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4 OS CONSELHOS GESTORES COMO INSTRUMENTO DE POLÍTICAS

4.1 Origem e papel dos conselhos gestores no Brasil

Os conselhos gestores têm representado um foco de estudo visado na academia contemporânea, sobretudo quando considerados os esforços traduzidos em dissertações e teses (AZEVEDO, 2007; BARROS, 2008; BUVINICH, 2012; GOMES, 2003; LEANDRO, 2015; SILVA E OLIVEIRA, 2009; TRINDADE, 2010). Tais contribuições são de grande valia face ao reconhecimento do Estado Democrático de Direito e da participação social como direito do cidadão, tal qual o afirmado na CF de 1988. Nesse contexto, os conselhos gestores surgem no final da década de 1980, como resultado da luta popular contra a ditadura militar e pela democratização do Estado e da sociedade (RAICHELIS, 2000). Dessa forma, a origem dos conselhos gestores se dá num contexto de busca por uma contra-hegemonia.

Segundo a Política Nacional de Participação Social, o conselho gestor ou conselho de

políticas públicas é definido como uma “instância colegiada temática permanente, instituída

por ato normativo, de diálogo entre a sociedade civil e o governo para promover a participação no processo decisório e na gestão de políticas públicas” (BRASIL, 2014a). Outros tipos de conselhos existiam desde a década de 1970, sendo considerados três modelos na história brasileira (GOHN, 2006; PRESOTO e WESTPHAL, 2005): os conselhos

comunitários, criados pelo Poder Executivo para mediar suas relações com movimentos e

organizações; os conselhos populares, forjados no seio dos movimentos sociais, com a função de reivindicação de pautas junto aos governos; e, por fim, os conselhos gestores.

Com relação aos modelos anteriores, os conselhos gestores representam um formato avançado. A partir da CF de 1988, os conselhos passaram a ser institucionalizados, mediante a criação por lei, e integrar poder público e sociedade civil (instituições não-governamentais, sindicatos, cooperativas, movimentos, etc.). Outra mudança importante tangeu à atribuição de uma nova competência a essas instâncias, o poder de decisão, visto que o que existia até então era uma passividade decorativa consultiva (FACIN et al., 2012). É importante ressaltar que os conselhos, ao serem institucionalizados, não anulam o papel dos movimentos sociais, mas

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anunciam mais uma forma de constituição de sujeitos democráticos (LUBAMBO e COUTINHO, 2004). Nessa direção,

A participação da sociedade civil organizada em conselhos permite o exercício do controle social sobre as políticas governamentais, a formulação e proposição de diretrizes, o estabelecimento de meios e prioridades de atuação voltadas para o atendimento das necessidades e interesses dos diversos segmentos sociais, a avaliação das ações e a negociação do direcionamento dos recursos financeiros existentes (PRESOTO e WESTPHAL, 2005, p . 70).

Segundo Torres (2007), a CF buscou inovar a gestão pública brasileira em função de dois pilares fundamentais, a descentralização e o controle social. A partir deste último, percebem-se dois níveis de transformação política na fase de redemocratização: a da ampliação do controle social sobre as decisões públicas, através de mecanismos de participação direta da população (por exemplo, o orçamento participativo); e a do fortalecimento dos mecanismos de controle de política setorial, com a criação de instâncias de deliberação e de decisão que envolvem representantes dos interesses envolvidos, com a responsabilização dos gestores por decisões e ações implementadas (LUBAMBO, 2002).

Essa distinção se faz fundamental no intuito de esclarecer a natureza do controle exercido a partir dos conselhos gestores e compreender a função interventiva destes órgãos, sendo vista como duas principais: consultiva e deliberativa. Quando consultivo, o conselho gestor tem a função de emitir parecer e sugestões sobre as políticas, não dispondo do poder de decisão; enquanto que, na condição de deliberativo, possui o poder de discutir e decidir sobre a orientação das políticas públicas a serem executadas pelo governo (MARTINS et al., 2008). Outras funções são atribuídas aos conselhos gestores, como a de normatização e a de fiscalização (KLEBA et al., 2010). De acordo com Santos Júnior, Azevedo e Ribeiro (2004, p . 25), os conselhos estão fundados em quatro princípios:

(i) Representatividade das instituições do Poder Executivo (democracia representativa); (ii) compromisso político do governo com essas esferas públicas, do qual depende o cumprimento das decisões tomadas em seu interior; (iii) organização da sociedade em associações civis (representação semidireta), já que os conselhos são espaços de representação dos interesses dos setores sociais que estão organizados; e, (iv) representatividade e autonomia das organizações sociais em relação ao governo, de forma que as posições assumidas pelos conselhos dessas entidades expressem, de fato, os interesses sociais existentes em dado contexto social.

Em retomada à definição de conselho gestor trazida na PNPS, três características são vistas como centrais: o caráter colegiado, o caráter temático e o caráter permanente. O caráter

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colegiado remete ao fato de haver a busca de uma posição comum ou, pelo menos, majoritária

(MACHADO, 2001). Essa é uma postura que facilita uma relação mais transparente e permeável e limita as chances de abuso de poder por parte dos atores representados (JACOBI, 2003). Neste aspecto, cabe ressaltar que, em função de sua composição, os conselhos podem ser bipartites, tripartites ou múltiplos5.

O caráter temático tange ao foco de atuação dos conselhos, seja relativo aos setores de abrangência ampla (educação, saúde, turismo, cultura, segurança pública) e transversal (desenvolvimento urbano, política agrária, meio ambiente), ou aos interesses de segmentos sociais específicos, como crianças e adolescentes, mulheres, negros e idosos (AZEVEDO, 2007). Em outros trabalhos o conselho temático corresponde a uma classificação específica, ao lado de um conselho de política setorial ou conselho gestor de programa (TATAGIBA, 2002; TEIXEIRA, 2000). Quanto ao caráter permanente, esta é uma característica relacionada à regularidade das atividades próprias do funcionamento de um conselho, como:

i) Definição de planos de trabalho e cronogramas de reunião; ii) produção de diagnósticos e identificação de problemas; iii) conhecimento de estruturas burocráticas e de mecanismos legais do setor; iv) cadastramento de entidades governamentais e não-governamentais; v) discussão e análise de leis orçamentárias e elaboração de proposições; vi) acompanhamento de ações governamentais através de relatórios, visitas de campo e entrevistas com os dirigentes e usuários dos serviços (TEIXEIRA, 2000, p . 112).

Do ponto de vista de sua fundação, os conselhos gestores são criados nas três esferas governamentais (União, Estados e Municípios), em função da natureza do ente federativo responsável ao qual eles podem estar vinculados (ministério, secretaria, etc.), vindo a ser, em função da abrangência do ente, conselhos nacionais, estaduais ou municipais. Esse arranjo tem uma relação direta com o pilar da descentralização6 da gestão pública, entendida como a transferência da execução e de parte do planejamento de ações para as subunidades da esfera

5 Quando bipartites, o conselho congrega duas partes: governo e sociedade civil; sendo tripartite, congrega

governo, trabalhadores/usuários e prestadores de serviço; quando múltiplo, conta com a inserção de mais interesses representados, além dos já existentes (BUVINICH, 2014).

6 Segundo Buarque (2008, p . 43), a descentralização abrange a “mudança da escala de poder para unidades

menores com repasse de autonomia e poder decisório entre instâncias públicas e para instituições privadas”. Quando autônoma, a unidade institucional descentralizada desempenha suas atribuições com base em recursos próprios; quando dependente, tais atribuições são desempenhadas conforme o repasse de recursos das esferas administrativas superiores para as inferiores, conforme a vontade das primeiras. Por outro lado, quando ocorre a “transferência de responsabilidades executivas para unidades menores sem repasse do poder decisório e autonomia de escolha”, fala-se em desconcentração. Essa distinção conceitual faz-se necessária no sentido de compreender as peculiaridades da descentralização da gestão das políticas públicas.

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administrativa (LUBAMBO, 2002). Tal mudança se fez necessária dada a centralização política incidente sobre as diversas políticas públicas setoriais, antes da CF de 1988.

Para um país com uma organização político-administrativa similar à brasileira, fundamentada na união indissociável entre os Municípios, os Estados e o Distrito Federal (BRASIL, 1988), a instituição dos conselhos gestores consistiu em um movimento fundamental para a descentralização da gestão pública. Mais que uma redistribuição de atribuições, a descentralização das políticas públicas, acompanhada da instituição de conselhos municipais, agrega uma contribuição em termos de abrir possibilidades para o fortalecimento do poder local, além de diminuir a distância entre os formuladores das políticas e o seu público alvo (DIEGUES, 2013). Todavia, o processo de descentralização administrativa, via municipalização dos conselhos, não tem ocorrido de maneira uniforme, dada a diversidade dos municípios em termos de cultura cívica, dinâmica da sociedade civil e constituição de esferas públicas (SANTOS JÚNIOR; AZEVEDO; RIBEIRO, 2004).

Como reflexo da descentralização das políticas públicas, a expansão dos conselhos gestores no Brasil se dá a partir dos anos de 1996/1997. Isso porque, nesse período, a legislação nacional passou a condicionar a transferência de recursos para os municípios em função da existência de um conselho gestor (GOHN, 2002). Por essa razão alguns autores consideram a criação dos conselhos como uma imposição, e não como resultado de um projeto local (TORRES, 2007). Assim, a maioria das secretarias setoriais deveria obrigatoriamente dispor de um conselho gestor. É o que o se verificou em diferentes âmbitos da gestão pública, a exemplo da política agrária, através dos conselhos de desenvolvimento rural sustentável (ABRAMOVAY, 2001) e da assistência social (LEANDRO, 2015). Atrelada a disseminação dos conselhos gestores municipais, até o ano de 2000 assistiu-se a uma multiplicação desordenada de municípios por todo país, e muitos sem capacidade de investimento e manutenção com recursos próprios, intensificando a dependência de transferências de fundos federais e estaduais (SOUZA e NOVICKI, 2010).

Na sua condição de órgão colegiado institucionalizado, o conselho gestor representa um instrumento de planejamento e gestão de políticas públicas. Vislumbrado em qualquer esfera ou setor governamental, o conselho gestor é um mecanismo essencial à transparência pública dos direitos e deveres, assim como à inclusão da diversidade social e à gestão democrática dos recursos, numa perspectiva do bem estar comum. Obviamente, não se

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ignoram as dificuldades enfrentadas para o seu adequado funcionamento, mediante a interferência do Executivo e do Legislativo local, mas consideram-se os reflexos positivos no nível de transparência das políticas públicas com a criação dessas instâncias (TORRES, 2007)

A partir dessa compreensão, o próximo tópico situa a atuação dos conselhos gestores dentro de um setor ou campo temático específico, o das políticas ambientais. Diferentemente desta primeira seção, de natureza mais introdutória, na próxima será dado um recorte aos conselhos de meio ambiente, estabelecendo uma trajetória desde a legislação pertinente, a formação dos conselhos ambientais até os desafios e as possibilidades inerentes ao processo de descentralização na gestão de políticas públicas ambientais no âmbito dos municípios.