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Ao abordar sobre a origem do nada, Sartre (2007) afirma que se a negação não existisse, nenhuma pergunta seria possível de ser formulada. Para ele, a negação remeteu-nos ao nada como sua origem e fundamento. Ele ainda acrescenta em sua argumentação que para que haja negação no mundo é necessário que o nada se dê de alguma maneira. No entanto, não se pode conceber ao nada a propriedade de nadificar-se por si só ou atribuir a sua origem ao ser em-si que é plena positividade. Diante dessa argumentação e, para que possamos avançar um pouco mais em nossa investigação, lançamos o seguinte questionamento: mas afinal, o que é o nada?

O Nada não é, o Nada "é tendo sido"; o Nada não se nadifica, o Nada "é nadificado". Resulta, pois, que deve existir um Ser - que não poderia ser o ser-Em-si - com a propriedade de nadificar o Nada, sustentá-lo com seu próprio ser, escorá-lo perpetuamente em sua própria existência, um ser pelo qual o nada venha às coisas. (SARTRE, 2007, p. 65, grifo do autor).

Conforme podemos observar nessa passagem, a nadificação do nada ocorre apenas no seio do para-si como o único ser pelo qual o nada possa aparecer, uma vez que jamais esse nada poderia vir de um ser pleno tal como já demonstramos anteriormente quando abordamos a questão da opacidade do ser em-si. Na pergunta interrogamos um ser ou a sua maneira de ser e, como isso, pode haver uma abertura de possibilidade em que esse existente se revela como um nada de ser. Toda interrogação, desde já, subtende-se um recuo nadificador com relação ao dado ou ao mundo real. Tal como afirma Sartre (2007) o nada fundamenta a negação, uma vez que compreende o não como uma estrutura essencial e acha-se na origem do juízo negativo. O nada não pode ser nada, a menos que se nadifique como nada do mundo. Mas como que o nada vem ao mundo? Essa é uma questão fundamental que necessita ser solucionada. Nos argumentos a seguir, já sinaliza o início da resposta dessa questão. É o que podemos constatar na citação do filósofo francês:

O Ser pelo qual o Nada vem ao mundo deve nadificar o Nada em seu Ser, e, assim mesmo, correndo o risco de estabelecer o Nada como transcendente - no bojo da imanência, caso não nadifique o Nada em seu ser a propósito de seu ser. O Ser pelo qual o Nada vem ao mundo é um ser para o qual, em seu Ser, está em questão o Nada de seu ser: o ser pelo qual o Nada vem ao mundo deve ser seu próprio Nada. (SARTRE, 2007, p. 65, grifo do autor).

Ao tratar do problema do nada e da sua origem, Sartre critica o pensamento de Hegel e de Heidegger, afirmando que não há nenhuma outra possibilidade que não seja a afirmação de que o nada deve ser posterior ao ser. Não entraremos em detalhes sobre as críticas direcionadas ao pensamento hegeliano e heideggeriano, uma vez que essas críticas não são o foco desta pesquisa, mas, contudo, achamos importante sinalizar a existência dessa divergência. Portanto, sendo o nada posterior ao ser, é preciso que haja um ser para que o nada venha ao mundo. Estamos chegando à resolução da questão da origem do nada que ocorre por meio da interrogação. Para Sartre há um duplo movimento de nadificação tal como podemos observar na passagem a seguir:

[…] o interrogador nadifica com relação a si o interrogado, colocando-o em estado neutro, entre ser e não-ser, e ele próprio nadifica-se com relação ao interrogado, descolando-se do ser para poder extrair de si a possibilidade de um não-ser. Assim, com a interrogação, certa dose de negatividade é introduzida no mundo: vemos o Nada irisar o mundo, cintilar sobre as coisas. Mas, ao mesmo tempo, a interrogação emana de um interrogador que se motiva em seu ser como aquele que pergunta, desgarrando-se do ser. A interrogação é, portanto, por definição, um processo humano. Logo, o homem apresenta-se, ao menos neste caso, como um ser que faz surgir o Nada no mundo, na medida em que, com esse fim, afeta-se a si mesmo de não-ser. (SARTRE, 2007, p. 66, grifo do autor).

Convergindo com o pensamento do filósofo em estudo, Silva (2005, p. 99) também afirma que “[…] a interrogação indica que é pelo homem que o nada vem ao ser, que é devido ao homem que o nada é encontrado no mundo.” Vale ressaltar, conforme os argumentos desse mesmo autor, que no pensamento sartriano o nada só poderá ser encontrado graças ao homem, mas que esse nada não é uma impressão subjetiva, mas um está no mundo. Jolivet (1975, p. 182, grifo do autor) acrescenta a esse pensamento que “[…] o surgimento desse nada constitui a condição para que haja um mundo – e este nada é a própria realidade-humana, que é, ao mesmo tempo, posição e negação do mundo, com o seu fundamento em nós, e só valem como aparição do mundo [...]”. Seguindo essa argumentação e, para compreendermos ainda mais essa questão, Sartre (2007, p. 72) afirma:

O nada, como vimos, é fundamento da negação porque a carrega oculta em si, é negação como ser. Portanto, é necessário que o ser consciente se constitua com relação a seu passado separado dele por um nada; que seja consciente desta ruptura de ser, não como fenômeno padecido, e sim como estrutura da consciência que é.

Em outras palavras e, seguindo o mesmo raciocínio do filósofo francês, Silva (2005, p. 104) também corrobora com essa mesma ideia da origem do nada, como fundamento da negação, e acrescenta que “O nada no mundo é resultado do homem, mas se por toda parte existe ser, a origem do nada só pode estar no ser. Isso explica porque o nada precisa do ser para vir ao mundo, afinal o nada não é e, não sendo, apenas do ser pode retirar sua eficácia.”. Giles (1975) também defende essa ideia que o nada não é, todavia, sem o nada, não há ser. O mesmo autor afirma que esse nada “[...] só se encontra no cerne da presença. Mas, se esse nada não é, não pode ser a sua própria origem. Aquilo que não é nada não está em condições de se nadificar. Toda negação portanto se efetua a partir do ser e se relaciona com ele.” (GILES, 1975, p. 328). O ser que tratamos neste parágrafo refere-se ao próprio homem, ou seja, o ser para-si (consciência).

Portanto, é pelo homem que o nada é semeado no mundo e ele é encontrado na própria estrutura de ser do homem, quer seja na relação temporal consigo mesmo, quer seja na imanência da consciência. Esse negativo puro deve ser encontrado na estrutura da consciência, conforme já tratamos na seção anterior sobre a fissura do para-si, estrutura essa que o nada desliza. É por meio da negação que a consciência tem a possibilidade de desprender-se de si mesma e transcender em busca de si, ou seja, é torna-se uma relação de si para si por causa de um nada de ser. Para que possamos avançar um pouco mais nessa discussão, abordaremos a questão da nadificação da consciência como tema central da seção a seguir.

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