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1 Nossa aproximação ao fenômeno relacional

1.2 A gênese da problemática

1.3.3 Relacionamento marca-consumidor: fenômeno interpessoal

1.3.4.1 Origens do relacionamento parassocial

Inicialmente introduzido por Horton e Wohl, em 1956, o fenômeno relacionamento parassocial objetiva compreender as relações existentes entre uma persona (personalidade de mídia) e o outro (sua audiência). As relações parassociais só podem ocorrer quando os sujeitos (consumidores) interagem com a representação mediada (funcionário) de uma persona (Ronald McDonalds, marca e mito) como se ela estivesse ali presente durante a interação (ISOTALUS, 1998; PAPA et al., 2000; WONG e FORTIN, 2000). Dessa forma, os

sujeitos se comportariam como se estivessem interagindo com a fonte, quando de fato eles estão apenas se relacionando com o meio (representação mediada da persona) (NASS e

SUNDAR, 1994; TURNER, 1993).

Diante disso, no seu cerne, essas interações simulariam uma relação interpessoal face a face, pois sua dinâmica relacional é “análoga” à dos relacionamentos entre pessoas. Os sujeitos nela envolvidos intencionariam os seus relacionamentos com a persona como um

convívio cotidiano entre duas pessoas (GUMMENSON, 2002; HORTON e WOHL, 1956;

ISOTALUS, 1998; SKUMANICH e KINTSFATHER, 1998).

Embora seja recente, o fenômeno relacional parassocial tem sido investigado sob diversas perspectivas, seja através das relações televisão-telespectador (AUTER, 1992; GRANT

et al., 1991; LEVY, 1979; RUBIN, PERSE e POWELL, 1985; SKUMANICH e KINTSFATHER,

1993), marca-consumidor (DALL´OMO RILEY e DE CHERNATONY, 2000; GUMMENSON, 2002;

SWEENEY e CHEW, 2002) e computador-usuário (NASS e SUNDAR, 1994; WONG e FORTIN,

2000).

Nesse sentido, gerou-se nesse campo de estudo uma polissemia conceitual, pois conforme pode ser observado, esse fenômeno vem sendo referido na literatura parassocial como as relações que criam, notadamente: a ilusão do relacionamento face a face (HORTON e

WOHL, 1956); a ilusão dos relacionamentos interpessoais (WATSON e HILL, 1984); uma

comunicação interpessoal simulada por uma mídia (CATHCART e GUMPERT, 1983); uma

pseudo-interação (HANSEN, 1988); uma relação social imaginária (ALPERSTEIN, 1991); uma

quase-amizade (KOENIG e LESSAN, 1985), uma pseudo-amizade (PERSE, 1990). De todas

essas possíveis formas de se conceituar tal fenômeno, nós iremos adotar a perspectiva proposta por Cathcart e Gumpert (1983), a qual considera que o relacionamento parassocial cria o simulacro31 de uma relação interpessoal.

Estamos considerando a visão de mundo do simulacro, pois para nós a relação parassocial é apercebida pelos parceiros como real e não imaginária, tampouco ilusória. Outrossim, esse relacionamento não consiste de um erro de percepção ou de entendimento

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O simulacro é verdadeiro, ou seja, ele é real, pois não se trata de uma “realidade” ilusória ou falsa. Assim, ao criar uma realidade (artificial), o simulacro não objetiva apenas substituir o real pelo próprio real, mas fazer com que aqueles que dele participem o intencionem como a realidade que dispõem naquele tempo-espaço. Portanto, o simulacro ameça a diferença entre real e imaginário, verdadeiro e falso, à medida que as pessoas inseridas no mesmo não conseguem ou não desejam apercebê-lo como uma representação da realidade. O simulacro, então, é oposto a representação, pois ela tende a ser um reflexo deturpado do “real”, ou seja, enquanto a representação utiliza-se de mecanismos para construir algo que represente uma determinada realidade, o simulacro não visa representar nada, pois ele é a própria realidade (BAUDRILLARD, 1988).

(ou até mesmo não visa iludir) dos parceiros relacionais. Também não se trata de uma (falsa) pseudo-interação/amizade, haja vista que a interação não é falsa, ela existe e é real [verdadeira] na percepção dos parceiros (BAUDRILLARD, 1988; CATHCART e GUMPERT, 1983;

TURNER, 1993). Por exemplo, o outro (telespectador) pode intentar uma personalidade

mediada como um amigo íntimo, que irá encontrar todos os dias naquele determinado horário, e não como um pseudo-amigo.

A existência desse simulacro deve-se ao fato de que, embora o outro esteja “incapacitado” de interagir “diretamente” com a persona, devido à falta de reciprocidade efetiva existente entre eles, nada impede que ele possa engajar-se em uma relação com ela. O outro pode perceber (conscientemente ou não) a experiência de conviver com a persona como “real”, chegando a firmar laços de intimidade com ela (similares às interações entre velhos amigos). Esses laços poderão incluir algumas características de “reais” relacionamentos interpessoais face a face (ISOTALUS, 1998).

Esse simulacro relacional propiciado através de formas mediadas de interação possibilita ao sujeito a fantasia de estar “realmente” conversando de forma privada e pessoal com a persona em questão (NASS e SUNDAR, 1994), propiciando ao mesmo tempo uma

“intimidade à distância” (WONG e FORTIN, 2000). Essa estrutura de fantasia, nos

relacionamentos parassociais, proporciona que os mundos do fato e da ficção se encontrem (HORTON e WOHL, 1956; SKUMANICH e KINTSFATHER, 1998). De fato, o sujeito está tão

imbricado (envolvido) na interação que não consegue discernir o que é “real” do que é “ficcional”. Esses relacionamentos “transportam” os seres humanos do mundo “real” para o “ficcional”. Mundo esse que é composto por “marionetes” antropomorfizados em “personalidades”, as quais são intencionadas pelos sujeitos como “reais”. Por exemplo, no caso das novelas brasileiras, alguns telespectadores se envolvem tanto com a trama delas, que, ao se depararem na vida “real” com o ator, por não conseguirem distinguí-lo da persona

que ele representa, eles chegam a hostilizá-lo ou idolatrá-lo, ignorando as limitações da representação mediada, confundindo o ator com a sua personagem.

Todavia, da maneira como vislumbramos esse fenômeno, essa simulação não propicia uma dinâmica dialógica intersubjetiva (i.e., comunicação dialógica discursiva)32 comum entre os sujeitos de um relacionamento interpessoal (ISOTALUS, 1998; PAPA et al., 2000). Nas

relações parassociais, pelo fato da interação entre os parceiros ser mediada, quase não há essa comunicação dialógica entre eles. Essa interação, portanto, é quase que estática, posto que a construção do mundo em que a relação irá ocorrer é preponderantemente uma criação da persona. Com isso, cabe ao outro a decisão de aceitá-lo ou não, bem como a de participar nesse mundo pré-moldado.

Ao concordar em ingressar nesse mundo, o outro se torna apenas um “observador passivo”, o qual só assume sua “condição ativa” quando “a estrutura por detrás da persona” (i.e., EP) ou a persona lhes solicita isso (ALPERSTEIN, 1991; AUTER, 1992; GRANT,GUTHRIE

e BALL-ROKEACH, 1991). Como podemos notar, a relação parassocial é assimétrica, tendendo

para o lado da persona. Nesse sentido, o poder da relação é estabelecido quase que exclusivamente pela “EP”, que se adapta às demandas dos outros através das respostas “atrasadas” que eles fornecem ao que lhes é “imposto”33. Então, o ajuste de ambos os parceiros, quando ocorre, é realizado com “atraso” devido à relação não ser suscetível de desenvolvimento mútuo, uma vez que ela é unilateral/monológica (HORTON e WOHL, 1956;

ISOTALUS, 1984; SKUMANICH e KITSFATHER, 1998).

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A comunicação dialógica é aquela em que ambos os parceiros são interdependentes e se influenciam de forma mútua através de um processo de comunicação consensual. Assim, o outro é apreendido pelo sujeito (e vice- versa) num vivido partilhado pelos dois (nós), de forma que ambos constroem conjuntamente (i.e. de forma instantânea e consensual) a realidade (i.e. a instituição) da relação (BERGER E LUCKMANN, 2002).

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Vários são os estudiosos (e.g., BAUDRILLARD, 2002; HORKHEIMER eADORNO, 2000) que versam sobre essa condição passiva (alienada) que o outro assume na sociedade de consumo, a ponto da realidade lhe ser imposta. Nessa perspectiva, a liberdade dessa estrutura (se é que existe) seria apenas a de escolher aquilo que é formato e ofertado pela cultura do consumo. Todavia, alguns autores (e.g., BINKLEY,2003;SLATER,2002) consideram que as pessoas podem se emancipar dessa sociedade por intermédio de movimentos sociais.

Por conta disso, acreditamos que há a “morte” da comunicação dialógica discursiva e, por conseguinte, da construção (instantânea e consensual) conjunta da instituição relacionamento [realidade], surgindo assim em seu lugar uma intersubjetividade “simulada”, a qual é construída pela persona no intuito de propiciar ao outro a sensação de uma relação interpessoal face a face (BAUDRILLARD, 1988; LEVY, 1979; NASS e SUNDAR, 1994; RUBIN,

PERSE e POWELL, 1985).

Compreendido que os relacionamentos parassociais são simulações das relações interpessoais, podemos afirmar que as relações primeiras são “análogas” às últimas, pois possuem praticamente as “mesmas” bases tipificadoras. Dito isso, no intuito de legitimar essa sentença, iremos tratar rapidamente da dinâmica de cada uma dessas relações, de modo que se possa notar as similaridades e diferenças existentes entre elas.

Conforme já foi explanado, toda e qualquer relação interpessoal só poderá existir caso seja composta de pelo menos duas partes (seres humanos) distintas que interajam entre si. Baseado nesse pressuposto, entendemos que em essência os relacionamentos interpessoais são compostos por díades. Isso nos impossibilitaria, enquanto membros da relação diádica, sermos descritos como alguém só (um “ser” solipsista), existindo em um ambiente impessoal, mas sim, que deveríamos ser representados como pertencentes a uma interação com o outro (DWYER, 2000; HEIDER, 1958). Portanto, nas relações interpessoais, conforme Figura 1 (1),

as interações e a comunicação entre os parceiros ocorrem através de dinâmica comunicacional dialógica e de reciprocidade. Os sujeitos A e B interagem diretamente um com o outro. Mesmo que haja uma mediação entre eles, o relacionamento não pode ser intencionado como parassocial, pois durante a interação os sujeitos não estariam sendo representados por (ou representando) ninguém, a não ser seus próprios “eus” [“seres”]. Essa interação direta possibilita A acessar em B a totalidade de sua subjetividade, e vice-versa. Por

conseguinte, tal condição permite que os parceiros relacionais se adaptem as suas demandas durante a dinâmica relacional (cf. BERGER e LUCKMANN, 2002; BLACKSTON, 1993).

Figura 1 (1) – Ilustração de um relacionamento interpessoal (A = Sujeito e B = Sujeito)

Fonte: Adaptado de Isotalus (1998)

No entanto, se a relação entre esses dois sujeitos for intercedida por algo (ou alguém) que seja apercebido por ambos como a representação mediada (e.g., um amigo) deles, o relacionamento sob essa configuração torna-se parassocial. Por exemplo, digamos que B contrate um advogado X que vá representá-lo em um acordo judicial com A. Nessa interação, o sujeito A estaria se relacionando com a representação mediada de B, no caso X (meio), intencionando estar se relacionando com a pessoa de B.

Assim como nas relações interpessoais, os relacionamentos parassociais são compostos de pelo menos duas partes34 que interagem “diretamente”, a saber: a persona ou personalidade mediada e o outro (HORTON e WOHL, 1956; WONG e FORTIN, 2000). Como

podemos verificar na Figura 2 (1), a qual exemplifica um relacionamento parassocial entre dois parceiros, a interação entre P (persona) e B (outro) é uma relação mediada. Ou seja, P não interage diretamente com B, mas sim com o meio que representa a persona. Esse meio é que irá interagir com B em nome da persona. O mesmo pensamento pode ser aplicado a B em relação a P. Como não há interação direta entre as partes, as respostas às demandas de ambas sofre um atraso. Esse atraso ocorre devido à falta de interação “em tempo real” entre

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Gostaríamos de salientar que os relacionamentos parassociais, assim como os interpessoais, podem ser encontrados em configurações de rede. Para maiores detalhes, veja-se o texto Television Performance as

Interaction da autora Pekka Isotalus, publicado no Nordicom Review em 1998.

Comunicação

Relacionamento

Atraso na resposta Comunicação

B

Meio

P

ambos os parceiros da relação parassocial, pois eles necessitam de tempo maior de espera para se ajustar às demandas requeridas do relacionamento.

Figura 2 (1) – Ilustração de um Relacionamento Parassocial (P = Persona e B = Outro)

Fonte: Adaptado de Isotalus (1998)

Assim, apesar das relações parassocial e interpessoal serem “análogas”, as primeiras possuem certas peculiaridades que diferenciam as maneiras pelas quais os sujeitos relacionais (i.e., a persona e o consumidor) interagem. E é justamente sobre essas peculiaridades que iremos nos deter na seção que segue abaixo.

1.3.4.2 A importância dos papéis desempenhados pelas partes do

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