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4. O Cooperativismo em Santo Antão

4.5. Organização interna e funcionamento das cooperativas

O funcionamento das cooperativas de consumo assentava-se em estruturas organizacionais simples, com direcções não profissionalizadas e que não se dedicavam a tempo inteiro à gestão das mesmas. Os membros da direcção normalmente tinham o seu próprio emprego (a maior parte, funcionários públicos), dedicando-se apenas parcialmente à cooperativa. O quadro efectivo de pessoal a tempo inteiro nas unidades cooperativas era constituído na sua maior parte por 1-2 pessoas: o balconista e algum assistente40, que encaravam o

emprego na cooperativa mais como uma alternativa de ocupação do que atraídos por algum “espírito de missão” ou de entrega ao ideário cooperativo, resultando daí uma elevada rotatividade. A maioria desses efectivos tinha baixa escolaridade (máximo 2º Ano do Ensino Secundário – actual 6ª Classe), sem formação técnica adequada, limitando-se essencialmente à gestão de processos rotineiros de venda de mercadorias, registo de créditos concedidos, controlo de pagamentos, controlo de stocks e reposição/compra de mercadorias (este último, na maior parte das vezes, em concertação com a direcção). As actividades exercidas pelos empregados eram, portanto, eminentemente “comerciais”, não se registando evidências do seu envolvimento efectivo em acções típicas de promoção e “alimentação” da ideologia e dos princípios cooperativos entre os membros.

Decorrente desta estrutura, a organização e funcionamento das cooperativas, na maior parte das situações estudadas, e especialmente nos primeiros anos da sua fundação), não obedecia às normas básicas de gestão, quer em termos de registos contabilísticos, quer em termos de processamento e utilização de informações de gestão. De facto, 40% dessas cooperativas de consumo não tinham quaisquer sistemas de registo contabilístico organizado, sendo que as restantes 60% já adoptavam sistemas simplificados de prestação de contas.

Apenas com as acções de formação técnicas e de sensibilização conduzidas ou fomentadas pelo INC, e com a criação da UNICOOP-SA no início dos anos 90 do século passado, que passa a prestar assistência técnica e contabilística às unidades associadas, começa-se a notar alguma melhoria em termos de registo e tratamento de informação. O controlo de gestão é reforçado através de auditorias periódicas (semestrais ou anuais) conduzidas pela UNICOOP-SA, o que permite detectar irregularidades e desvios significativos em alguns casos.

A estrutura de autoridade nas unidades cooperativas é formalmente do tipo piramidal, com a Assembleia-geral dos membros teoricamente no topo das decisões, e o Conselho de Direcção (chefiado por um Presidente) no nível imediatamente a seguir. As funções de fiscalização eram atribuídas a um Conselho Fiscal, cujo cumprimento de funções raramente

era efectiva e eficaz, por razões que se prendiam frequentemente com a inexperiência dos seus membros, com algum corporativismo à volta dos membros dirigentes, e com um ambiente sócio-cultural pouco propício a acções de fiscalização directa, típica das pequenas comunidades rurais. Na prática a autoridade é concentrada nos elementos da direcção, quer devido à relativamente baixa frequência de realização de Assembleias-gerais (70% das cooperativas reuniam-se uma vez por ano, 10% duas vezes ao ano, e apenas 20% se reunia trimestralmente), quer devido à pouca eficácia da Assembleia-geral decorrente da fraca experiência nos processos de discussão e tomada de decisões de forma democrática.

Os Conselhos de Direcção eram eleitos pela Assembleia-geral, para mandatos que poderiam ser de 1 ano (10%), 2 anos (40%) ou 3 anos (50%). Apesar do verniz de “democracia” com que esta prática se revestia, uma investigação mais incisiva deste ponto41 apurou que, excepto numa das cooperativas (LACOMP), em todas as demais unidades, a prática era a preparação de uma lista única para os órgãos sociais, que era submetida à Assembleia-geral para mera formalização. Esta prática, além de bloquear no seu essencial o princípio de controlo democrático dos membros, permitiu o estabelecimento e a perpetuação de elites locais na direcção das cooperativas, gerando um crescente distanciamento entre as bases do movimento e a classe dirigente, e fazendo com que aqueles percebessem a cooperativa não como propriedade colectiva mas pertencente a um grupo limitado – “coisa deles”, no dizer de um antigo cooperador entrevistado.

A autoridade da direcção da cooperativa reflecte-se na estrutura de tomada de decisões. Em 92% dos casos estudados, as decisões de compra de mercadorias e de fixação dos preços de venda eram tomadas (e muitas vezes implementadas) pela direcção, sendo nos restantes 8% uma decisão da responsabilidade do balconista. Em 40% das cooperativas a direcção poderia decidir sobre a contratação de empréstimo bancário (embora esta prerrogativa praticamente não tenha sido utilizada, raras vezes as cooperativas recorreram a empréstimos bancários para se financiarem), enquanto a concessão de crédito aos membros

41Perguntou-se aos líderes quantas vezes concorreram mais do que uma lista aos órgãos sociais das

era decidida em última instância pela direcção em 67% das cooperativas42. Quanto à realização de investimentos, estas eram em 90% dos casos submetidos à Assembleia-geral. Os assuntos relacionados com o pessoal, nomeadamente a contratação, despedimento, acções disciplinares, eram da competência da direcção da cooperativa.

O planeamento era igualmente deficiente em quase todas as cooperativas, 30% das unidades estudadas não utilizavam quaisquer instrumentos de planeamento. Em 50%, este resumia-se na elaboração e apresentação à Assembleia-geral do plano de actividades e orçamento, e 20% apenas apresentava o plano de actividades anual. Contudo, não encontramos evidências de controlo da implementação e dos resultados, por parte dos membros das cooperativas.

Não obstante as deficiências identificadas em termos de registo contabilístico, os líderes entrevistados destacaram a preocupação com a apresentação de contas aos membros. De facto, todos referiram à prática de prestação anual de contas à Assembleia-geral, embora na maior parte das vezes estas limitassem aos registos simples dos totais de mercadorias compradas e vendidas, o total de dívidas de clientes/membros, o valor das mercadorias em stock, e o excedente apurado (quando o caso).

No entanto, alguns dos antigos membros entrevistados apontam a não prestação de contas por parte da direcção, com a frequência desejada, como uma das razões que teria levado ao “desinteresse” dos membros pelas cooperativas.