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Organização estrutural do músculo cardíaco

SUMÁRIO

2 REVISÃO DA LITERATURA

2.1 Organização estrutural do músculo cardíaco

O músculo cardíaco apresenta estrutura diferenciada entre os tecidos excitáveis e é constituído por células individualizadas que estão intimamente acopladas, permitindo que o órgão funcione como um sincício (VAN BREEMEN, 1953 apud CONDE GARCIA, 1998). Os cardiomiócitos são estriados, ramificados, têm núcleo central e estão unidos por meio de membranas juncionais dotadas de regiões especializadas, tanto para a fixação mecânica, quanto para a transmissão de corrente elétrica. Os discos intercalares, como foram denominados por Engelmann (1877 apud CONDE GARCIA, 1998), foram chamados por Rothschuh (1950 apud CONDE GARCIA) de “barreiras elétricas transversais”. Eles são compostos por regiões não-diferenciadas e por regiões especializadas (fascia adherens,

macula adherens e nexus) (Fig. 2). As fascia adherens e a macula adherens,

quando vistas à microscopia eletrônica, mostram-se eletrodensas e apresentam um pouco de espaço extracelular entre as membranas das células. A macula adherens tem formato discóide de aproximadamente 0,2 a 0,5 m de diâmetro. Elas estão envolvidas com o acoplamento mecânico entre as células. Neste processo participam diversas proteínas, entre elas a caderina, cateninas e alfa-actina.

Os nexi ou junções gap são segmentos curtos, densos e por não apresentarem uma separação entre as membranas juncionais aparentam ser uma membrana única. Formadas por conexons, que são arranjos protéicos hexagonais, as junções representam ligações diretas entre os citoplasmas das células adjacentes, constituindo sítios de baixa impedância que possibilitam o acoplamento elétrico entre as células do coração. A reunião de dois conexons possibilita o surgimento de um canal intercelular que permite a livre difusão de eletrólitos e moléculas pequenas e impedem a passagem de proteínas e ácidos nucléicos (BERNE e LEVY, 2001; CONDE GARCIA, 1998).

Figura 6 - Micrografia eletrônica dos discos intercalares

mostrando regiões correspondentes a fascia aderens (FA),

macula aderens (MA) e nexus (N) (reproduzido por McNUTT e

FAWCETT, in Langer & Brady, 1974).

O músculo cardíaco apresenta um padrão regular de estriações transversais semelhantes as que existem nos músculos esqueléticos (MCNUTT e FAWCETT,1969). Ele é formado por células alongadas e ramificadas (JUNQUEIRA e CARNEIRO,1999). A estrutura compreendida entre duas linhas Z consecutivas é denominada de sarcômero e, cada um deles apresenta microanatomia e fisiologia semelhantes, sendo considerado a unidade funcional do sistema de miofilamentos geradores de força muscular (GUATIMOSIM et al., 2002)

FA

MA

N

Na microscopia eletrônica (Fig. 3) esses filamentos aparecem como regiões claras e escuras denominadas respectivamente de banda A (anisotrópica) e I (isotrópicas). A banda A é formada por filamentos grossos (15 nm de diâmetro) em superposição lateral com os filamentos finos (7 nm de diâmetro). Essa região apresenta-se mais densa e com uma zona H, em cuja parte central encontra-se o disco M. A zona H é formada por filamentos grossos constituídos por miosina que se interconectam para formar o disco M (CONDE GARCIA, 1998; MCNUTT E FAWCETT, 1969; VOET et al., 2000). A banda I é formada por filamentos finos e pelas proteínas formadoras da linha Z. Estudos sugerem que os filamentos grossos também se ligam a linha Z, através de estruturas filamentosas de conexão constituídas por uma proteína longa denominada titina, que se estende da linha M à linha Z e funciona como mola para centralizar o filamento grosso de miosina.

Figura 7 - Micrografia eletrônica mostrando, em corte longitudinal, um

sarcômero com suas bandas A e I, bem como os discos ou linhas Z e M (Modificado de VOET et al., 2000, p.181).

Os filamentos finos são compostos por moléculas protéicas de actina, troponinas, tropomiosina e nebulina. A actina pode ser isolada sob duas formas: a actina G (globular) e a actina F (filamentosa). A actina G é uma proteína que se polimeriza para formar a actina F, que tem estrutura filamentar e se apresenta em forma de dupla hélice. Cada cadeia de monômeros globulares de actina G é ancorada à linha Z e possui uma região que interage com a miosina. A topomiosina e o complexo das troponinas são essenciais para a regulação da ativação dos miofilamentos contráteis. A troponina cardíaca (cTn) é uma proteína heterotrimérica composta por produtos de três genes distintos: troponina C (cTnC), que é o sítio de ligação para o cálcio, troponina I (cTnI), que é a proteína inibitória do complexo cTnC/Ca2+ e a troponina T (cTnT), proteína que se liga fortemente a tropomiosina, que por sua vez constitui-se de uma molécula longa (40nm de comprimento) que contém duas cadeias polipeptídicas formando uma hélice (DE TOMBE, 2003; JUNQUEIRA E CARNEIRO, 1999). A nebulina (750-850 kDa) é uma proteína cuja função parece estar associada à regulação do comprimento dos filamentos de actina (KAZMIERSKI et al., 2003).

Os filamentos grossos são formados pela associação de várias moléculas de miosina. Esta é uma proteína com peso molecular de 450 kDa composta por duas cadeias entrelaçadas que terminam numa região globular. A hidrólise enzimática da miosina promovida pela tripsina a divide em duas partes: uma leve, formada por grande porção de sua cauda (meromiosina leve – MML, 140 kDa) e outra mais pesada (meromiosina pesada – MMP, 340 kDa), que contém a região globular. A MMP, quando hidrolisada, subdivide-se em duas subunidades a S1 (120 kDa) e a S2 (60 kDa). A região S1 corresponde à região globular propriamente dita, possuindo atividade ATPásica, sendo portanto a ATPase miosínica, cuja função é hidrolisar o ATP, liberando a energia necessária à contração. Essa subunidade é formada por um par de estruturas globulares, cada uma contendo uma cadeia polipeptídica pesada (200 kDa) e duas cadeias polipeptídicas leves. A cadeia pesada constitui o corpo da enzima (ATPase miosínica), posto que a sua remoção leva à perda da sua capacidade de

hidrolisar o ATP. Também uma das cadeias leves é fosforilável, o que pode modular a velocidade de hidrólise do ATP (VASSALO e STEFANON,1999).

O arranjo espacial das moléculas de miosina é feito de tal forma que as cabeças dessas moléculas ficam voltadas para a linha Z (DE TOMBE, 2003; VASSALO e STEFANON, 1999; PAES DE CARVALHO, 1969). As regiões da “cabeça” dos filamentos grossos formam as pontes cruzadas e contêm o sítio de ligação para a actina e para o ATP (BERNE e LEVY, 2001). A titina, uma grande proteína (2500 kDa) associada aos filamentos de miosina, parece estar envolvida com a manutenção do padrão das estriações do músculo (LINKE e FERNANDEZ, 2002; GRANZIER e LABEIT , 2002).

A complexidade entre a relação das propriedades biomecânicas do sarcômero cardíaco e do comportamento mecânico do coração é determinada não só pela orientação e densidade dos constituintes das fibras musculares (parâmetros espaciais), mas também pelo ritmo de ativação e de relaxamento das fibras cardíacas (parâmetros temporais) (DE TOMBE, 2003).

A geração de força muscular está relacionada com o número de pontes cruzadas que podem interagir com os filamentos delgados. A princípio, a cTnC se liga ao cálcio livre do citoplasma e com isto desloca a tropomiosina do seu estado de repouso na goteira formada pela dupla hélice da actina. Com isto, expõe o sítio de alta afinidade existente nas moléculas de G-actina e permite que a cabeça da miosina com ele interaja levando à produção de força muscular. O desacoplamento do ADP da cabeça da miosina leva ao estado de baixa energia livre promovendo uma mudança conformacional no filamento grosso, modificando a sua angulação e criando a força muscular. A fosforilação da cTnI e a ligação de uma molécula de ATP à cabeça da miosina fazem com que a afinidade da miosina pela actina seja reduzida e, por isso, permite que as pontes cruzadas de actina e miosina se desconectem dos filamentos delgados (HO, 2003; BERNE e LEVY, 2001), levando ao relaxamento.

O mecanismo de Frank-Starling é uma propriedade intrínseca do miocárdio no qual um aumento do comprimento da fibra muscular até um

determinado comprimento ótimo, resulta em aumento da força (Fig. 4) durante a contração subsequente. Essa relação é um fator importante para a regulação da função cardíaca, pois durante o aumento do retorno venoso ocorre uma elevação do volume diastólico final dos ventrículos, propiciando a ocorrência de uma contração mais vigorosa. Com isto, vai haver uma maior ejeção do sangue, durante a sístole. Embora a significância fisiológica deste mecanismo seja amplamente conhecida, a sua base celular ainda não está completamente esclarecida. Uma hipótese é que, com o estiramento do sarcômero, mais pontes cruzadas interagem com a actina, devido a uma sobreposição mais efetiva entre os filamentos grossos e finos. Entretanto, este não parece ser o único fator responsável pelo mecanismo de Frank- Starling, pois também foi observado que, durante o estiramento, os filamentos finos aumentavam sua sensibilidade aos íons cálcio (MOSS e FITZSIMONS, 2002). Além disso, o estiramento da fibra muscular propicia o aparecimento de forças que levam à compressão da matriz dos miofilamentos, favorecendo assim a interação entre eles e explicando, pelo menos em parte, a alteração de sensibilidade dos miofilamentos ao íon cálcio (“lattice compression”) (BERS, 2002).

Pesquisas subsequentes demonstraram a relação entre o comprimento do sarcômero e a capacidade de gerar força. A capacidade tensiogênica máxima ocorreu quando os sarcômeros apresentavam comprimento entre 2 e 2,2 m (Fig. 4). No músculo cardíaco, a tensão desenvolvida aumenta quase que linearmente, quando o comprimento do sarcômero varia de 1,9 a 2,4 m e cai abruptamente, quando ele se situa entre 2,4 e 2,5 m. Esta queda se deve ao fato de que vários sítios ativos de actina continuam cobertos pela tropomiosina, impedindo a formação de pontes com a miosina (CARVALHO et al.,1999).

Os cardiomiócitos apresentam um complexo sistema de tubulações transversais - os túbulos T – que são invaginações do sarcolema geralmente situadas à altura dos discos Z e que fazem com que o meio intersticial possa ficar mais próximo dos miofilamentos. Uma extensa rede de tubos intracelulares, denominados de retículo sarcoplasmático (RS), pode ser encontrada no interior das células miocárdicas, envolvendo completamente cada sarcômero. Sua fisiologia está intimamente relacionada aos eventos que se passam nos túbulos T. Devido à disposição morfológica deste túbulos, os canais de cálcio tipo-L do sarcolema ficam próximos aos canais liberadores de cálcio existentes na membrana das cisternas dos RS. Estes canais por serem bloqueados pela a rianodina são chamados de receptores da rianodina (RyR) (BERS,2004; OGAWA, 1994).

O conjunto formado pelos túbulos T e pelas cisternas dos RS que estão a sua volta, é chamado de tríade. Nas junções diádicas, representadas pela membrana sarcolemal do túbulo T, pela fenda diádica e pela cisterna do

Figura 4 - Relação comprimento-tensão de um sarcômero demonstrando

que a força máxima da contração ocorre quando o seu comprimento está entre 2,0 e 2,2 m. O inserto superior representa as posições relativas dos filamentos de actina e miosina nos diferentes comprimentos do sarcômero, desde o ponto A até o ponto D (modificado de GUYTON&HALL, 1998).

RS, estão os “couplons”, considerados serem as unidades funcionais do processo excitação-contração do músculo cardíaco (SUN et al., 1995). Eles são formados por 10 a 25 receptores de diidropiridina (DHPR) alojados no sarcolema e posicionados estrategicamente à frente de 100 canais do tipo RyR, que estão na membrana do RS (GATHERCOLE et al., 2000). O maior número de canais RyR cria uma margem de segurança para garantir que a liberação de cálcio em cada “couplon”, mesmo pequena, seja bastante para induzir a liberação dos estoques desse íon contidos no RS (FRANZINI- ARMSTRONG et al., 1999).

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