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3 AXÉ MUSIC

3.2 ORIGENS DA INDÚSTRIA FONOGRÁFICA NA BAHIA

Ao longo desta pesquisa, foram poucos os trabalhos acadêmicos encontrados que se dedicaram ao registro da história da indústria fonográfica da Bahia. Porém, entre os artigos submetidos ao Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, na sua edição de 2004, foi encontrado um importante registro do nascimento dessa indústria, contando um pouco da história dos seus principais protagonistas. A partir dele pôde-se observar que a produção musical baiana, desde a sua origem, esteve mais atrelada a dimensão comercial do que a dimensão lúdica dessa atividade. E que ao contrário do que parece acontecer atualmente, não era concentrada em apenas alguns gêneros musicais.

De acordo com Lacerda (2004), autora do estudo supracitado, 1960 foi o ano de inauguração da primeira gravadora baiana, no quinto andar do Edifício Sulacap, no centro de Salvador. O nome escolhido para o novo empreendimento foi “Gravações JS”, inspirado nas iniciais do músico e radialista Jorge Santos, seu proprietário. Sua experiência no campo foi construída através de passagens pelas rádios soteropolitanas, como a Excelsior e a Piatã FM, e a TV Itapoan (LACERDA, 2004).

Com a evolução dos negócios, a “JS” logo precisou mudar de endereço. O local escolhido foi o Edifício Martins Catharino, ocupando todo o seu terceiro andar. O novo espaço era capaz de acolher uma orquestra com vinte músicos. Segundo Roberto Torres (apud LACERDA, 2004) na época da inauguração da “JS” só haviam, em todo o norte-nordeste, duas gravadoras: as pernambucanas “Mocambo” e “Rozemblit”.

A lista de serviços oferecidos aumentou. Além da locução de spots, a “JS” passou a trabalhar com gravação de jingles. Isso ampliou o mercado de trabalho para músicos instrumentistas, compositores e cantores. Entre eles o maestro e compositor Carlos Alberto Freitas de Lacerda (Salvador, 1934-1979). Grande nome da música baiana, Carlos Lacerda, como era mais conhecido, foi aluno de Joachin Kollreuter, fundador da Faculdade de Música da UFBA e Sebastian Benda7,

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A família Benda é a mais longa na história da música, descendendo da dinastia tcheca de compositores Benda, do século XVIII. Os Benda mantiveram-se como músicos por três ininterruptos séculos.

renomado pianista e compositor tcheco. Começou a aparecer na cena musical ainda durante os Seminários de Música da UFBA. Participava de um trio na televisão, formado pelo baixista Moacir Albuquerque e o baterista Tutti Moreno, além de ser membro fundador da sua própria orquestra de violinos (LACERDA, 2004).

A família de Osmar Macedo, um dos criadores do trio elétrico, também passou pelos estúdios da “JS”, com uma banda formada por seus filhos Aroldo, Betinho e André, e, trazendo como atração principal o caçula Armandinho, hoje, um guitarrista conceituado em todo o mundo.

Pode-se argumentar que, desde o início, as empresas envolvidas com a produção musical na Bahia estiveram mais comprometidas com a dimensão comercial dessa atividade, tornando a produção de certos formatos, como o jingle, seu principal meio de sustento. A exploração da dimensão artística era relegada a segundo plano, nos intervalos entre os trabalhos principais.

A diversidade de músicos e estilos musicais que passaram pela “JS” foi bastante representativa e demonstrada por Lacerda (2004) quando cita o nome dos artistas que por ali circularam: Tom e Dito do Trio Inema, a dupla Antônio Carlos e Jocafi, responsável por grandes sucessos como “Você abusou” e “Mas que doidice”; a cantora Maria Creuza, descoberta por Vinicius de Moraes; José Emmanuel, Ilma Gusmão, Luis Beribau, Aloísio Silva, Ivan Reis, e os compositores Ildásio Tavares, Carlos Coqueijo, Alcyvando Luz, Oswaldo Fahel, Diana Pequeno, Carlos Gazineo, Celeste, Claudete Macedo, Aloísio Silva, Gilberto Batista, José Canário, Odraude Silva, Antônio Moreira, Fernando Lona, Trio Xangô, As Três Baianas, Os Novos Baianos; os músicos Fernando Lopes, Tuzé de Abreu, Kennedy, maestro Chachá (Alberto Aquino), Perna Fróes, Jessildo Caribé, Toninho Lacerda, Cacau, Vivaldo Conceição, Alcyvando Luz, Carlinhos Marques, Tom Tavares, Hermano Silva, Geraldo Nascimento, Perinho e Moacir Albuquerque, Walter Queiroz entre outros. Ficaram em registro também os sambistas tradicionais da Bahia: Batatinha, Panela, Riachão e Tião Motorista (LACERDA,2004).

Para Lacerda (2004) a música popular urbana brasileira reflete a situação econômica e social dos seus produtores e consumidores. Citando Tinhorão (1998 apud LACERDA, 2004) a autora chama a atenção para uma divisão dessa produção em dois segmentos:

a) um para as classes mais abastadas, formada pela juventude classe média branca da zona sul do Rio de Janeiro que, sob a influência norte-americana, se inspiraria na bossa nova;

b) o outro, para as classes mais baixas, fruto da interação cultural entre o campo e a cidade que deram origem ao frevo pernambucano, as marchas e sambas de carnaval, toadas, baiões, música sertaneja, romântica e outros. É chamado de música tradicional.

Lacerda (2004) afirma que é neste último segmento que se encaixa a música produzida na “JS”, como conseqüência da formação dos músicos que dirigem seus trabalhos: o proprietário Jorge Santos e o maestro Carlos Lacerda. Lá, grava-se a música de raiz da capoeira regional, o samba de roda, o hino do Esporte Clube Bahia, música romântica, samba-canção, toada, música instrumental, poesia musicada e até trilha sonora de filmes. Pode-se dizer que a diversidade da música baiana esteve bem representada na “JS”.

Na década de 60 as emissoras de rádio começaram a promover festivais de música na Bahia, onde a vertente tradicional era responsável pela maior parte das canções apresentadas. O “I Festival de Samba da Bahia” originou um LP que chegou a bater recorde de vendas, totalizando 3 mil cópias (LACERDA, 2004).

A exploração da dimensão artística começava a se tornar interessante. As músicas de blocos de carnaval também começaram a aparecer como outra fonte de recursos para a “JS”. Foram gravados compactos simples, com sambas e frevos, para os blocos Saco Cheio, Apaches do Tororó, Secos e Molhados e Bloco do Jacu (LACERDA, 2004).

Jorge Santos também descobriu novos talentos entre os músicos que trabalhavam na “JS”. Foi a partir de uma idéia dele que foi formado o trio “As Três Baianas”, formado pelas irmãs Cybele, Cyna ra e Cylene. Mais tarde, com a entrada de mais uma irmã, Cyva, o grupo fez sucesso no Rio de Janeiro, já com o novo nome sugerido por Vinícius de Moraes, “Quarteto em Cy”. Além de acompanhar as gravações do que seria o primeiro disco da “JS”, Gilberto Gil gravou outros dois, colocando a sua voz, em 1962 e 1963. Foi também na “JS” que Gil gravou as pistas de voz e violão da música “Aquele Abraço”, cuja finalização instrumental foi feita, mais tarde, pela Philips, no Rio de Janeiro (LACERDA, 2004).

A diversidade presente nos trabalhos feitos pela “JS” servem como uma importante ilustração da produção musical baiana naquela época. O próprio segmento tradicional abrange uma grande variedade de estilos musicais, que, segundo Lacerda (2004), deu a tônica das atividades promovidas pela gravadora. É possível que nem toda a multiplicidade de gêneros musicais existentes no estado tenha passado pelos seus estúdios. Mas, através do estudo elaborado por Lacerda (2004) percebe-se que a produção musical baiana, naquela época, circulava por vários gêneros musicais.

O pioneirismo da “JS” se manteve durante toda a década de 60, pois, segundo Lacerda (2004), durante todo esse tempo não apareceram concorrentes no mercado de gravações da Bahia. Pelo menos não a nível profissiona l. Esta situação se manteve até 1975, quando surgiu em Salvador, um novo estúdio de gravação, o “WR”.

Com o objetivo de atuar no mercado de jingles, a “WR” montou uma banda de estúdio. Faziam parte dela três das futuras estrelas que, mais tarde, fariam da Axé Music, um sucesso nacional: Luiz Caldas (guitarra e vocais), Carlinhos Brown (percussão) e Sarajane (vocais), entre outros.

Nos intervalos entre uma atividade e outra, a banda também gravava composições próprias, que eram enviadas às rádios baianas. O material conseguiu derrubar a resistência de Cristóvão Rodrigues, da Itapoan FM, que apostou na sensualidade da nova música, abrindo espaço para a produção local, que havia sido deixada de lado pela música estrangeira. O sucesso acabou por incentivar Weslei Rangel, proprietário da “WR” a gravar o primeiro disco de Luiz Caldas, “Magia”, em 1985.

Falar da participação da “WR” na música da Bahia é o mesmo que contar a própria história da origem da Axé Music. Das rádios e festas de largo baianas à exposição máxima alcançada por apresentações no extinto programa de Chacrinha, na Rede Globo, a Axé Music logo passou a ser vista não mais como um gênero ou um ritmo, “mas um movimento de renovação na música baiana, apoiado no carnaval” (LACERDA, 2004, p.12).