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É óbvio que (...) quanto mais constantemente as pessoas a serem inspecionadas estiverem sob a vista das pessoas que devem inspecioná-las, mais

perfeitamente o propósito do

estabelecimento terá sido alcançado. Jeremy Bentham

Neste capítulo discutimos o processo de organização do trabalho e do controle sobre o trabalhador da estatal. Enfatizamos também a emergência do controle eletrônico sobre o trabalho e a relação das metas com a intensificação do ritmo da atividade laboral. Tratamos, também, da resistência dos trabalhadores aos processos de manipulação da subjetividade presentes nas políticas de recursos humanos e que procuram construir a hegemonia empresarial sobre o universo do trabalho.

4.1. Organização e Controle no Processo de Trabalho

As agências são bastante representativas das mudanças ocorridas nos últimos anos, notadamente no período pós-1995 marcado pela adoção de políticas de redução do emprego, do qual o PDV é o marco principal, e que significaram, para além da intensificação do trabalho, a adoção de determinados padrões tanto de organização do trabalho quanto de gestão.

A implementação de programas de gestão de recursos humanos e a informatização das agências ocorridas a partir dos anos 1990 evidenciaram o esgotamento das formas disciplinares e de controle anteriores e a emergência de um novo modo, hoje hegemônico, de dominação no trabalho. Se antes a ênfase era dada na disciplina e hierarquia típicas do fordismo, verticalização hierárquica e no estatuto do trabalho fundado na “estabilidade” e na adoção de comportamentos e rituais de integração à empresa assentadas na idéia de desenvolvimento nacional, de nação,

nacionalismo47, agora, com as reformulações e propósitos guiados pela perspectiva do toyotismo, reduz a hierarquia intermediária – redução das chefias intermediárias – e intensifica a disciplinarização e controle do trabalho através da adoção de metas e da valorização da competição entre os trabalhadores do banco.

Em outros termos, enquanto a disciplina e o controle anteriores se pautavam por um discurso acerca da idéia de nação, “estabilidade”, mesmo que informal, e do desenvolvimento nacional, a partir das sucessivas reestruturações organizacionais postas em prática nos anos 1990 fica evidenciada a nova perspectiva fundada na noção de competição, concorrência, mercado, qualificação, competência. . Em certo sentido, as novas formas de controle e disciplina representam a tentativa de superação do discurso anterior e a emergência do ciclo disciplinar da época do toyotismo.

A dominação no trabalho passa a contar com outros mecanismos de convencimento e adesão. A gramática empresarial trás expressões reveladoras do novo estatuto disciplinar e de controle. Ao analisar a manipulação psicológica no trabalho, Heloani (2003) constata a existência de uma nova linguagem voltada para o estabelecimento da dominação e subordinação do trabalhador no universo da empresa. A virada organizacional da estatal retrata a nova perspectiva adotada no sentido de adaptar o trabalho e os trabalhadores aos novos mecanismos de organização, controle, disciplina e hierarquia no universo do trabalho bancário. As inovações tecnológicas e organizacionais reconfiguraram o ambiente e as relações de trabalho na empresa à medida que instaurou novo código de comportamento evidenciado pelo discurso da competência, da empregabilidade, da responsabilidade sócio-ambiental, do comprometimento e envolvimento com os objetivos do banco. Esta nova gramática do capital invadiu as dependências, os locais de trabalho, impondo um novo discurso, voltado para a lucratividade e a produtividade constante.

47 A ideologia do desenvolvimento nacional, recorrente ao longo do governo militar – 1964/1985 –

marcou decisivamente os rumos do banco. A instituição era vista como agente capaz de levar o progresso as mais distantes regiões do país. Nesse sentido, o trabalho na instituição era regulado tendo em vista a idéia de contribuir com o desenvolvimento da nação, com a perspectiva do nacionalismo, enfim com os propósitos da nação. Este projeto nacional sucumbe com o advento da ideologia neoliberal e, paulatinamente, é abandonada tendo em vista a conformação do consenso neoliberal fundado na noção de globalização, economia de mercado, flexibilização e reestruturação organizacional visando o crescimento da produtividade e do lucro. Em outros termos o banco se insere na nova conjuntura produtiva do capital transnacional. O trabalho durante a vigência da ideologia nacional-desenvolvimentista era fortemente regulado pela integração do trabalhador através do discurso da responsabilidade nacional e pela existência de “estabilidade” informal que garantia a permanência sem riscos na instituição. A reestruturação organizacional, fundada em princípios neoliberais rompe com esta forma de regular e disciplinar o trabalho e os trabalhadores instituindo a lógica do regime toyotista de acumulação do capital em vigor a partir dos anos 1970. Para o entendimento da idéia de nação e desenvolvimento nacional, confira Rodrigues (2004) e Benevides (2002).

Os estudos de Jinkings (1996, 2002), Rodrigues (2004), Benevides (2002), Pfeilsticker (2004) e Costa (1997), embora tenham perspectivas teórico-metodológicas distintas, apontam para as mudanças colocadas em prática ao longo dos anos 1990 e que redesenharam as formas de trabalho e de controle. Apontam também para o fato tanto das inovações tecnológicas quanto dos programas de recursos humanos e da reformulação organizacional instituírem formas de disciplinamento até então desconhecidas dos trabalhadores bancários.

Ao analisar as transformações do trabalho bancário nos anos 1990, Jinkings (2002) apresenta um panorama do que significou a reestruturação do capital e a automatização dos bancos em um contexto de reformas neoliberais. As mudanças no sistema financeiro e bancário acarretaram a redefinição das estratégias de atuação do capital no âmbito do trabalho e das formas de adequação ideológica dos trabalhadores aos novos mecanismos de controle, disciplina e de intensificação do trabalho.

O PDV possibilitou a ruptura do modelo anterior de controle e disciplina constituindo novas relações laborais à medida que impôs determinadas condições tanto de trabalho quanto de adesão e de comportamento. O bancário, que antes executava as atividades rotineiras no interior das dependências, passa a ser visto como vendedor de produtos e serviços financeiros se adequando à nova estrutura da concorrência no mercado financeiro e adotando novos discursos relativos à concorrência interna e externa. Concorrência interna entre funcionário na execução das atividades e atingimento das metas e concorrência externa, com outras instituições financeiras, no que diz respeito à ocupação de posição no ranking do setor.

Mais que um programa de ajustes - racionalização do trabalho, implantação de novos modelos de gestão, adequação ao mercado – o PDV representou a chegada de um novo ciclo disciplinar e de controle centrado na adoção de metas, avaliação de competências, pressão por resultados e controles eletrônicos sobre o trabalho. Enfim, significou a reviravolta organizacional e tecnológica no contexto da transnacionalização do capital. Conforme já chamaram atenção Schiller (2002) e Chesnais (1996), os grupos econômicos utilizaram de forma ostensiva o desenvolvimento de tecnologias que, aplicadas ao processo de trabalho e à gestão, contribuíram para a atuação das empresas em escala global.

As inovações tecnológicas, introdução de caixas eletrônicos e ampliação das operações financeiras nos terminais de auto-atendimento, redesenharam o lay-out das

(Jinkings, 2002), ocorreu também o processo de implantação de programas específicos visando adequar, através do treinamento e do convencimento, o trabalhador bancário aos propósitos da acumulação financeira.

Nesse sentido, surgiram o Programa de Desligamento Voluntário (PDV) em 1995, conhecido como Programa de Demissão Voluntária; o Programa de Adequação de Quadros (PAQ)-ainda em 1995; a Gestão de Desempenho Profissional (GDP) em 1998, posteriormente, a partir de 2005, a Gestão de Desempenho por Competências (GDC). (http://www44.bb.com.br/appbb/portal/bb/unv/linha.jsp). O PAQ foi o posto em vigor, logo após o traumático PDV, como política de continuidade das rupturas disciplinares iniciadas na metade da década de 1990. Dessa forma, representou a intensificação das demissões e das pressões pelo estabelecimento de novos padrões de trabalho e de comportamento do trabalhador. (Jinkings, 2002; Rodrigues, 2004). Ao longo dos anos 1990 e 2000, os outros programas foram sendo aplicados no sentido de instaurar o comportamento, a disciplina e o controle do trabalho almejado pela direção da empresa.

Portanto, a organização do trabalho na estatal e, especificamente no interior das agências, ganhou novos contornos. Assim, desde os postos de trabalho básicos até os mais complexos passaram por alterações. Alguns cargos e funções foram eliminados e outros readequados à base tecnológica instituída. As tecnologias de informação e da comunicação possibilitaram maior agilidade nos processos, na execução e no volume de operações financeiras realizadas nas agências e, consequentemente, no conjunto do banco. Dessa maneira, a organização do trabalho na estatal:

(...) foi sistematizada com o tempo. Ela não é complicada não. Você tem o administrador da agência, pode ser um ou dois. Vai depender da complexidade da agência, do nível da agência. Esses são os administradores e você tem a gerência média, que é constituída pelo gerente de expediente, gerente de contas. Eles fazem a intermediação entre a administração e o agrupamento de execução. Depois da gerência média, aí entra o agrupamento de execução que são os assistentes de negócios, os escriturários, os caixas executivos. (Ulisses. Gerente Regional Gestão de Pessoas. 12 anos de Banco).

A estrutura hierárquica e a organização do trabalho estão mais simplificadas em função das alterações tecnológicas e organizacionais. Simplificou determinadas atividades uma vez que ocorrera a incorporação e eliminação de cargos e funções. Nas agências do Banco do Brasil o trabalho é dividido em equipes. Existem as equipes que

são responsáveis pela execução de determinadas atividades e o trabalhador é estimulado a exercer uma atividade variada dentro da rotina do trabalho bancário. Assim, a coordenação do trabalho é concatenada de acordo com a estrutura hierárquica. Há o gestor, administrador da agência, dependendo do tamanho da dependência, existe o gerente de administração, a gerência média e o agrupamento de execução.

No agrupamento de execução está a maioria dos trabalhadores das agências da estatal financeira. Os escriturários, os assistentes e os caixas executivos. Sendo que os assistentes se dividem em diversas categorias: assistente de negócios, assistente de operações, assistente administrativo. O gestor, administrador da agência, é o responsável, perante a superintendência e a direção geral, pela execução das políticas do banco no que diz respeito à coordenação da execução das metas, dos controles estipulados pela direção, pela lucratividade e produtividade e em garantir o disciplinamento dos trabalhadores no local de trabalho.

Na hierarquia intermediária está a gerência média, basicamente composta de gerentes de contas e gerentes de expediente. O gerente de contas, normalmente, trabalha com um assistente de negócios que dá suporte e operacionaliza a parte negocial executada pelo gerente de contas. O gerente de expediente é o responsável pela “bateria” de caixas. Ele coordena as atividades realizadas pelos caixas executivos, além das questões administrativas e operacionais como falta de funcionário e serviço de auto- atendimento.

As novas tecnologias, junto com os programas de ajustes, reestruturaram a hierarquia redesenhando cargos e funções. A própria mudança no layout das agências afetou a forma como estavam organizadas as tarefas e a estrutura hierárquica. A instituição financeira tornou o gerente mais exposto aos clientes. De acordo com os entrevistados, antes o gerente ficava circunscrito a um espaço isolado e de difícil acesso tanto por parte do bancário quanto do cliente. Então, em termos de acesso, a nova organização do trabalho colocou a gerência média e os gestores das agências para trabalhar mais próximo dos clientes e dos próprios bancários.

Esta mudança física nas agências da estatal tornou o controle mais efetivo. Ao eliminar e/ou retirar divisórias, a administração da agência e os gerentes puderam efetivamente observar o trabalho dos bancários com maior eficiência. Eliminadas as barreiras físicas, a fiscalização da administração da agência sobre os gerentes e destes sobre o agrupamento de execução assumiu proporções antes desconhecidas no universo