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Organização curricular

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1.4 Gestão Curricular para a Formação de Professores

1.4.2 Organização curricular

Diante das concepções apontadas, cada uma delas pressupõe uma organização curricular que incide na estrutura e funcionamento da instituição, nos tempos e espaços, nos objetivos, nos conteúdos e nas experiências de formação que os futuros professores receberão durante o curso. SACRISTÁN (2000, p. 76) afirma que:

Agrupar objetivos e conteúdos sob um esquema de organização ou outro tem conseqüências muito decisivas para a elaboração de materiais, que são os que realmente desenvolverão os conteúdos curriculares para a formação, a seleção e a organização do professorado, para que o professor sinta de forma distinta o conceito de especialidade a que ele se dedica, para a própria concepção do que é competência profissional nos professores, o exercício dessa competência e o tipo de experiência que os alunos podem obter num caso ou noutro. Por isso, consideramos que a forma de organização dos conteúdos é parte constitutiva do próprio currículo e um de seus códigos mais decisivos.

De acordo com GARCIA (1999) a gestão do currículo, no âmbito da configuração disciplinar, pode se organizar de três formas distintas: 1º) currículo integrado – que é centrado na situação; 2º) currículo colaborativo que se volta para o processo, e; 3º) o currículo segmentado, que se organiza por disciplinas. Entretanto, encontram-se também, classificações um pouco mais simplificadas tais como: organização disciplinar e globalizada (PACHECO, 2000), ou ainda a organização do tipo collection e o currículo integrado (BERNSTEIN, apud SACRISTÁN, 2000).

De acordo com SACRISTÁN (2000), o currículo segmentado organiza-se por meio dos princípios de racionalização característicos dos modelos de gestão do tipo taylorista. Nele, a fragmentação não ocorre somente por meio da divisão entre as disciplinas, mas também pela separação entre os objetivos a serem alcançados em cada uma destas. Com isso, a visão de totalidade e a conexão dos saberes frente ao conhecimento proveniente das experiências individuais e coletivas de cada aluno são postas de lado, em detrimento do domínio dos conhecimentos apresentados por cada disciplina. Essa forma organizacional de currículo, também chamado disciplinar por PACHECO (2000) e de Collection por BERNSTEIN (2000) sempre esteve presente nos cursos de formação de professores no Brasil.

PACHECO (2000) admite que há de se reconhecer que a organização do conhecimento por disciplinas apresenta aspectos positivos tais como: “[...] aumenta a qualidade do ensino, evita a superficialidade do que se aprende, cada disciplina tem os seus próprios conceitos e modos de perspectiva o saber” (PACHECO, 2000, p. 26). Não obstante, apresenta também inúmeros aspectos negativos, uma vez que o professor disciplinar se nega reconhecer a indiscutível interdisciplinaridade dos conteúdos dos cursos.

Em uma organização curricular segmentada não há a preocupação com as relações entre conhecimento e contexto sociocultural da comunidade escolar. Além disso, o desenvolvimento de um projeto pedagógico que se tenha como princípio a formação integral do aluno abrangendo as dimensões afetivas, morais, éticas, política, social, dentre outras não é valorizado pelos professores responsáveis pela aplicação do conteúdo de cada uma das disciplinas. No currículo organizado por disciplinas, seus gestores, negam a interdisciplinaridade e transdisciplinaridade do conhecimento.

Essa especialização, para SACRISTÁN (2000, p. 79), “[...] impõe um tipo de cultura e, através do código curricular que carrega, também um modelo de educação”. Nesse sentido, tentativas de promover a integração curricular tornam-se mais difíceis de serem realizadas, uma vez que o sentimento de grupo para o cumprimento de finalidades e objetivos comuns no ambiente escolar não é prioridade.

No campo da formação de professores esse modelo de organização espelha um conjunto de disciplinas que tem a prática docente como referencial, mas que não se articulam entre si. Desse modo, espera-se que a integração dos temas e conteúdos de cada disciplina, bem como sua relação com a prática docente seja realizada pelos futuros professores. GARCIA (1999) identifica no currículo segmentado duas formas de operacionalização. Na primeira, denominada de “currículo concorrente”, cada disciplina aborda os conteúdos gerais da área estudada e os conteúdos específicos, relativos à formação no campo da docência, de

modo simultâneo. Já na segunda, designada de “currículo consecutivo” ou “currículo justaposto”, BRZEZINSKI (1995) o domínio dos conhecimentos gerais relativo a cada disciplina é condição sine qua non para o estudo dos conhecimentos profissionais do ofício de ensinar ocorrendo, portanto, o estudo dos primeiros antes da abordagem dos conhecimentos pedagógicos.

No currículo colaborativo a organização ocorre de forma mais flexível do que a segmentada, já que pressupõe uma articulação entre as disciplinas que compõem a matriz curricular, “[...] de tal modo que, ainda que permaneçam cursos específicos de disciplinas, a integração realiza-se em temas concretos” (GARCIA, 1999, p. 78). Essa forma de organização tem sido recorrente nas instituições de ensino formal, que buscam proporcionar ao aluno uma visão mais ampla dos conteúdos escolares, por meio da capacidade de relacionar o conhecimento adquirido em uma determinada disciplina a outras áreas do conhecimento.

PACHECO (2000) sinaliza que essa articulação somente é passível de ser concretizada se houver, de fato, uma inter-relação entre as disciplinas e seus professores. A lógica de se propor projetos por disciplinas – planejadas individualmente pelo professor de cada área – reduz o currículo ao somatório de inúmeros projetos que, embora estejam direcionados para a mesma temática, ainda se apresentam de forma estanque. Essa organização não rompe com a fragmentação apresentada pelo “currículo mosaico” ou “justaposto” (SACRISTÁN, 2000) e não contribui de forma significativa com a dimensão processual que deve haver no trato do conhecimento, naquilo que se pretende em um “currículo coerente” (BEANE, 2000).

Diferentemente do currículo segmentado, a abordagem do conhecimento numa perspectiva interdisciplinar exige formas de organização dos tempos e espaços diferentes, uma vez que demanda um trabalho em conjunto. Além disso:

[...] permite buscar estruturas unificadoras de conteúdos diversificados, deter-se naquilo que é próprio de uma família de disciplinas com estruturas epistemológicas mais parecidas, em vez de ater-se à estrutura particular de cada uma das parcelas especializadas. (Beane, 2000, p. 80)

Para que isso ocorra, é necessário que haja autonomia e uma colaboração entre os professores para que se decida o que deve ser prioridade diante das necessidades dos alunos e/ou dos contextos locais. Exige-se também uma autonomia frente ao que é prescrito pela administração central, bem como pelos especialistas curriculares que elaboram os programas para as várias disciplinas.

Essa articulação, no campo da formação de professores, tem sido desenvolvida desde a década de 1980 nas instituições de ensino superior comprometidas com a qualidade da formação de professores, por meio de experiências que buscam viabilizar práticas inovadoras que superem o modelo de formação tecnicista imposto pelo período militar. Ela se traduz como um dos eixos curriculares consubstanciados na proposta da ANFOPE – interdisciplinaridade – que:

[...] perpassariam todas as disciplinas e criariam campos de ação nos quais, embora fossem mantidas as especificidades de cada disciplina e de seus professores, propostas coletivas poderiam ser desenvolvidas em equipe. Os eixos curriculares permitiriam, também, a seleção dos conteúdos essenciais. É prudente explicitar que tal trabalho coletivo não pressupõe a homogeneização de posições entre seus participantes. O trabalho coletivo não pressupõe a eliminação das diversidades teóricas e metodológicas. (CONARCFE apud BRZEZINSKI , 1995, p. 55)

O currículo integrado, ainda ausente nas práticas de formação, se caracterizaria pela ausência de territórios disciplinares, pois tem como ponto de partida o estabelecimento de metas interdisciplinares com o propósito de alcançar a transdisciplinaridade. Encontram-se as origens dessa forma de conceber a organização do currículo nas propostas dos “centros de interesse” de Decroly, na “metodologia de projetos” de Kilpatrick e na “escola ativa” de John Dewey. Entretanto, um currículo organizado de forma integrada, na perspectiva apontada por Garcia, transcende essas propostas, uma vez que promove a ruptura com o conhecimento disciplinar e interdisciplinar.

Para GARCIA (1999) esse modo de organização curricular, ainda encontra-se ausente nas práticas educativas desenvolvidas nas instituições formais de ensino, já que exige um elevado nível de compromisso entre os professores diante das metas propostas e a capacidade de relacionar o enfoque de sua disciplina a gênese das idéias nas diferentes áreas de conhecimento. Além disso requer uma organização e estruturação institucional diferenciada daquelas que tem sido adotadas historicamente nos sistemas formais de ensino.

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