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Organização das competências na Formação Pessoal

4.1 Primeira parte do estudo

4.1.4 Organização das competências na Formação Pessoal

Relativamente à questão se existe uma lógica sequencial no desenvolvimento dessas competências e qual o critério geral que deve orientar a sequencialização desse desenvolvimento, todos os professores destacaram que não existe uma ordem fixa no desenvolvimento das competências nem na sequência das propostas, pois cada grupo tem a sua dinâmica de evolução própria, que o formador deve perceber e agir de acordo com ela. No entanto, alguns professores definiram alguns critérios orientadores da condução da evolução dos grupos, que ajudam a clarificar aquilo que deve orientar a organização das propostas vivenciais.

A Prof. 3, o Prof. 8 e o Prof. 10 destacaram que a lógica sequencial no desenvolvimento das competências corresponde a um caminho de propostas que vão do intra para o interpessoal. Esta perspectiva está de acordo com aquilo que é apresentado por Camps e Mila et al (2011) e, também de Frimodt (2006, cit in Camps e Mila et al, 2011), para quem a organização do trabalho corporal com psicomotricistas desenvolve-se em dois níveis, um nível concreto de trabalho a nível da consciência corporal e um segundo nível psicocorporal e psicossocial.

Segundo a Prof. 3, no início do processo trabalha-se muito mais sobre o corpo real, as sensações, o tónus e o sensório-motor, embora, inevitavelmente, vão aparecendo outros aspectos relativos às relações com os outros e às suas ressonâncias mais profundas. Assim, vão-se inter-relacionando todas as propostas, numa dinâmica que funciona como uma espiral, na qual os alunos vão passando por situações parecidas que implicam mudanças, que são cada vez mais profundas, dependendo, também, do aluno e da sua implicação no processo. As propostas pretendem favorecer cada vez mais a escuta de si próprio, o auto-conhecimento e a escuta do outro, a capacidade de olhar, de observar e de escutar.

O Prof. 8 destaca, ainda, que o desenvolvimento das competências deve seguir o caminho daquelas que são relacionadas consigo mesmo, passando por aquelas que implicam a relação com os outros, chegando, por último, às que estão relacionadas com as possibilidades de representação das vivências, que ao longo do processo vão-se aprimorando. Esta descrição está de acordo, também, com a perspectiva de Camps e Mila et al (2011), segundo os quais a formação pessoal e corporal deve conter níveis progressivos de simbolização, desde o prazer do jogo e o prazer sensorio-motor, à

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percepção das sensações do próprio corpo, dos objetos e dos outros e à simbolização e representação.

Estas perspectivas parecem seguir a linha definida por Aucouturier, Darrault e Empinet (1986), segundo os quais os conteúdos desenvolvidos nas vivências sobrepõem-se, completam-se, enriquecem-se e apresentam uma certa progressão, que respeita um lento itinerário no qual o aluno vai aprimorando a maneira de colocar-se diante dos outros.

O Prof. 4, a Prof. 5 e o Prof. 6 referiram que as competências fundamentais da formação pessoal são transversais e não lineares, ou seja, elas vão sendo trabalhadas simultaneamente ao longo de toda a formação, embora em alguns momentos possa ser dado maior destaque para uma ou para algumas delas. A sua integração depende muito do tempo psíquico de cada um, demorando o tempo que cada um precisa para ter a capacidade e coragem de enfrentá-las e trabalhá-las em si mesmo. Além disso, a confrontação que a prática profissional oferece, e que a partir de um determinado momento vai sendo realizada em paralelo com a formação pessoal, permite, também, o surgimento de diversas questões pessoais que o profissional vai tomando consciência de que precisa trabalhar para integrar melhor as competências, sendo que a supervisão permanente ocupa um lugar muito importante neste processo.

No entanto, segundo estes três professores, pode-se destacar a existência de uma sequencialização que orienta metodologicamente o desenvolvimento destas competências e que passa, numa primeira fase, por um processo de sensibilização do corpo, inicialmente de contato com o objeto, depois de contato com o outro através do objeto e, finalmente, de contato direto com o corpo do outro. Esta progressão vai sendo aprofundada de acordo com a disponibilidade de cada um, sendo que neste processo é fundamental recuperar o prazer de brincar, entrando na dinâmica da criança, na regressão induzida pelo jogo e no simbolismo, que permite, então, entrar na dimensão corporal, redescobrindo o corpo afetivo, fantasmático e simbólico.

Este processo de evolução que vai sendo conduzido no sentido de permitir a desculpabilização do contato corporal, é feito, num primeiro momento, através da agressividade e, em seguida, tocando os vínculos afetivos, criando a possibilidade de revivenciar esses vínculos e tocar nos afetos que esses vínculos provocam, acolhendo-os e aceitando-os para que possam ser redimensionados e resignificados. A agressividade é utilizada, então, como forma de proporcionar que as pessoas vão vivendo o toque nas relações corporais de contato direto que vão surgindo na brincadeira, sem sequer se aperceberem disso, o que facilita que elas vão baixando as defesas e permitam-se depois a tocar o outro de forma afetiva.

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A partir desta desculpabilização do corpo e da criação da possibilidade de comunicação tónico-afetiva, abrem-se diversas outras possibilidades, que geralmente seguem no início a ordem dos materiais clássicos, que têm diversas possibilidades de representação simbólica e que dão sinais que ajudam a fazer a leitura do que cada pessoa está a viver no seu processo. Cada material tem determinadas possibilidades simbólicas e objetivos, como, por exemplo, o dinamismo e a redescoberta do prazer de brincar proporcionados pelas bolas, a construção dos vínculos e das relações através das cordas, o viver o dentro e o fora através do arco, experimentando de uma forma cada vez mais aproximada as vivências primárias, sentir-se pertencente ou não pertencente, a desconstrução e a desordem provocada pelo jornal que possibilita depois a reconstrução e a reorganização, etc.

O Prof. 7 reforçou esta perspectiva, afirmando que no início da formação é preciso diminuir a intelectualização, criar uma familiariedade com o setting, através de vivências que tenham uma forte componente emocional, permitindo a expressão dos conteúdos mais arcaicos, como a agressividade, o afeto, o prazer das relações corporais e o prazer de brincar. A partir do momento em que a pessoa está mais familiarizada com estes conteúdos, pode-se começar a trabalhar outros. Assim, para que a flexibilidade necessária a este processo possa ser colocada em prática, os formadores devem ter uma noção muito clara dos conteúdos básicos que devem ser trabalhados em cada etapa da formação e eles devem estar organizados de forma estratégica para que as pessoas estejam preparadas para o que é esperado delas em cada um desses momentos.

O Prof. 7 referiu, ainda, que além das competências pessoais, é necessário preparar os alunos para o mínimo de competências metodológicas necessárias para iniciar as atividades da formação profissional, que, na formação do CIAR – Curitiba, a partir de um determinado momento acontecem em paralelo com a formação pessoal. Depois é necessário, também, realizar um aprofundamento na capacidade da decodificação simbólica que é necessária para o estágio 2 e, por fim, é importante trabalhar conteúdos que ajudem na preparação para o fim do processo, relativamente à resolução do vínculo afetivo com o grupo, preparação para a autonomia e a construção do vínculo profissional.