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ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD) Private Health Insurance in OECD Countries OECD Health Working Papers,

64 47. EIBENSCHUTZ, C. (Org.) Política de Saúde: o público e o privado. 1995, Rio de Janeiro: FIOCRUZ. 312p.

65 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dois artigos apresentados, em conjunto, discutem as características da produção acadêmica sobre saúde suplementar no Brasil no período posterior à criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e à edição da legislação federal específica sobre planos e seguros de saúde. Trata-se, portanto, de uma investigação sobre o que se produz no universo acadêmico, na forma de artigos, teses de doutorado e dissertações de mestrado com a marca do descritor “saúde suplementar”.

A primeira constatação é que existe, de fato, um quantitativo importante de textos ligados a esse descritor e que vem ocorrendo um aumento contínuo no número de publicações ao longo do período estudado. Esse fato pode ser entendido também como um indicador de que a prática do comércio de planos de saúde, como fenômeno social, cresce e adquire relevância.

O que se constata em seguida é que existe um claro viés no conjunto dessa produção, onde prevalece uma visão pragmática que naturaliza a existência de tal volume de comércio e não assume uma visão crítica que possibilite discutir os determinantes dessa situação. São textos especializados, por exemplo, nas áreas de administração de empresas, economia e direito comercial que instruem gestores de empresas de planos de saúde no trato das questões do universo da assistência à saúde, tomado como um mercado de compra e venda de serviços.

Podemos dizer que existe, também, uma relação de analogia entre as características de conteúdo do material analisado e a visão de zeladoria de mercado praticada pela agência reguladora desde a sua criação em 2000, ou seja, são duas faces da mesma moeda: aquela que se usa para comprar serviços de saúde. Esse achado, entretanto, embora útil para entender a tônica do material é, na verdade, uma simplificação formulada como uma primeira aproximação.

É possível identificar uma enorme variedade de abordagens interessantes e, em especial, destacar um nicho onde subsiste uma discussão que assume um caráter crítico sobre a expansão de práticas comerciais na prestação de serviços de relevância pública como a saúde.

66 Esse outro achado merece destaque porque se refere a uma vertente da discussão maior sobre a articulação entre as dimensões pública e privada na assistência à saúde e remete a uma base de referências, hoje clássicas, ligadas à Medicina Social e à Reforma Sanitária Brasileira.

Assim, o segundo artigo se detém na análise do conteúdo de uma amostra de textos que, explicitamente, tratam da articulação entre o público e o privado na assistência para entender de que forma se dá esta discussão, quais são suas referências, seus conceitos e argumentos.

No ano 2000, já era possível vislumbrar a contradição essencial relacionada com a necessidade de regulação estatal da dinâmica de compra e venda de planos de saúde. A solução encontrada, então, envolvia o risco de perda do sentido original de unidade do sistema ao deslocar essa tarefa para uma instância que não dialoga com seus diversos níveis de gestão, a ANS. Em 2010, se aponta que a tendência à expansão ilimitada desse comércio se configura na primeira e principal falha na regulação, porque ameaça subverter o princípio da saúde como direito de cidadania. Regular de verdade aqui seria, em outras palavras, deter, estabelecer limites ao processo de apropriação privada do espaço público na assistência à saúde de forma que se atenha aos aspectos de fato suplementares a um sistema integral e efetivo.

Assim, no que se refere à literatura acadêmica, é possível dizer que reflete ou mimetiza a realidade da prática regulatória. Nesse sentido, na perspectiva da saúde como direito de cidadania, impõe-se a crítica ao fenômeno.

A criação da ANS instituiu uma retórica que toma sua legitimidade de empréstimo ao Sistema Único de Saúde (SUS). Quando, no final dos anos 1990, agentes do mercado cunharam a expressão “assistência suplementar em saúde” para designar a parcela do setor privado de saúde que operava de modo exógeno às relações contratuais com o sistema público, ficava implícito que não poderia haver conflito entre a gestão do SUS e um elemento que lhe é suplementar. Parece, então, não ser possível vislumbrar nenhuma contradição, no plano do discurso, entre o SUS e a assistência suplementar.

67 Entretanto, ao percorrermos o conjunto das publicações, em busca da sinonímia utilizada com referência à denominação oficial, encontramos 29 diferentes expressões, algumas contraditórias entre si. Da mesma forma, ao percorrermos o conteúdo da amostra de textos relacionados com a articulação entre o público e o privado na saúde, observamos que muitos autores consideram a expansão da oferta de planos de saúde como elemento contraditório e concorrencial ao princípio da saúde como direito de cidadania representado pelo SUS.

Não faltam, portanto, contradições, nem nebulosidades na construção do objeto “saúde suplementar”. O que se observa, no universo da literatura acadêmica, é o reflexo do que se observa de forma empírica na regulação da assistência à saúde e, ao mesmo tempo, a reafirmação de uma matriz discursiva pautada na dissimulação.

Ao apontar tal fenômeno, procuramos demonstrar que o nicho de produção acadêmica de viés crítico possui elementos empíricos robustos e substrato teórico adequado para tratar da articulação entre o público e o privado na saúde suplementar, de forma a instruir a ação política comprometida com o princípio da saúde como direito de cidadania.

Assim, para concluir e melhor caracterizar o ponto de origem do trabalho representado por esses dois artigos, reafirmamos a disposição apontada no texto de apresentação de que a primeira opção política a fazer se refere à denominação do objeto com o qual desejamos nos relacionar. O Sistema Único de Saúde já encerra em sua denominação o conceito sobre o qual podemos construir uma prática política extensiva a vários outros níveis de atuação além da retórica. Entretanto, uma retórica coerente e extensiva é também, ela mesma, um poderoso instrumento de ação política no processo de construção de uma sociedade mais justa e democrática.

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