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O sistema de franquias teve início, mesmo que de modo rudimentar, na Europa, em especial na França. A origem do termo franchising se deu na Idade Média, durante o feudalismo, quando a Igreja Católica, ao longo dos séculos XII e XIII, e mais tardiamente os monarcas, passaram a conceder licenças ou franquias, autorizando os senhores de terras a

coletar impostos ou taxas em seu nome, dando aos mesmos um percentual sobre o total arrecadado (MATTOS, 2010; BOAVENTURA, 2011; ALVES, 2014).

Nesse período, um país ou cidade franca (franche ou franchise) era aquele que obtinha dispensa permanente de pagar tributo ao rei ou ao senhor da região, e cujos habitantes tinham direito à livre circulação, direito este relacionado à liberdade ou dispensa de servidão (BARBOSA, 2010; BOAVENTURA, 2011; VAZ, 2014). Assim sendo, conforme afirmam Boaventura (2011) e Bitti (2012), a palavra franchisage vem de franc, radical do francês antigo que significa transferência de um direito, outorga de um privilégio ou concessão exclusiva.

O sistema de franquias representa, portanto, o mais antigo dos arranjos entre firmas (BITTI, 2012). Apesar de registros históricos indicando a existência de contratos de exclusividade na comercialização de bebidas na Inglaterra do início do século XIX, as franquias surgiram efetivamente nos Estados Unidos após a guerra de secessão, na segunda metade deste mesmo século, de forma que são os norte-americanos os responsáveis pela consolidação do sistema conforme sua representatividade atual em termos de negócios (BITTI, 2012; VAZ, 2014).

Ainda nessa época, a Singer Sewing Machine Company, empresa do ramo de máquinas de costura, estabeleceu uma rede de concessionários independentes por meio de revendedores autorizados (SOUZA, 2000; BITTI, 2012). Por volta de 1850, com sede em Stanford, Connecticut, foi a pioneira do modelo de negócio hodierno de franquias, utilizando-se da cessão de marca, publicidade, técnica de vendas a varejo e know-how, com o fim último de expandir sua rede de distribuição. Assim, a empresa criou as chamadas Lojas Singer, convocando alguns comerciantes independentes e oferecendo-lhes uma série de franquias para que eles, utilizando a marca Singer, passassem a comercializar os produtos da marca, posteriormente adquirindo com seu próprio capital os produtos a serem revendidos (MATTOS, 2010; BOAVENTURA, 2011; ALVES, 2014).

Vance (2010) e Vaz (2014) lembram que em 1850 surge ainda a primeira cadeia de restaurantes norte-americana, a Harvey House, em que o controle de qualidade era realizado por meio de visitas regulares às operações e cujas unidades eram alocadas em estações ferroviárias. Adicionalmente, os autores atribuem a ocorrência dos primeiros acordos de licenciamento de venda e prestação de serviços não só à Singer, mas também à produtora de colheitadeiras McComark Havesting Machine Company. De acordo com Rigoni (2015), o que diferenciava tais práticas de licenciamento da simples representação comercial era a relação estabelecida via contratos, determinando a atuação territorial e algumas das qualificações necessárias aos representantes.

Em 1898 a General Motors (GM) gerou o conceito de negócio que mais tarde veio a ser chamado de concessionária, sendo que até então os carros e demais veículos eram vendidos diretamente pelas empresas montadoras aos consumidores. Simultaneamente, a Coca-Cola estabeleceu a primeira franquia de produção (ou fabricação), outorgando licenças para empresas e grupos empresariais interessados em produzir seus refrigerantes no âmbito de áreas geográficas definidas por contrato, mais ou menos nos moldes do que faz até hoje, no Brasil e em outros países (MATTOS, 2010).

Segundo Boaventura (2011), Vance (2010) e Vaz (2014), o surgimento do sistema de franquias como atualmente conhecido foi motivado não somente pelo supracitado início da operação com revendedores. Outro fator primordial foi a necessidade das empresas de acompanhar a crescente mobilidade da população norte-americana, dada a evolução dos meios de transporte, principalmente com o advento da ferrovia. A Figura 9 demonstra a evolução do sistema de franquias dos Estados Unidos no século XX.

Figura 9 – Evolução do sistema de franquias norte-americano no século XX.

Fonte: (MDIC, 2006; MATTOS, 2010; VAZ, 2014).

Após o fim da Segunda Guerra Mundial e a volta das tropas para casa, os veteranos de guerra buscaram alternativas ao emprego formal, com o fim de tornarem-se seus próprios patrões, não mais recebendo ordens. Embora fossem empreendedores esforçados, muitos negócios sucumbiram, haja visto que os ex-combatentes não tinham experiência anterior na implantação, operação e gestão de uma firma. Ocorre, assim, o grande boom das franquias nos Estados Unidos, que surgem como solução para a falta de experiência desses empresários (MATTOS, 2010; VANCE, 2010; VAZ, 2014).

Nesse contexto, Boaventura (2011) e Vaz (2014) ressaltam o surgimento do Business

Format Franchising ou Franquia de Negócio Formatado, em que as empresas franqueiam seus

negócios segundo moldes devidamente padronizados, com uma marca reconhecida. Não somente assegurou-se aos empreendedores o acesso, pelo sistema de franquias, a conhecimentos, marcas, processos, produtos e serviços, como também se facilitou seu financiamento através do Small Business Administration, órgão que dá suporte a pequenos negócios, e de diversas linhas de crédito especiais aos militares que desejassem iniciar seu próprio empreendimento. No mesmo período, em 1946, é aprovado o Trademark Act, regulamentando-se o uso de marcas no mercado norte-americano (MATTOS, 2010; VANCE, 2010; ALVES, 2014).

De acordo com Souza (2000), parte-se, portanto, da concessão, por parte do fabricante, do direito de exploração de marca e produto a um varejista para um sistema mais complexo, que se estende para além de um arranjo de distribuição e adentra a prestação de serviços. O franqueador estabelece um modelo de negócio que confere ao franqueado o direito de produzir ou vender mercadorias ou serviços mediante o padrão preestabelecido. É concedido ao franqueado não apenas o uso da marca registrada, nome e publicidade; mas toda a tecnologia desenvolvida (planejamento e estratégia de marketing, controle de qualidade, manual de operações, manutenção de um canal permanente de comunicação).

Conforme Rigoni (2015), desde então o modelo de franquia se desenvolveu e ganhou força, principalmente nos Estados Unidos. Na década de 50, alguns fatores contribuíram para que as empresas trabalhassem melhor suas marcas: (i) a televisão, enquanto mecanismo difusor de publicidade; (ii) o aumento do número de viagens dos indivíduos; (iii) o crescimento da renda real do consumidor. Como consequência, Mattos (2010) demonstra que diversas franquias foram criadas na referida década, tais como Burger King, McDonald’s, KFC, Dunkin’ Donuts, entre outras.

Em meados de 1970, deu-se início a uma ativa expansão das marcas norte-americanas pelo mundo (BOAVENTURA, 2011). Em 1989 são estabelecidas as franquias para revendas de automóveis da GM e da Ford. O contexto era o da revolução industrial norte-americana, cuja produção de bens de consumo em massa e a preços acessíveis atendia à demanda geograficamente dispersa. Ao mesmo tempo, a legislação antitruste vigente impedia que os fabricantes de automóveis atuassem também na revenda de veículos. Assim, a necessidade de eficiência na distribuição dos produtos provocou a seleção de franqueados, atuando com exclusividade em territórios delimitados pelo franqueador (VANCE, 2010).

Assim, tal qual propõe o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – MDIC (2006), é preciso que se tenha em mente que o sistema de franquia não é resultado de um momento de inventividade de uma pessoa criativa. Em verdade, as franquias surgiram e evoluíram como uma solução empresarial frente aos problemas relativos à necessidade de expansão dos negócios com a simultânea manutenção de suas características fundamentais, garantindo a preferência dos consumidores ante aos concorrentes. O desenvolvimento e crescimento do sistema, portanto, vem acontecendo de forma natural e contínua, paralelamente à diminuição das fronteiras geográficas dos países, de modo que as franquias estão, em sua essência, diretamente relacionadas ao aumento e expansão de negócios.