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Com a compra da Capitania da Bahia de seu donatário, em 1548, D. João III nela instala o Governo Geral e seu primeiro governador, Thomé de Souza. Dentre suas providências iniciais, encontrava-se a instalação e o funcionamento da Justiça, cuja administração foi entregue a um ouvidor, ao qual a Capitania do Espírito Santo ficou submetida em 1º de março de 1554.

Somente em 1629 foi criada a Ouvidoria do Espírito Santo que, a partir de então, teve um regulamento autônomo.

No início do século XVIII, essa situação se inverte e o Espírito Santo perde sua autonomia jurídica.

No terceiro século do descobrimento do Brasil, de 1708 a 1789 – por questões políticas e de economia interna, volta o Espírito Santo ao domínio da Coroa portuguesa15 e, em conseqüência, em 3 de julho de 1722 a justiça espiritossantense passa a ser dirigida por um Juiz Ordinário, subordinado à Ouvidoria do Rio de Janeiro (SEBREIA, 1985, p.13).

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Mas, logo em seguida, Sebreia (1985) diz que, novamente, o Espírito Santo recupera sua autonomia, pois, em 15 de janeiro de 1733, se torna uma Capitania independente, restabelecendo-se, assim, sua Ouvidoria. A Justiça do Espírito Santo originou-se, portanto, em outubro 1741, quando a Coroa Portuguesa estabeleceu a Comarca do Espírito Santo, constituída de todo o território capixaba, além da jurisdição sobre as cidades de Campos de Goytacazes e São João da Barra, no atual Estado do Rio de Janeiro. Seu instalador foi o ouvidor-geral, desembargador Pascoal Ferreira Veras. Em 12 de novembro de 1751, foi instalado o segundo Tribunal de Justiça do Brasil, com sede no Rio de Janeiro, abrangendo a Comarca do Espírito Santo, então sob a sua jurisdição (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, 2005).

Em 1810, o território do Espírito Santo desliga-se da jurisdição da Capitania da Bahia, transformando-se em Capitania autônoma, sendo empossado, como seu primeiro governador, Francisco Rubim (VITRAL, 2001).

Essa autonomia administrativa e jurídica era tão realidade, que o naturalista francês August de Saint-Hilaire, quando de sua passagem pela Província do Espírito Santo, em 1816, testemunhou que a mais importante aglomeração da Comarca, a Vila da Vitória, se encontrava dirigida por dois juízes ordinários, eleitos entre os naturais da região. Contudo, devido à presença incômoda e, muitas vezes, inibidora dos governadores, as personalidades mais notáveis da vila recusavam-se a permanecer no cargo além do termo estipulado.

A Villa da Victoria é cabeça de comarca de uma parochia muito considerável e o centro da jurisdicção do Ouvidor encarregado de distribuir justiça em toda a Província. Quanto ao termo da Villa da Victoria, em particular, é submettido á autoridade de dois juizes ordinários; esses magistrados, segundo o costume, são escolhidos entre os habitantes da região; mas, a dependência em que os governadores têm o habito de mante-los, impede aos homens mais notáveis de acceitar o cargo. Aqui, como alhures, a duração das funcções de juizes ordinários não vae alem de um anno; as eleições não se processam, na verdade, senão de três em três annos, porem, nomeiam-se seis juizes ao mesmo tempo. Além dos juizes ordinários, elege-se, na Villa da Victoria, um juiz dos orphãos, que fica em exercício durante os três annos (SAINT-HILAIRE, 1936, p. 99).

Com a elevação do Brasil como Reino Unido de Portugal e Algarves, em 16 de dezembro de 1815, o modelo administrativo nacional passa por significativas alterações. Uma junta provisória passou a administrar a Capitania do Espírito Santo, que, no entanto, não realizou qualquer alteração na Justiça nesse período.

De acordo com Penna (1878), pelo Decreto de 29 de setembro de 1821, foi estabelecida, na Capitania do Espírito Santo, uma Junta Provisória composta por notáveis personalidades capixabas. Essa Junta começou a funcionar efetivamente em 2 de março de 1822, exercendo seu poder até 24 de fevereiro de 1824, quando tomou posse o primeiro presidente nomeado por D. Pedro I para esta Província, Ignacio Accioli de Vasconcellos.

Com a Independência do Brasil em 1822, as capitanias passaram a se chamar províncias. Pela promulgação do primeiro ato constitucional em 1824, foram estabelecidas as bases para uma maior autonomia da Justiça nacional e, conseqüentemente, capixaba, consolidada, mais tarde, pelo Ato Adicional em 1834, quando as províncias adquiriram a prerrogativa de organizar sua própria Justiça. 16 Assim, são lançadas as bases da Justiça Autônoma, embora o Poder Judiciário só tenha defendido suas linhas gerais posteriormente. Esse poder era:

[...] independente, composto de Juízes e Jurados, cabendo a estes o pronunciamento sobre os fatos e aos Juízes a aplicação da Lei. Definiu-se ainda o Supremo Tribunal de Justiça com sede na Capital do Império e com poderes para conceder ou denegar revistas nas causas, conforme a lei; conhecer dos delitos e erros de ofício dos seus ministros (SOBREIRA, 1985, p. 14).

De acordo com Accioli (1978, apud CAMPOS, 2003), no período imediatamente posterior à Independência, os principais órgãos e instituições imperiais foram

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Consultando o material disponível sobre os anos de 1822 e 1823 na Província do Espírito Santo, as informações revelaram-se bastante precárias. Sabe-se ter havido a instalação de uma Junta Provisória para garantir a adesão dos locais à causa da separação entre Brasil e Portugal. O governo provisório não implementou qualquer alteração fundamental na estrutura administrativa vigente. Deu- se, ainda, no mesmo período, a importante elevação de Vitória à condição de cidade, graças ao Decreto Imperial de 24 de fevereiro de 1823, extensivo a todas as sedes de governos provinciais (CAMPOS, 2003).

estruturados em nível regional e municipal. Nesse tempo, os governos das municipalidades, como no caso da cidade de Vitória, concentravam-se por meio do Paço de Conselho, composto por um juiz ordinário (como presidente), três vereadores, um procurador e um escrivão. Desses empregados, somente o escrivão recebia vencimentos arbitrados pelo corregedor da Câmara.

Em relação ao Judiciário, logo em 1824, ano da outorga da Constituição, Ignácio Accioli despachou a ordem imperial de realização da eleição de vereadores e juízes de paz, na forma do Projeto de Lei de outubro de 1823.Todavia, o processo teve de ser interrompido por uma

[...] denúncia e declaração que ali houve, [de] que o mesmo Colégio Eleitoral resolvera suspender seus trabalhos, até decisão do mesmo Augusto Senhor Autor que achando-se [sic] de boa fé [...] restava a dúvida, se por isso deveria, ou não, retratar nulas as Eleições (CAMPOS, 2003, p. 144).

Por volta de 1828, a transformação da Justiça capixaba prossegue. Por sanção do imperador D. Pedro I, é estabelecido, no Espírito Santo, o Conselho-Geral da Província local (VITRAL, 2001).

A organização judiciária e policial provincial do Espírito Santo sofreu modificações a partir de 1833. Dentre elas, destacam-se as mudanças de limites dos termos das cidades de Nova Almeida e São Mateus, que, desmembradas parcialmente, originaram os Termos da Serra, de Linhares e da Barra de São Mateus; a Província acabou sendo também dividida em duas grandes comarcas: uma ao sul e outra ao norte, respectivamente, a de Vitória e a de São Mateus. Contrariando a normalidade no processo, somente o Termo de Nova Almeida não aceitou de imediato sua anexação à Comarca de São Mateus (CAMPOS, 2003).

Segundo Campos (2003, p. 148), na Província, o Judiciário em nível de

[...] primeira instância, possuía representação nas Paróquias, nos Termos e nas Comarcas. As Paróquias tinham como autoridade responsável um Juiz

de Paz eleito diretamente pelos cidadãos da localidade. O magistrado local era auxiliado pelos inspetores de quarteirão, escolhidos por ele com a anuência da Câmara Municipal. Em cada um dos Termos havia um Juiz Municipal e um Promotor Público, indicados em listas tríplices pela Câmara Municipal e nomeados pelo Presidente de Província. As comarcas, por sua vez, estavam dirigidas pelos Juízes de Direito, além das juntas de Juízes de Paz, únicas autoridades de nomeação do Imperador. Embora os Juízes de Direito ocupassem o cargo de Chefes de Polícia, sua importância, na prática, encontrava-se reduzida devido aos amplos poderes dos Juízes de Paz.

O Governo Regencial decreta, em 1834, o Ato Adicional em que os Conselhos Provinciais são substituídos pelas Assembléias Legislativas, esboçando-se o movimento de descentralização judiciária. Dessa forma, as unidades provinciais podiam legislar sobre suas questões civis ou mesmo judiciárias (VITRAL, 2001). Para Campos (2003), ainda, a Província do Espírito Santo, já possuidora dessa estrutura, pelo ato da então recém-formada Assembléia Legislativa Provincial, cria, em 23 de março de 1835, suas primeiras três comarcas: Vitória, São Mateus e Cachoeiro de Itapemirim. Entretanto, mesmo com esses sensíveis avanços na esfera administrativa, havia variados problemas que dificultavam a efetivação de seus trabalhos, concretizados na falta de interessados dispostos a ocupar as funções da magistratura, como também pelo fato de os nomeados demorarem, inclusive anos, para, efetivamente, assumirem seus cargos, e estes, quando assumiam, muitas vezes se ausentavam por meses, por motivo de viagem. Mesmo com esses obstáculos, os magistrados ainda reclamavam da inexistência de um número mínimo legal para a composição do júri.

É importante frisar ainda que a inexistência de conflitos mais graves entre os Poderes Municipal e Provincial era uma característica do período analisado, sendo um reflexo da acomodação e da resolução dos interesses políticos da elite local, mas o aparelhamento das instituições policiais e da própria estrutura judiciária capixaba necessitava de um modelo mais democrático, que procurasse atender às demandas dos mais variados segmentos de sociedade.

O esforço constante das autoridades pela estruturação da Polícia e da Justiça na Província do Espírito Santo não se justificava, portanto, pelo

combate aos movimentos insidiosos corno os ocorridos em outras Províncias do Império, nem por um crescente aumento da ‘criminalidade escrava’. Eram os comportamentos sociais, as atitudes cotidianas consideradas ‘incômodas’ e os crimes comuns que justificavam a ação da força policial local. O olhar das autoridades voltava-se, em geral, para as pessoas comuns, ou seja, aquelas ocupadas em sobreviver no ambiente pobre e carente da Província, praticando, ocasionalmente, pequenos delitos, ainda que, vez por outra, também lançando mão de alguma crueldade criminosa (CAMPOS, 2003, p. 60).

Na análise dos relatórios dos presidentes da então Província do Espírito Santo, nas décadas de 40 e 50 do século XIX, denota-se que as autoridades capixabas se preocupavam muito mais com a questão da ordem social do que com a própria distribuição da justiça. Acreditavam que a força policial e o Judiciário deveriam agir para normatizar padrões comportamentais, como forma de garantir a ordem e a tranqüilidade. Assim, todo o aparato jurídico-policial era voltado para a repressão, objetivando esmagar possíveis rebeliões e desordens.

Entre as preocupações existentes entre as autoridades provinciais, a questão da Justiça sempre ocupava lugar de destaque, representada pela séria carência de pessoas habilitadas para preencher os cargos jurídicos disponíveis. Nesse caso, por inúmeras vezes, buscaram-se alternativas para atrair o interesse de bacharéis para atuarem na Província do Espírito Santo. Por exemplo: aumentar os provimentos do promotor público da Comarca da Capital, medida esta que recebeu elogios do então presidente provincial Machado Nunes, em discurso proferido em 1855 à Assembléia. Apenas com tal expediente esperava-se alcançar a nomeação de um bacharel para ocupar o cargo (CAMPOS, 2003).

Anos depois, pela Lei Provincial nº 21, de 28 de julho de 1860, foi iniciado um movimento de expansão judiciária, quando foi estabelecida uma quarta comarca, com sede na Comarca de Santa Cruz, desvinculada de Vitória. Mesmo assim, apesar destas iniciativas realizadas, era comum os presidentes da Província do Espírito Santo não pouparem palavras em afirmar a negligência do Sistema Jurídico local. Para evidenciar a negligência, os relatórios de presidente de Província falam do excessivo número de absolvição que tomara conta do júri. Em 1865, nos exemplos dos julgamentos efetuados, o número de condenações foi de dezessete, enquanto o de absolvições foi quarenta e nove.

O então chefe de Polícia interino capixaba creditava a desproporção entre as condenações e absolvições a

Defeituosa organização e instrução dos processos; demora dos julgamentos de crimes antigos; detenção prolongada dos réos de crimes affiançáveis; frequencia de ser o jury presidido por juízes substitutos; benevolência do mesmo jury (ARQUIVO ESTADUAL DO ESPÍRITO SANTO, 1865, p. 4).

Ou seja, embora a Justiça na Província do Espírito Santo tivesse passado por importantes mudanças, cujo objeto maior era ampliar seu universo de atuação, é possível afirmar que, durante o arco temporal definido para este estudo, não conseguia a Justiça efetivamente uma ação rápida e eficiente, ainda não conseguia atender às mazelas que faziam parte do cotidiano da população como um todo e carecia de possuir quadros altamente qualificados para sua composição.

Para compreender o objeto proposto para este estudo, é preciso relacioná-lo diretamente com outras questões, além da compreensão do funcionamento do Judiciário no Brasil e no Espírito Santo, ou traçar uma panorâmica da conjuntura social, política, econômica e cultural da Província local no século XIX.

A compreensão desse tema pode e deve ser ampliada para o entendimento das formas de representação da mulher na sociedade local, buscando-se compreender papéis ou imagens que a sociedade construiu acerca do feminino no século XIX. Antes, porém, gostaríamos de discutir a compreensão de gênero e representação em cuja discussão nos debruçaremos a seguir.

4 GÊNERO, REPRESENTAÇÃO E CONDIÇÃO FEMININA: UMA

DISCUSSÃO TEÓRICA