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Organização macrotextual: encapsulamento e paragrafação

1 INTRODUÇÃO

1.2.2 Organização macrotextual: encapsulamento e paragrafação

Quando falamos ou escrevemos, o fazemos através de tópicos ou temas, que constituem o foco daquilo sobre o qual nos pronunciamos. Ao longo do texto, o tópico se subdivide em blocos, focalizações diferentes do mesmo tópico discursivo, colaborando para uma organização macroestrutural do texto. Essa focalização acontece por meio de dois processos: as anáforas encapsuladoras e a paragrafação cognitiva.

Apesar de aparecerem no cotexto pela primeira vez, as encapsuladoras não podem ser confundidas com as anáforas indiretas; isso porque sua função primordial é resumir porções de parte do cotexto junto a outros conhecimentos partilhados. No caso delas, não há uma expressão precisa a que ela se refira, mas sim um tipo de referência irradiada em todo o trecho. Koch (2015) coloca que, num texto, o encapsulamento é próprio das nominalizações, sumarizando informações-suporte em segmentos remissivos e prospectivos. São consideradas complexas, pois os referentes dessas anáforas são abstratos: remetem a uma atividade, um fato, um evento, etc.

Cavalcante, Custódio Filho e Brito (2014, p. 80) complementam que as anáforas encapsuladoras funcionam como um subtipo de anáfora correferencial, já que, se o referente é uma entidade sociocognitivamente representada no contexto, ao ser marcado e confirmado por uma anáfora encapsuladora, é porque ele já se fazia presente, mesmo que implicitamente.

Desse modo, o produtor do texto, ao encapsular um trecho, dá nome a uma entidade que já estava em construção gradual. A sumarização, por ocasião da progressão referencial, pode ocorrer por meio de uma forma pronominal ou expressão nominal. Se ela for construída através de um demonstrativo neutro, como isso, isto, aquilo, chamamos de encapsulamento. Quando o processo anafórico tem a função de sumarizar e é construído por expressões nominais, chamamos de rotulação. Por retomarem um segmento difuso, disperso no texto, as anáforas encapsuladoras atuam comumente de forma argumentativa, já que sintetizam pontos de vista, maneiras de pensar buscando a melhor maneira de designar o que está sendo posto em questão no projeto de dizer do produtor. (CAVALCANTE, 2011).

Essas expressões nominais, tal como comentado por Koch (2010, p.148), ao incidirem na progressão textual, podem também desempenhar importantes funções na construção de sentido(s) do texto, entre elas uma atuação que nos interessa em particular: “No nível macrotextual, são, em grande parte, responsáveis pela introdução de novos referentes novas sequências ou episódios narrativos e, portanto também pela paragrafação” (CAVALCANTE, CUSTÓDIO FILHO E BRITO, 2014). Embora frequentemente coincidam, interessa-nos neste estudo o parágrafo cognitivo e não o tipográfico. Apothéloz & Chanet (1997 apud KOCH, 2015, p. 76), ampliam a discussão, colocando que “as expressões referenciais efetuam a marcação de parágrafos, incrementando, dessa forma, a estruturação do produto textual”.

Da mesma forma, Francis (1994 apud KOCH, 2015, p. 76) explica que as formas anafóricas nominais desempenham uma função importante no que concerne à organização textual: “elas sinalizam que o autor do texto está passando a um estágio seguinte de sua argumentação, por meio do fechamento do anterior, pelo seu encapsulamento em uma forma nominal” (FRANCIS, 1994 apud KOCH, 2015, p. 76). Assim, são cruciais na introdução, mudança, desvio e fechamento de tópicos discursivos, sendo responsáveis por dois movimentos no interior dos textos: a retroação e a progressão. O exemplo a seguir ilustra a discussão:

(1)

O sucesso do ex-metalúrgico Luís Inácio Lula da Silva em sua quarta tentativa de chegar à presidência da República representa mais do que o triunfo da persistência – é a vitória do improvável. (...)

Sua primeira tentativa eleitoral, para o governo de São Paulo se deu em

1982 e foi um jato de água fria no entusiasmo do político iniciante. (...) A ressaca, curtida em exílio doméstico na companhia de alguns poucos amigos e muita cachaça de Cambuci, só passou três meses depois. (...) Em 1989, a situação era diferente. Lula tinha chances reais de vencer Fernando Collor, mas como se sabe, de novo perdeu. (...)

O terceiro fracasso ocorreu em 1994, em sua segunda tentativa de chegar à Presidência. (...) (ISTOÉ, 2002, p.37-38 apud KOCH, 2015, p.77)

No exemplo acima, as expressões referenciais “sua primeira tentativa”, “a ressaca”, “a situação”, “o terceiro fracasso” retomam a porção textual anterior (retroação), para explicar as etapas percorridas pelo candidato. Cada novo parágrafo aloca uma informação nova (progressão) dentro do quadro da informação dada, preservando, contudo, a continuidade tópica.

Dessa forma, a paragrafação é um recurso formal que contribui para construção dos nexos textuais. É compreendido por teóricos como Figueiredo (1999 apud LIMA; PESSOA, 2014), Rocha Lima e Neto (1994 apud LIMA; PESSOA, 2014), entre outros, como um meio de organização textual, mas todos eles reconhecem o caráter incerto do conceito. Garcia (1999, apud LIMA; PESSOA, 2014) amplia esta discussão colocando que é difícil generalizar uma noção única de parágrafo, dada a natureza variada dos gêneros, do propósito comunicativo e, muitas vezes, do estilo adotado pelo autor do texto.

De acordo com outro teórico, Bessonnat (1998 apud LIMA; PESSOA, 2014), o parágrafo sinaliza informações e dá pistas ao leitor sobre a progressão temática, complementando a noção de parágrafo cognitivo. Dessa forma, compreender como o autor organizou seu texto de determinada forma e que relações podem ser estabelecidas entre as porções textuais e perceber o encadeamento das ideias, favorece o diálogo entre os sujeitos da interação para a produção de sentidos.

O produtor, durante o processo de escrita, continuamente toma decisões sobre as operações mentais (de adição, de substituição ou de detalhamento) envolvidas, a fim de melhor organizar seu texto e, ao mesmo tempo, conseguir engajar o leitor em seu projeto de dizer, definindo a finalidade do texto, o(s) destinatário(s), etc. Junto a essas representações, desenvolve atividades de planejamento, textualização e revisões continuamente monitoradas, levando-o, em alguns casos, a reelaborar seus escritos – desde questões pontuais lexicais, como a modificar porções inteiras do texto, reformulando-os a fim de facilitar o diálogo com seu leitor. Trataremos deste aspecto, a que chamamos de estratégias metaformulativas, em detalhes na subseção abaixo.