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PARTE I A RELAÇÃO ENTRE OS MODELOS HISTÓRICOS DE JUSTIFICAÇÃO

1.5 A relação da progressividade da pena privativa de liberdade com os modelos positivos e

1.5.1 A origem da pena privativa de liberdade como sanção e da progressividade de sua

No que condiz ao plano histórico de consolidação da pena privativa de liberdade e do desenvolvimento do princípio da progressividade na execução daquele sancionamento, é de se dizer que até, a rigor, a Idade Moderna, a humanidade não conheceu a privação de liberdade

como pena, compreendida como uma sanção criminal posterior a um julgamento, mas sim como instrumento de custódia (BITENCOURT, 2012, p. 28).14

Na transição do Antigo Regime para a Idade Moderna, a tolerância que havia para com as ilegalidades mais habituais às classes populares (ilegalidade de bens) foi sendo gradativamente abolida; ao passo que a tolerância às ilegalidades habitualmente praticadas pelas classes mais favorecidas – deturpação de direitos, inobservância de leis e regulamentos, corrupção, etc. − foi preservada, o que acarretou a necessidade de desenvolvimento de um sistema de poder que exercesse vigilância constante sobre as classes menos favorecidas, ou seja, que controlasse a ilegalidade de bens. É, neste contexto, que se insere a consolidação da privação de liberdade como modalidade sancionatória e não apenas cautelar, inclusive a partir de sua forma de execução progressiva, que se aperfeiçoaria ao longo dos séculos seguintes: um sistema de controle ou, em outras palavras, “uma tecnologia de poder” (FOUCAULT, 2014, p. 90).

Neste plano histórico, a partir da Revolução Industrial, foram idealizados, instituídos e gradativamente aperfeiçoados os chamados sistemas penitenciários clássicos, de cuja origem remontam as primeiras experiências de cumprimento da pena privativa de liberdade de forma progressiva. Em breve síntese: (a) o “Sistema da Filadélfia” ou “Pensilvânico” baseava-se no completo isolamento do preso em celas individuais, da onde apenas se saía, esporadicamente, para passeios em um pátio fechado; (b) o “Sistema de Auburn” baseava-se na regra de que o preso deveria permanecer em absoluto silêncio, embora pudesse trabalhar na companhia de outros apenados durante o dia; de qualquer modo, no período noturno; (c) o Sistema Progressivo Clássico previa um período inicial de isolamento absoluto; uma fase subsequente na qual o preso poderia trabalhar na companhia de outros apenados e uma derradeira fase, na qual era inserido em um regime similar ao da liberdade condicional (AVENA, 2014, p. 223/224).

O apogeu da pena privativa de liberdade coincide, justamente, com o abandono dos regimes celular e auburniano e com a adoção do regime progressivo, sistema que se

14 Na Idade Moderna, a grave crise social dos séculos XVI e XVII agravou a fome e aumentou a criminalidade.

Ademais, a ainda incipiente Revolução Industrial demandava, cada vez mais, força de trabalho. Assim, as penas de morte ou que implicavam limitações corporais aos condenados deixaram, gradativamente, de ser convenientes, ganhando força, sobretudo por iniciativa da Igreja Protestante, a ideia de construção de instituições que servissem para recolher e corrigir o comportamento dos “vagabundos, ociosos e autores de delitos menores”. É a origem das chamadas Casas de Correção e Trabalho, surgidas, sobretudo, na Inglaterra e na Holanda a partir do final do Século XVI, cujo principal objetivo era incutir, no preso, a disciplina capitalista de produção, na medida em que os próprios fundamentos religiosos protestantes e calvinistas eram empregados para reforçar o dogma do trabalho (BITENCOURT, 2012, p. 45).

generalizou na Europa, sobretudo, após o final da Primeira Guerra Mundial. A essência desse regime consiste em distribuir o tempo de duração da condenação em períodos, conferindo ao apenado a oportunidade de ingressar na fase subsequente caso tenha apresentado comportamento meritório na anterior (BITENCOURT, 2011, p. 97/98).

Os principais modelos de sistema progressivo que influenciaram a cultura jurídica ocidental foram os seguintes: (a) o “Sistema Inglês de Vales” (mark system) – idealizado e aplicado na década de 1840 pelo capitão do exército inglês Alexander Maconochie na Ilha Norfolk na Austrália, este sistema preconizava que a boa conduta do condenado fosse gratificada a partir da concessão de marcas ou vales, sendo que a quantidade destes indicadores que cada condenado deveria obter para alcançar a liberdade deveria ser proporcional à gravidade da conduta praticada; (b) o “Sistema Progressivo Irlandês” – desenvolvido na década de 1850 por Walter Crofton, buscou o aperfeiçoamento do sistema inglês a partir da criação de estágios intermediários que o apenado, com o objetivo de ser melhor preparado para retornar à sociedade, deveria observar entre a completa reclusão e a liberdade condicional; (c) Sistema de Montesinos - a partir do trabalho desenvolvido pelo espanhol Manuel Montesinos e Molina na administração do Presídio de Valência entre as décadas de 1850 e 1860, teve como principal traço marcante, a partir do fomento ao trabalho e o respeito à dignidade do preso, o fortalecimento da autoconsciência moral do apenado (BITENCOURT, 2011, p. 98-108).

No Brasil contemporâneo, a Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal – LEP (Lei 7.210/84) não deixa dúvidas quanto à adoção do sistema progressivo15, descrevendo tratar-se de previsão inspirada no sistema progressivo clássico, mas com adaptações visando à ajustá- lo à moderna execução criminal ou, em outras palavras, aos objetivos almejados pelos modelos tradicionais e contemporâneos de justificação positiva da pena. Dentre estas adaptações, destacam-se as seguintes: necessidade de classificação do condenado no início da execução; estabelecimentos distintos para cumprimento da pena de privação de liberdade segundo o regime no qual se encontra o preso e exigência de avaliação meritória como condição para progressão de regime (AVENA, 2014, p. 224).

15 Itens “118” e “119” da Exposição de Motivos da LEP: Item 118: “as mudanças no itinerário da execução

consistem na transferência do condenado de regime mais rigoroso para outro menos rigoroso (progressão) ou de regime menos rigoroso para outro mais rigoroso (regressão)”. Item 119: “a progressão deve ser uma conquista do apenado pelo seu mérito e pressupõe o cumprimento mínimo de um sexto da pena no regime inicial ou anterior”.

1.5.2 Das funções manifestas associadas pelos modelos positivos de justificação da pena