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Origens e expansão da Teoria das Representações Sociais

3. Violência contra o docente: aproximações com a produção científica

1.1. A Teoria das Representações Sociais

1.1.1. Origens e expansão da Teoria das Representações Sociais

A pesquisa de Serge Moscovici,   “La Psychanalyse: son image et son public” (1961),   publicada   no   Brasil   sob   o   título   “A   Representação   Social   da   Psicanálise”   (1978),   contém   a   matriz   da   denominada Teoria das Representações Sociais (TRS). Essa investigação francesa que deu início a TRS tratava de como os conceitos da psicanálise deixavam seu território original, povoado por especialistas e passavam a integrar o pensamento comum, a vida cotidiana das pessoas (SÁ, 2002). Esta obra marca um período de renovação da tradicional Psicologia Social norte americana, compreendida como uma subdisciplina da Psicologia, centrada principalmente nos processos psicológicos do indivíduo e fortemente marcada pelos métodos experimentais.

A Psicologia Social, com a vertente europeia proposta por Moscovici através da obra de 1961, apresenta uma perspectiva centrada nas relações entre os comportamentos individuais, com os fatos históricos e sociais. Farr (1995) aponta essa distinção, portanto, da Psicologia Social originalmente norte americana que privilegia a individualização do social através de métodos experimentalistas, representada por G. Allport (1954); com a Psicologia Social no paradigma europeu proposto por Moscovici, que procura situar o indivíduo com seus comportamentos e suas práticas sociais. Moscovici também renova as bases metodológicas e conceituais dessa área de conhecimento.

Na tentativa de considerar tanto os fatos sociais quanto os comportamentos individuais em uma relação dialética, Moscovici (1978) busca no conceito primitivo de Representação Coletiva, proposto por Émile Durkheim em 1898, as bases para formular sua teoria. As representações coletivas constituem um conceito utilizado por Durkheim para explicar os fenômenos sociais, para ele existe uma relação de prioridade em relação aos conceitos socialmente elaborados, sob as ideias construídas individualmente.

As representações coletivas são o produto de uma imensa cooperação que se estende não apenas no espaço, mas no tempo; para produzi-las, uma multidão de espíritos diversos associaram,

misturaram, combinaram suas ideias e seus sentimentos; longas séries de gerações acumularam aí a sua experiência e o seu saber. Uma intelectualidade muito particular, infinitamente mais rica e mais complexa que a do individuo está aí como que concentrada (DURKHEIM, 1989, P. 11).

Além dessas representações coletivas não dependerem dos sujeitos para sua produção e reprodução, elas se opõem de maneira coercitiva e genérica aos próprios sujeitos. Essas representações coletivas são consideradas  então  como  fatos  sociais,  “cujas  causas  e  origens  não  podem  ser   encontradas senão na própria sociedade que o produziu, o meio social explicaria todas as relações entre os sujeitos” (RESES, 2003, p. 191). Os fatos sociais para Durkheim  são  manifestações  da  sociedade  que  possui  “existência   própria,   independentes   das   manifestações   individuais   que   possam   ter”   (DURKHEIN, 1974, p. 11).

Contudo, o conceito durkheimiano limita as representações às ações coletivas, deixando as ações individuais em segundo plano. Partindo desse pressuposto, Moscovici acrescenta outros fenômenos ao campo de estudo das representações coletivas na tentativa de promover uma comunicação dialética entre indivíduo e sociedade, estabelecendo então as chamadas representações sociais. Moscovici não despreza a perspectiva individual e a articula com as experiências e visão de mundo, geradas pelo todo social. As representações coletivas são tidas como elementos explicativos em si mesmos, em contrapartida, as representações sociais são encaradas como fenômenos que se referem a sociedades modernas, mais complexas (SÁ, 2002).

Uma das maneiras do indivíduo se apropriar dos aspectos da realidade seria via representação social, compreendida então como "um conjunto de conceitos, afirmações e explicações originário na vida diária no curso de comunicações interindividuais” (MOSCOVICI 1981, p.181). Na mesma linha, Jodelet constrói o mais popularizado conceito da Teoria, em que as representações   sociais   são   caracterizadas   como   “[...] uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada que têm um objetivo prático e  concorre  para  a  construção  de  uma  realidade  comum  a  um  conjunto  social”.   (JODELET, 1989, p. 43).

Para que um fenômeno se torne uma representação social é preciso que ele seja objeto de discussão de grupos, gere estranheza ou incômodo. A violência contra o docente se acomoda nessas características e por isso é tomada como objeto de representação social, uma vez que mexe com o cotidiano e a intimidade das pessoas. Menin, Shimizu e Lima (2009, p.555) explicam que:

Um objeto de representação social é, necessariamente, um objeto de relevância   ou   “força”   social   para   um   grupo   de   sujeitos,   de   modo   a   provocar a construção das representações em torno de si, e isso não ocorre com qualquer objeto.

As representações sociais compreendem desta forma, uma modalidade de conhecimento particular que objetiva a elaboração de comportamentos e a comunicação entre indivíduos, visto que elas envolvem ao mesmo tempo os estímulos e as respostas a determinado objeto ou fato social. Por conseguinte, essas representações possuem quatro funções essenciais que abrangem toda essa dimensão de significação e ressignificação social: a função de saber, de explicar e compreender a realidade; a função identitária, que define e garante a identidade permitindo a especificidade do grupo; a função de orientação, guiando comportamentos e práticas, prescrevendo comportamentos obrigatórios e regras sociais; e a função justificatória, permitindo justificar as tomadas de posição de determinado indivíduo ou grupo social (SÁ, 2002). Moscovici ainda esclarece o que os estudos sobre as representações sociais podem ser capazes de apreender:

Como as idéias são transmitidas de geração para geração e comunicadas de um indivíduo a outro? Por que elas mudam o modo de pensar e de agir das pessoas até tornar-se parte integrante de suas vidas? (MOSCOVICI, 1991, p. 77)

Compreendendo, portanto a TRS como uma grande teoria, capaz de embasar conceitos indispensáveis para a apreensão dos questionamentos feitos acima por Moscovici, os estudos sobre as representações sociais despontam para paradigmas diferentes, que tomam forma à medida que pesquisadores as particularizam em prol de determinados fins e objetivos. Sá (2002) sugere três correntes provenientes dos estudos que tomaram como base a original Teoria das Representações Sociais, essas correntes se

desdobram em diferentes perspectivas: uma que se aproxima a aspectos antropológicos, considerada mais próxima a TRS original proposta por Moscovici, liderada por Denise Jodelet, difundida a partir de sua pesquisa sobre a loucura. A segunda corrente liderada por Willem Doise (1990) que articula a teoria a uma perspectiva sociológica, enfatizando o contexto e a reprodução da construção da representação num enfoque societal. E a terceira corrente representada por Jean-Claude Abric (1998), chamada Teoria do Núcleo Central, constitui-se como uma teoria complementar à TRS de Moscovici. Esta dá ênfase à estrutura cognitivo-estrutural das representações.

Denise Jodelet (1989) apresenta sua pesquisa sobre a representação da loucura à luz da teoria moscoviciana, que consagra a autora como quem melhor traduz, replica e dá continuidade a obra de Moscovici. Em busca de entender  a  questão  “...  como as representações sociais da loucura explicam a relação com o doente mental, figura da alteridade?" Jodelet revoluciona em termos de perspectiva metodológica, a teoria original das representações sociais através de um enfoque processual. Ela utiliza uma metodologia de cunho antropológico, adentrando em uma pequena comunidade francesa que tinha culturalmente o hábito de receber doentes mentais como hóspedes.

Na Universidade de Genebra, o grupo de Willem Doise centra seus estudos numa perspectiva societal da Teoria das Representações Sociais, analisando as condições de produção e circulação dessas representações nas relações intergrupais. Segundo Almeida (2009), as pesquisas lideradas por esse grupo procuram articular as representações com o estudo das relações entre grupos, por meio de uma perspectiva sociológica. Integrando na mesma análise, os modos de funcionamento da sociedade e do indivíduo, Doise (1990) dá ênfase aos aspectos divergentes do campo representacional, derivados de tomadas de posição particulares dos indivíduos nas relações sociais.

Na perspectiva teórica de Abric (1998), a representação identificada será uma representação individualmente partilhada entre os sujeitos do grupo, a partir de elementos comuns. Esses elementos padronizados são constituintes do núcleo central da representação. Com base nessas afirmações, Abric desenvolve uma teoria complementar chamada de Teoria do Núcleo Central,

desenvolvida pelo grupo Midi em Aix em Provence, na França. O grupo tem tido como objetivo identificar a constituição das representações sociais através do seu conteúdo e estrutura, para compreender assim o seu funcionamento. A abordagem estrutural da representação será retomada mais a frente, já que é adotada como referente teórico-metodológico para esta investigação.