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2. Considerações acerca da Internacionalização, da Globalização

2.2. Os Organismos Multilaterais: sua inserção nas políticas

2.2.2. A Organização Mundial do Comércio

Após o fim da Segunda Guerra Mundial e, sucessivamente à criação do Banco Mundial, foi assinado em 1947 um acordo cujo objetivo era regular

internacionalmente o comércio mundial bem como suas tarifas. O GATT, sigla em inglês para o Acordo Geral de Tarifas Aduaneiras e Comércio, também visava a reconstrução dos países devastados pela guerra assim como o Banco Mundial, por meio da criação de regras que diminuíssem as tarifas aduaneiras como forma de melhorar o comércio entre as nações (SILVA, 2009, p. 89).

Inicialmente composto por 23 nações, seu funcionamento se dava por meio de Rodadas de Negociação, sendo que na sua oitava rodada nominada de Rodada do Uruguai, que iniciou em 1986 e se estendeu até 1994, resultou na Organização Mundial do Comércio - OMC. Até o ano de 1994 era o GATT quem regulava, portanto, o comércio mundial. Este acordo ainda existe, mas nominado GATT 1994 (SILVA, 2009, p. 90).

De acordo com Silva (2009), ainda que o GATT exercesse as funções de uma organização mundial, não era de fato e de direito uma e, portanto, faltavam-lhe alguns atributos, como “funções judiciárias, de assistência técnica e de administração” (p. 90).

A OMC, cujo nome original é World Trade Organization – WTO, foi criada em 01 de janeiro de 1995, na cidade de Genebra, Suíça, onde se encontra instalada a sua secretaria. Conforme destaca em seu site, é a única organização mundial que trata das regras do comércio entre as 159 nações que hoje a compõe. Ainda de acordo com o sítio, seus acordos são negociados entre estas nações, também por meio de rodadas de negociações, e ratificados pelos seus parlamentos tendo como objetivo auxiliá-los nas negociações comerciais. As diferentes áreas comerciais contempladas pela OMC têm seu acordo específico. Com o GATT, somente a área de comércio de mercadorias era abarcado (SOARES, 2009).

Não significa, porém, que não sejam feitas negociações antes de cada rodada, mas que

“A cada rodada é estabelecido um objetivo e, apesar das negociações serem feitas de forma permanente, os grandes momentos das negociações são as conferências ministeriais, que ocorrem a cada dois anos.” (Silva, 2009, p. 90).

Caso algum país se sinta lesado ou prejudicado por outro país-membro, existe o “Órgão de Soluções de Controvérsias” cujo objetivo e solucionar de forma harmoniosa os conflitos existentes. Atualmente as negociações que estão sendo

realizadas são de acordo com a “Agenda de Doha para o Desenvolvimento”, cujo lançamento se deu em 2001 e envolve mais de 20 áreas.

A OMC possui duas categorias de participantes: os membros que podem ser Estados e Organizações de Estado, e os observadores, que podem ser Estados que ainda não fazem parte da categoria anterior e Organizações Internacionais e que têm direitos limitados.

O Brasil é membro da OMC desde a sua fundação e fazem parte de seu Conselho Geral o Banco Mundial e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE. Estes também compõem o Órgão para Análise da Política Comercial (Trade Policy Review Body) e o Conselho para o Comércio de Bens (Council for Trade in Goods). O BM ainda faz parte do Conselho para o Comércio de Serviços (Council for Trade in Services). (www.wto.org)

De acordo com a OMC, suas funções são:

“* Administração dos acordos resultantes das negociações; * As rodadas de negociação;

* Mediação de disputas comerciais; * Monitoramento das políticas comerciais;

* Assistência técnica e treinamento para os países em desenvolvimento; * Cooperação com outras organizações internacionais.”.

Dentre os acordos assinados decorrentes das rodadas de negociações, um em particular é de interesse deste trabalho: o Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços – GATS11, nascido no mesmo ano da criação da OMC. Este acordo tem o

intuito de formar as bases que darão suporte às negociações para a “liberalização do comércio de serviço”, ou seja, para que prestadores de serviços nacionais e estrangeiros possam concorrer com igualdade de condições para atuar nos setores liberados pelos países membros.

De acordo com a OMC as negociações do GATS se iniciaram de fato no ano de 2000 e fazem parte da “Agenda de Doha para o Desenvolvimento” e seu objetivo é a liberalização progressiva do comércio de serviços, de forma a aumentar o nível de compromisso com a agenda.

11 “O texto do GATS possui sete partes, três delas essenciais para a compreensão das negociações. O segundo capítulo expõe as disciplinas e obrigações, o terceiro capítulo explicita os compromissos específicos em termos de acessos ao mercado e trato nacional e, por fim, os anexos especificam as exceções em cada setor. (Silva, 2009 – p. 92)

O acordo divide os serviços em doze setores, dentre eles a “Educação”. Ele ainda estabelece uma divisão chamada de “modos de fornecimento”, conforme tabela a seguir:

TABELA 1 - MODO DE FORNECIMENTO DAS ATIVIDADES COMERCIAIS NO GATS

Modo O que é Natureza

1 Comércio transfronteiriço O serviço cruza as fronteiras, saindo de um país para ser consumido em outro. No setor educação, entram nessa categoria qualquer tipo de curso a distância ou por internet, qualquer prova material de educação que possa cruzar as fronteiras.

2 Consumo no exterior O consumidor cruza as fronteiras. Representa a forma mais comum de comércio na educação, por meio da educação no exterior.

3 Presença comercial O fornecedor cruza as fronteiras estabelecendo-se e investindo em um país estrangeiro. No setor da educação, manifesta-se quando universidades criam cursos ou instituições em países estrangeiros.

4 Movimento temporário de pessoas físicas

O fornecedor cruza as fronteiras na forma de um deslocamento de pessoas físicas. Na educação, remete ao deslocamento de professores e outros profissionais da área de educação.

Fonte: Silva (2008. p. 91).

Os países-membros não são obrigados a liberalizar o comércio de todos os serviços constantes do acordo, mas quando aceitam devem cumprir as obrigações impostas pelas regras pré-definidas do GATS:

 Incorporar o setor a uma lista de compromissos específicos;

 Tratamento nacional e de acesso ao seu mercado igualitário aos prestadores de serviços dos outros membros, em conformidade com o Trato Nacional12;

 Caso deseje a anulação ou modificação do compromisso assumido, somente poderá fazê-lo mediante compensação a todos os países-membros afetados;

12 O Trato Nacional é uma cláusula que proíbe a concessão de privilégios a empresas nacionais, discriminando as estrangeiras, por meio, por exemplo, de incentivos fiscais (SILVA, 2009, p. 92).

 Especificar de forma clara em sua “lista de intenções” se não desejar aplicar o tratamento de “Nação Mais Favorecida” – NMF13 a todos os setores de serviços,

ainda que não tenha assumido compromissos nesses setores.

Os países desenvolvidos, no entanto, vêem questionando a flexibilização dada pelo GATS quanto a maior liberalização dos serviços com o argumento de que as negociações estão se dando de forma lenta, e as ofertas estão poucas e com baixa qualidade. Mediante estes fatos, eles têm proposto a criação de um parâmetro de negociação que tem sido recusado pela maioria dos países, que vêem neste parâmetro uma forma de pressão sobre os setores que não desejam liberalizar. O Brasil tem se posicionado contra argumentando que esta proposta vai de encontro aos princípios e estrutura do Acordo e, ainda, que os países em desenvolvimentos seriam praticamente os únicos contribuintes das negociações, contrapondo a flexibilidade dos países em desenvolvimento dispostos em seus artigos. (Silva, 2009)

Outra questão polêmica trata da regulação doméstica e da obrigatoriedade de um “teste de necessidade” (SILVA, 2009), cujo objetivo é delegar ao Conselho de Comércio em Serviços a função de verificar se a regulação doméstica pleiteada por um dado país é de fato necessária ou uma forma de desobedecer ao Trato Nacional. Na interpretação de Silva (2009)

Esse artigo abre um espaço sem limites para a intervenção da OMC nas questões de regulamentação doméstica, pois qualquer país poderá questionar a necessidade de regulamentações alegando que o verdadeiro objetivo é favorecer as empresas nacionais (SILVA, 2009, p. 93).

No âmbito do GATS nosso interesse recai sobre a questão da educação, mais propriamente sobre a sua concepção. Em suas negociações o Acordo tem reduzido a educação como mero serviço, e como tal, passível de ser regulada pelas leis de mercado conferindo-lhe o status de mero gerador de lucros para os investidores da área e como forma de pressão para a liberalização do setor.

Bandeira levantada pelas nações como alavanca para o desenvolvimento e conseqüente crescimento de um país, ela é postulada pela Organização das Nações Unidas – ONU como direito universal e forma de garantir a dignidade do ser

13 A cláusula da Nação mais Favorecida estabelece que um país que abrir seu mercado para outro em determinado setor deve estender esse privilégio a todos os países participantes do acordo. (SILVA, 2009, p. 92)

humano. No caso brasileiro tanto a Constituição Federal, de 1988, quanto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, postulam a educação como direito fundamental de todo e qualquer cidadão e dever do Estado. Portanto, fica claro o conflito entre as concepções de educação como direito e como serviço (SILVA, 2009).

O que se tem observado no Brasil, tanto nas mídias sociais quanto nas demais (televisão, outdoor, folhetos, etc.), é um crescente investimento no marketing educacional que se sustenta nos preceitos da “qualidade total”, portanto, sob a concepção da educação como um serviço.

Silva (2009) destaca o impacto que a abordagem da educação como serviço gera sobre a “soberania nacional e a autonomia dos Estados”, visto que são estes quem definem e deliberam sobre as políticas educacionais adequadas para as suas realidades. E conclui lembrando que tal capacidade está atrelada a soberania nacional, a liberdade de cada país em desenvolver seu próprio projeto de desenvolvimento humano, social e econômico. Sendo assim, ele é “uma ameaça ao caráter público da educação e à compreensão da educação como direito humano”. O GATS tem previsto em seu teor que alguns serviços, cuja prestação é de ordem exclusiva dos poderes públicos de cada nação, devem ser excluídos das negociações. Contudo a educação não está inclusa nesta categoria. Sendo assim, a OMC faz a seguinte divisão:

1. Educação primária;

2. Educação secundária (onde inclui ensino técnico e vocacional);

3. Educação superior (incluindo ensino técnico e vocacional de nível pós- secundário);

4. Educação de adultos, e

5. Outros setores não mencionados, com exceção de lazer. (SILVA, 2009, p. 97)

Portanto, ainda que a liberalização da educação possa ferir a soberania nacional, a maioria dos países-membros em desenvolvimento fez suas ofertas em educação tendo como argumentos em comum a atratividade do setor para investimentos, parcerias com instituições estrangeiras, aumento da competitividade e melhoria da qualidade do ensino.

Mesmo que a liberalização da educação como serviço não seja uma questão de fato obrigatória no Acordo, a existência de pressão dos dois lados da balança é notória, ainda que a maioria dos países em desenvolvimento tenha aderido a este tópico. Contudo, devido à falta de publicidade dos documentos que compõem as negociações, o real posicionamento dos países em relação a esta questão bem como uma análise mais criteriosa, torna-se uma tarefa árdua e de difícil execução.