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PARTE II – ENQUADRAMENTO METODOLÓGICO

3. Orientação metodológica na investigação com crianças e a sua

A opção que fizemos nesta pesquisa pela investigação qualitativa, explica-se pela importância que atribuímos à compreensão mais profunda dos problemas, da realidade social. Este tipo de investigação compreende um conjunto de diferentes técnicas interpretativas que visam descrever e descodificar os componentes de um sistema complexo de significados. Segundo Pope & Mays (1995) os métodos qualitativos trazem como contribuição ao trabalho de pesquisa uma mistura de procedimentos de cunho racional e intuitivo, capazes de contribuir para a melhor compreensão dos fenómenos.

A investigação que levaremos a efeito será um estudo de caso, tendo como contexto uma instituição de acolhimento de crianças e jovens.

O estudo de caso é “o exame de um fenómeno específico, tal como um

programa, um acontecimento, uma pessoa, um processo, uma instituição, ou um grupo social” (Merrian, 1988:9). O objecto do estudo de caso é, no entender de Godoy

pretendemos contribuir para a compreensão mais criteriosa de uma problemática que marca inquestionavelmente a actual agenda de muitas crianças.

O contributo da nossa investigação relativamente a esta temática sustenta-se no facto de ser a partir das crianças, principais visadas desta problemática, que caracterizaremos os significados que se levantam ao longo do seu processo de institucionalização, bem como dos papéis e protagonismo que vão assumindo no mesmo.

A este propósito não podemos deixar de referir que a investigação com crianças nos permite ultrapassar tradições, tal como refere Sarmento (2006: 62-63), que consideravam

“Estes seres sociais „em trânsito‟ para a vida adulta foram, deste modo, analisados prioritariamente como objecto do cuidado dos adultos. A precocidade do estudo das crianças pela medicina, pela psicologia e pela pedagogia encontra aqui as suas razões de ser: as crianças eram consideradas, antes de mais, como o destinatário do trabalho dos adultos e o seu estudo só era considerado enquanto alvo do tratamento, da orientação ou da acção pedagógica dos mais velhos (Rocha e Ferreira,

1994 cit in Rollet e Morel, 2000). Esta imagem dominante da infância

remete as crianças para um estatuto pré-social: as crianças são „invisíveis‟ porque não são consideradas como seres sociais de pleno direito. Não existem porque não estão lá: no discurso social”.

A sociologia da infância tem vindo a propor dinâmicas renovadas no sentido de introduzir as crianças no discurso social, a partir das suas vozes, o que tem implicado, ainda de acordo com o mesmo autor que

“A investigação das crianças com base na infância como categoria geracional própria, o reconhecimento crítico da alteridade da infância (a par do esclarecimento dos diversos sentidos em que essa alteridade se exprime, no quadro de um reconhecimento das crianças como os múltiplos-outro, perante os adultos, por efeito da variedade de condições sociais) e ainda o balanço crítico das perspectivas teóricas

que construíram o objecto infância como a projecção do adulto em miniatura ou como o adulto imperfeito em devir, tudo isso é o que aqui se preconiza, num esforço simultaneamente desconstrucionista de constructos pré-fixados e de investigação empírica. Esta mudança de perspectiva – ou, se preferirmos esta “mudança paradigmática” (James et al., 1998) – constitui o esforço teórico principal da sociologia da infância”. (Sarmento, 2005: 372) “

É a partir destas constatações que procuraremos advogar contra a ideia da criança incompleta, um ser que ainda não é, e precisa, nomeadamente, da acção do adulto para ser representada na sociedade. Segundo Soares (2006), a participação infantil, resgatada para os discursos científicos e políticos que são produzidos acerca da infância através da sociologia da infância, é um aspecto central para a definição de um estatuto social da infância, no qual a sua voz e acção são aspectos indispensáveis. Segundo a mesma autora a participação infantil é uma ferramenta indiscutível para fugir ou lutar contra ciclos de exclusão.

Também Milne (1996: 41) defende que a participação infantil ―é um processo de construção de uma sociedade inclusiva para os cidadãos mais novos‖. A participação das crianças na investigação contribui para a edificação de um espaço de cidadania da infância, ou seja, um espaço onde a criança e as suas acções são tidas em conta, o que no caso das crianças que vêem o exercício dos seus direitos restringido, se assume como um desafio e uma exigência acrescida.

Os nossos argumentos vão de encontro a essas afirmações, que têm somado nos últimos anos um significante número de adeptos, os quais num esforço constante, vêm, na contramão dessa visão, construindo, em conjunto com as crianças, outras formas de vislumbrar os seus mundos. Para tal processo é imprescindível convocar elementos constitutivos da infância e distintivos desta categoria geracional relativamente à categoria geracional dos adultos, tentando compreender os processos próprios de construção das culturas infantis, tal como defende Sarmento (2002: 4):

A pluralização do conceito significa que as formas e conteúdos das culturas infantis são produzidas numa relação de interdependência com

culturas societais atravessadas por relações de classe, de género e de proveniência étnica, que impedem definitivamente a fixação num sistema coerente único dos modos de significação e acção infantil. Não obstante, a „marca‟ da geração torna-se patente em todas as culturas infantis como denominador comum, traço distintivo que se inscreve nos elementos simbólicos e materiais para além de toda a heterogeneidade, assinalando o lugar da infância na produção cultural.

Em síntese, a nossa investigação sustenta a importância de escutar a criança, porque acreditamos ser este o caminho para a consolidação de uma visão da mesma enquanto ser de direitos, protagonista das suas acções e construtora de lógicas próprias de acção e criação, defendendo tal como Sarmento que somente através das crianças poderemos

“(…) descobrir mais. Descobrir sempre mais, porque, se o não fizermos, alguém acabará por inventar. De facto, provavelmente já alguém começou a inventar, e o que é inventado afecta a vida das crianças; afecta o modo como as crianças são vistas e as decisões que se toma a seu respeito. O que é descoberto desafia as imagens dominantes. O que é inventado perpetua-as. (Idem, p.12)