, o direito fundamental dos estrangeiros residentes à cidadania portuguesa, na aceção do n.º 1, do art. 26.º, da CRP39.

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Assim, RUI MANUEL MOURA RAMOS, “A renovação do Direito Português da Nacionalidade pela Lei

Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril”, in R. M. MOURA RAMOS, Estudos de Direito Português da

Nacionalidade, Coimbra Editora, 2013, p. 541; ANA RITA GIL, “Princípios de Direito da nacionalidade – sua

consagração no ordenamento jurídico português”, cit., p. 757.

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Solução que era defendida, de lege ferenda, por JORGE PEREIRA DA SILVA, Direitos de Cidadania e Direito à Cidadania, cit., p. 124, embora considerando que este caso se deveria distinguir da naturalização proprio

sensu (como ato político de natureza discricionária através do qual se agracia um estrangeiro com a nacionalidade portuguesa). Também o projeto de lei n.º 170/X, apresentado pelo PSD, propunha a distinção entre aquisição da nacionalidade por residência e por naturalização, reconhecendo na primeira situação um direito à nacionalidade em virtude da residência em território nacional e reservando a naturalização, entendida como ato discricionário do Governo, para situações de indivíduos fora dos quadros em que a nacionalidade corresponde a um verdadeiro direito fundamental. Cfr. MARIA IOANNIS BAGANHA/CONSTANÇA URBANO DE SOUSA, “Country Report: Portugal”, in R. BAUBOCK (et al.), Acquisition

and Loss of Nationality, vol. 2, Country Analyses, Amsterdam University Press, 2006, p. 470.

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Neste sentido, RUI MANUEL MOURA RAMOS, “A renovação do Direito Português da Nacionalidade pela

12. Não tenho dificuldade em afirmar que a residência legal há pelo menos 6 anos e o conhecimento da língua portuguesa são os fatores de ligação efetiva que o legislador considera como fundadores do direito à nacionalidade de um estrangeiro maior.

A ausência de condenação por crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos (requisito que substituiu a anterior condição de “idoneidade cívica”) funciona como uma restrição ao exercício deste direito, compreensível à luz do interesse público “de defesa da sociedade em relação a elementos que se afigure que sejam potencialmente portadores da insegurança colectiva40”. Também é esta a função que desempenha no instituto da oposição [alínea b), do art. 9.º, da LN], quebrando, assim, a automaticidade da aquisição da nacionalidade derivada por mero efeito da vontade ou da adoção.

13. Em relação ao requisito legal em análise, podemos questionar se constitui uma “restrição legal” na aceção dos n.ºs 2 e 3, do art. 18.º, da CRP, um “limite imanente” ou uma delimitação legal do conteúdo material do direito fundamental à cidadania portuguesa, consagrado no n.º 1, do art. 26.º, da CRP.

Independentemente da resposta que possa ser dada a esta questão, e mesmo que se assuma que estamos perante uma disposição legal conformadora deste direito fundamental (e não perante uma restrição legal propriamente dita), sempre se pode defender que lhe são aplicáveis os parâmetros materiais constitutivos do princípio do carácter restritivo das limitações a direitos, liberdades e garantias, em especial o princípio da proporcionalidade e a intangibilidade do conteúdo essencial deste direito, ou a garantia de um mínimo de conteúdo útil constitucionalmente relevante41.

14. E é à luz destes princípios que deve ser interpretada esta disposição legal.

Em primeira linha, pelos tribunais, que em virtude do princípio constitucional da vinculação das entidades públicas aos direitos, liberdades e garantias (n.º 1, do art. 18.º, da CRP) estão especialmente obrigados a decidir o caso em conformidade com aqueles preceitos constitucionais (e com a DUDH, por força do art. 16.º, da CRP), suprindo os défices do legislador e interpretando as normas legais que os concretizam “de modo a conferir aos direitos em causa a máxima eficácia possível”, “rejeitando como inconstitucionais os sentidos

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RUI MANUEL MOURA RAMOS, Do Direito Português da Nacionalidade, Coimbra Editora, 1992, p. 168.

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JORGE MIRANDA/JORGE PEREIRA DA SILVA, “Anotação ao artigo 18.º da CRP”, in JORGE MIRANDA/RUI

MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, cit., pp. 352 e 353. Ver também, J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, cit., p. 389.

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Doutrina

desconformes” e, no limite, desaplicando a disposição legal que viole o seu conteúdo essencial mínimo42.

15. Mas também a Administração não está isenta do dever de interpretar as disposições legais em conformidade com a Constituição, em observância ao princípio da constitucionalidade (n.º 2, do art. 3.º, da CRP) e à sua subordinação aos direitos, liberdades e garantias (n.º 1, do art. 18.º, da CRP)43.

É certo que é controvertida na doutrina a questão de saber se a vinculação da Administração ao princípio da legalidade em sentido estrito (n.º 2, do art. 266.º, da CRP) lhe permite desaplicar normas legais contrárias à Constituição. No entanto, a prevalência da subordinação à Constituição e ao princípio da justiça permite admitir que, em certos casos, não seja aceitável uma aplicação cega e injusta das disposições legais, e se possa reconhecer à Administração um poder de não aplicação quando estão em causa direitos insuscetíveis de suspensão mesmo em estado de sítio, como é o caso do direito à cidadania, consagrado no n.º 1, do art. 26.º, da CRP44.

IV. Uma aplicação constitucionalmente conforme da alínea d), do n.º 1, do art. 6.º,

No documento Contencioso da Nacionalidade (páginas 175-178)