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3 ASPECTOS TÉCNICOS E INTERPRETATIVOS DA SONATA OP 6

3.2 Segundo movimento

3.2.1 Seção A

3.2.1.3 Ornamentos

Os ornamentos aparecem numa forma curta, mordente, oferecendo uma contribuição para o caráter scherzando. Observamos dois modelos de ornamentos que aparecem ao longo do scherzo.

Ex. 51: Compassos 1 ao 3, segundo movimento da Sonata Op. 36, edição Mihajlovic.

Ex. 52: Compassos 30 ao 34, segundo movimento da Sonata Op. 36, edição Mihajlovic.

O primeiro modelo (Ex. 51) é somente uma appoggiatura breve representada por uma colcheia pequena com um traço oblíquo sobre a sua haste. Sugerimos que seja interpretado com posicionamento dos dois dedos ao mesmo tempo na corda. Desse modo, retiramos rapidamente da corda o dedo correspondente à nota da appoggiatura, pois a articulação da mão direita em spiccato não se altera. A partir do compasso 19 (Ex. 52) encontramos um segundo modelo de ornamento, o trinado rápido, anotado com marcação tr. Esse trinado exerce uma função melódica, e encontra-se numa ligadura que corresponde à mudança de articulação na subseção b do scherzo. Essa ligadura permite uma interpretação do trinado com duas batidas de dedo, por exemplo, ainda num tempo sucinto. A concentração de várias batidas em tempo curto é denominada trinado mordente (FLESCH, 2000, p. 31).16 Um auxílio de mão direita, aumentando a velocidade do arco na ligadura, auxilia na obtenção de um trinado mais ágil. Segundo Flesch (2000, p. 31),17 a utilização de um acento enérgico do arco

é importante para realizar um trinado mordente; ele explica que esse acento dobra a velocidade de movimento do trinado mordente.

16 FLESCH (2000, p. 31). The compression of many beats of a trill into a very short period of time is called a “mordent trill”.

17 FLESCH (2000, p. 31). The use of a strong bow accent is important for the mordent…using a sharp bow accent nearly doubles the speed of the trill motion in a mordent.

Para a realização dos trinados, nossa edição não procurou evitar o quarto dedo na escolha dos dedilhados, embora Flesch (2000, p. 127) comente que, para trinados, o quarto dedo é utilizado somente em situações de necessidade, enquanto o segundo e o terceiro dedo são os mais adequados.

3.2.1.4 Organização rítmica

Cabe observar que no manuscrito HO2 consta a seção A em compasso 3/8 e a seção B com a indicação de piu calmo, diferente, portanto, dos demais manuscritos nos quais constam A em compasso 3/4 e B com indicação piu moderato (quasi andante).

Consultando a edição de Alcântara (2005) encontramos na parte do violino uma notação que agrupa as colcheias em pares.

Ex. 53: Compassos 1 ao 4, segundo movimento da Sonata Op. 36 (ALCÂNTARA, 2005, p. 384).

Ex. 54: Compassos 1 ao 3, segundo movimento da Sonata Op. 36 (manuscrito HO1, 1908).

Nos manuscritos encontramos um agrupamento diferente, que pode ser chamado de irregular. Decidimos seguir esse modelo e adotá-lo em nossa edição de performance. A escrita chama a atenção para a organização rítmica. Tendo em vista uma métrica regular, compasso em 3/4, um agrupamento variável evoca um ritmo escondido, como se o trecho dos compassos 1 ao 3 fosse construído por compassos mistos 3+2+4. Longyear (1969, p. 289 e

290) explica que no romantismo musical podemos encontrar misturas de organização rítmica e utilização de síncopes e acentos em lugares inesperados. Os acentos em forma de ornamentos provocam uma alteração na subdivisão interna dos compassos. Para nós, essas técnicas composicionais contribuem para o caráter de scherzo (scherzando-brincadeira).

Ex. 55: Compassos 1 ao 3, segundo movimento da Sonata Op. 36, edição Mihajlovic.

3.2.2 Seção B

A seção B deste movimento, que compreende os compassos 57 ao 96, caracteriza-se pela indicação legatissimo. Focamos em maneiras de exagerar no legato, conectando ao máximo as notas dentro da mesma ligadura. Esta articulação, caráter musical e andamento piú

moderato (quasi andante) contrastam à seção A.

O compositor emprega a textura melódica escalar com apoio harmônico em Ré bemol maior na parte do piano realizado em semínimas, ligando dois e dois compassos; também explora a região média do violino, o que exige do intérprete o cuidado em dosar gradações dentro da intensidade suave.

Preferimos iniciar o segmento na corda Ré (c. 57), destacando, assim, a dinâmica suave pp num timbre delicado com pouca quantidade de crinas. Para conseguir uma linha melódica homogênea e evitar a troca de corda utilizamos o dedilhado, que começa na quarta posição e segue de uma maneira que torna possível manter-se na corda Ré. No compasso 61 inicia-se um crescendo, que não deve se distanciar muito da dinâmica geral, que pode ser utilizado como maneira de destacar o fraseado. Ainda nos mantemos na metade superior do arco, e destacamos essa mudança de dinâmica com a divisão da arcada (c. 62 e 63).

O objetivo na interpretação desse trecho é conseguir um legato sem que as trocas do arco se tornem perceptíveis, evitando, assim, evidenciar a divisão de 4+4 notas na frase. No manuscrito HO1 não se encontra nenhuma indicação da ligadura na parte do violino, porém nos outros manuscritos (HO2, SOA1, SOA2 e SOA3) encontramos ideia de arcada similar à decisão dessa edição. A dificuldade do legato está, basicamente, na troca do arco e na mudança de corda durante a ligadura. Salles (2004, p. 57) sugere que trocas de cordas devem ser executadas de forma gradual, aproximando o arco da nova corda antes da mudança. Flesch

(2000, p. 47)18 relata que para boas mudanças de corda os movimentos de ombro, antebraço e punho não devem ser maiores do que o necessário, e, preferencialmente, pensados em forma de ondas, nunca angulares.

Na transição para seção do meio do trio (c. 72-73) encontramos uma situação que exige um bom controle de dinâmica e do arco. Realizamos o crescendo no final do compasso 72 com arco para cima, e logo no compasso 73 temos um pp. Essa mudança de dinâmica pede que imediatamente mudemos o ponto de contato do arco, indo mais próximo do espelho, e que se reduza a quantidade de crinas. Esse momento separa a seção modulatória e, naturalmente, requer uma respiração-vírgula.

Ex. 56: Compassos 71 ao 73, segundo movimento da Sonata Op. 36, edição Mihajlovic.

Concomitante à movimentação fluída da mão direita no trio, a mão esquerda deve manter um vibrato contínuo, com o objetivo de colorir o timbre. Acompanhando pequenos

crescendos, o vibrato pode ser interpretado com mais intensidade (c. 62) ou até mesmo

desaparecer para conseguirmos um caráter misterioso (c. 73).

Os aspectos discutidos neste capítulo são importantes para a interpretação do segundo movimento da Sonata Op. 36 de Henrique Oswald. Para concluir as nossas observações, adicionamos que a expressão geral evoca leveza, e caráter descontraído de scherzo pede precisão rítmica.

18FLESCH (2004, p. 47). It is clear that to produce good string changes, the movements of shoulder, forearm and wrist connected with it, should be no larger than necessary. These movements must be “wavy” and not angular.

3.3 Terceiro movimento

3.3.1 Visão analítica

O terceiro movimento da Sonata Op. 36 de Henrique Oswald tem como características o predomínio da melodia e a expressividade, valorizadas pela riqueza da harmonia, que tem como centro de referências a tonalidade de Dó menor nas seções externas. É o único movimento lento da sonata, na qual predomina a harmonia tonal, refinada e rica, com nítida influência franckiana. A coloração harmônica favorece a atmosfera meditativa e introspectiva do início e do fim do movimento; já na seção central o compositor utiliza elementos que enfatizam o caráter dramático.

A forma do movimento é ternária (A-B-A1), a forma lied,19 e percebe-se uma preocupação com certa quadratura formal, isto é, a subdivisão das frases musicais em fragmentos regulares, geralmente de oito em oito compassos. De acordo com Borem (1993, p. 43), na Sonata Op. 21 de Oswald para violoncelo e piano também encontramos predominância da estrutura de frases de quatro e períodos de oito compassos. Na Sonata Op. 36, além do andamento lento, os procedimentos harmônicos utilizados podem contribuir para que essa quadratura não seja tão evidente para o ouvinte. No segundo movimento dessa sonata a quadratura é mais evidente, e Oswald quebra essa percepção através da irregularidade das frases e dos motivos empregados.

A c.1-16 Transição c.17-20 B a c.21-28 b c.29-55 a1 c.56-63 Transição c.63-71 A1 c.72-fim

Tabela 6: Plano estrutural do terceiro movimento da Sonata Op. 36.

Na seção A (c. 1-16) observa-se o predomínio da textura homofônica sem expansão tonal. O movimento inicia com atmosfera íntima e dinâmica suave, formando frases em arco, enquanto a dinâmica da frase completa varia de pp até o f. O segmento é construído como um

período de 16 compassos, contendo duas frases de oito compassos; cada frase é construída por duas semifrases de quatro compassos, formando uma quadratura perfeita. A melodia é apresentada pelo violino, enquanto o piano estabelece apoio harmônico para as

appoggiaturas, que apresentam a característica da frase inicial e retardam a resolução da nota.

A segunda frase mostra detalhes contrapontísticos em virtude dos motivos em imitação (c. 9- 12) apresentados por uma pequena movimentação rítmica com melodia descendente. Oswald destaca a importância desse motivo pontuado utilizando-o para concluir a seção A (c. 16). Tanto frases em arco, quanto uso de appoggiaturas são características da música romântica. O violino conduz a frase formando gradualmente um crescendo até o compasso 9, no qual apresenta a culminação da frase na parte do violino. Em seguida, a condução da frase encontra-se na linha descendente, voltando para a região grave. A última semifrase (c. 13-16) possui estabilidade harmônica e finaliza a seção A em Dó menor.

Ex. 57: Compassos 5 ao 16, terceiro movimento da Sonata Op. 36 (ALCÂNTARA, 2005, p. 355).

Do compasso 17 ao 20 a transição é feita com motivos do tema da seção A. Nesse trecho, o procedimento de deslocamento da tonalidade pode ser visto como uma característica

franckiana. Esse tipo de harmonia com semelhante material melódico encontra-se no tema principal da primeira seção da obra para órgão Pièce Heroïque, de C. Franck (c. 14 e 16). A ideia composicional tem os mesmos deslocamentos de tonalidade em apregio.

Ex. 58: Compassos 17 ao 20, terceiro movimento da Sonata Op. 36 (ALCÂNTARA, 2005, p. 356).

Ex. 59: Compassos 10 ao 19, Pièce Heroïque para órgão de César Franck (Durand, Schoenwerk & Cie Publisher).

A seção B é responsável pelo desenvolvimento, no qual o compositor alcança distâncias harmônicas consideráveis e tem material temático próprio, que afeta sobretudo a ampliação do plano tonal. Na obra Fantaisie, de Cesar Franck, também para órgão, encontramos mais uma possível influência e semelhança no material temático a partir de compasso 47 (semelhante à melodia do terceiro movimento a partir de c. 21).

Ex. 60: Compassos 17 ao 25, terceiro movimento da Sonata Op. 36 (ALCÂNTARA, 2005, p. 356).

Ex. 61: Compassos 44 ao 51, Fantaisie para órgão de César Franck (Durand, Schoenwerk & Cie Publisher).

A seção de desenvolvimento é construída por três segmentos: a-b-a1. A primeira seção, a, inicia no compasso 21 em Lá bemol♭maior e se estende até o compasso 28, finalizando em Mi bemol♭maior. O violino conduz a melodia com dinâmica sutil e a estende até o registro agudo, enquanto o piano acompanha em ritmo sincopado. A próxima seção de desenvolvimento, b, inicia no compasso 29 pelo piano, com material temático na mão esquerda e semicolcheias na mão direita, e traz uma intranquilidade ao tema. Nessa seção o

tratamento do piano contribui para uma expansão harmônica maior. Os acordes mais densos e acentuados (c. 33-36) expõem a tonalidade afastada, que é Sol bemol maior.

Ex. 62: Compassos 33 ao 36, terceiro movimento da Sonata Op. 36 (ALCÂNTARA, 2005, p. 357).

A seção de desenvolvimento contrasta com a seção A em diversos elementos musicais, como, por exemplo, na utilização, por parte do compositor, de densidade dinâmica, riqueza harmônica, agitação rítmica e articulação precisa, para criar um caráter dramático e expressivo.

A partir do compasso 50, o violino retorna à região grave, enquanto o piano realiza passagem cadente, direcionando ritenuto e preparando repetição da primeira frase de desenvolvimento (c. 56).

O tema principal da seção B ressurge no compasso 56 e termina no compasso 63. Esse trecho denominamos como a1.

Uma transição (c. 63-71) conclui a seção B e introduz o clima meditativo da reexposição na seção A1.

O terceiro movimento finaliza explorando a região grave nos últimos seis compassos, confirmando a tônica.

3.2.2 Visão interpretativa

Quanto aos detalhes violinísticos, o compositor explora em geral a região média do violino, chegando no máximo até o registro agudo na quinta posição na corda Mi. Os elementos que podem fazer diferença na interpretação são a habilidade de levar melodia à culminação e os destaques de variações de timbre. Os meios, tais como tipo de vibrato, utilização desigual de quantidade de crina e alterações do ponto de contato do arco com a corda tornam a escolha do timbre ponto essencial para a definição do sentido musical deste movimento.

A macroestrutura da dinâmica do terceiro movimento apresenta uma progressão que começa em pp, num caráter calmo e timbre escuro, tendo como centro tonal o Dó menor. Na parte central evolui em intensidade e expressividade e volta para o caráter inicial. Nesse circuito, a personalidade do intérprete é responsável por diferenciar caracteres e atribuir energia e vivacidade. Em relação a isso, plenamente concordamos com relato de Flesch20 (2000, p. 21), que afirma: “se o objetivo do nosso empenho violinístico e artístico é uma performance com plena realização das afeições que a música evoca, o vibrato é um dos elementos mais importantes para alcançar este intuito”.

Embora, aparentemente, o terceiro movimento não exija grande domínio técnico, ele requer controle e entendimento da utilização de vibrato, para os quais são necessários conhecimento profundo e maestria violinística. Flesch21 (2000, p. 20) destaca que um dos maiores problemas estéticos na interpretação violinística é a utilização de vibrato com bom gosto.

20 FLESCH (2000, p. 21): “If we consider that the goal of our violinistic-artistic endeavors is the complete realization of the feelings which a particular piece of music evokes in us, the vibrato is one of the most important means of achieving this end”.

21 FLESCH (2000, p. 20): “Tasteful application of vibrato is one of the most difficult aesthetic problems of violin playing”.

Desde os compassos iniciais podemos variar o vibrato em função da expressão do fraseado. O motivo introdutório com appoggiatura da primeira semifrase da seção A pode ser interpretado com vibrato lento de pouca amplitude. Esse motivo evolui com ondulação dinâmica e alteração harmônica, e podemos gradualmente acompanhar com um vibrato mais caloroso. Sugerimos uma alteração de dedilhado na segunda apresentação do motivo (c. 2), o que pode contribuir para variar a intensidade devido à anatomia de cada dedo, resultando numa sonoridade diferente em contato com a corda. Além do vibrato, a quantidade de crina utilizadas contribui para um caráter íntimo. Esse intuito nos leva a posicionar o arco sobre o espelho (sul tasto) para buscar um timbre mais doce e uma sonoridade suave, com caráter reflexivo e melancólico. Borgeth (1940, p. 14) relata sobre a relação entre o sul tasto e a dinâmica pianissimo: “Esse timbre, importante sem dúvida na execução do violino como instrumento solista, é porém, muito mais usado na música de câmara e sinfônica, pela sua estreita relação com a dinâmica”.

No terceiro compasso exploramos o vibrato com pouca amplitude, aumentando sutilmente a sua intensidade, com objetivo de destacar a nota Dó com o quarto dedo.

Ex. 64: Compassos 1 ao 3, terceiro movimento da Sonata Op. 36, edição Mihajlovic.

Conduzindo a frase para o compasso 9, sucessivamente aumentamos a vivacidade do

vibrato, tornando-o mais ativo, para que nos compassos 9 e 10 mostremos a culminação com

energia e afeto. A mão direita acompanha esta gradação de fraseado, aumentando a quantidade de crina utilizadas e adicionando tensão maior de arco sob a corda.

Voltando para a região grave (a partir de c. 9) gradualmente diminuímos a intensidade de ambas as mãos, retornando para um timbre mais escuro (c. 12-14) e nostálgico (c. 15 e 16). Na seção central, em virtude da maior participação do piano, as harmonias se tornam mais densas e pedem constante uso do vibrato contínuo. A elaboração da textura na parte do piano exige uma participação ativa do violinista, tendo em vista que a melodia não evolui para um registro extremamente agudo, permanecendo na região média-alta. Observamos que no compasso 25 (correspondente ao compasso 60) a melodia do violino atinge o registro mais agudo do movimento. As duas mãos podem realizar acentos com afeto de maneira simultânea, utilizando o impulso da mão direita e o vibrato enérgico da mão esquerda (c. 25 e 26).

Ex. 66: Compassos 25 e 26, terceiro movimento da Sonata Op. 36, edição Mihajlovic.

O fraseado da seção central é gradualmente direcionado à culminação, a qual é indicada com a dinâmica ff (c. 47). Os papéis, tanto do violino, quanto do piano, são igualmente importantes nesta progressão. A partir de compasso 33, a linha do piano encontra- se no registro mais agudo, comparando com a melodia violinística. Esse ponto exige que o intérprete-violinista utilize auxílios adicionais para beneficiar a intensidade, além do vibrato intenso e contínuo. Trata-se da participação da mão direita utilizando todas as crinas com ponto de contato mais próximo ao cavalete. Considera-se importante também a agilidade da mão direita, mantendo movimentos livres a amplos.

Na transição (c. 63-71), o compositor, harmônica e dinamicamente, retorna ao caráter inicial, retomando a sonoridade suave.

Uma sugestão para a interpretação da reexposição da seção A é tocar os compassos iniciais sem vibrato. Nos manuscritos não encontramos ondulações dinâmicas idênticas ao início da seção A, portanto, o caráter musical solicita uma reminiscência ainda mais melancólica e pensativa. Borgeth (1940, p. 14) lembra que “a dinâmica, que diz respeito às variações na intensidade do som, têm uma considerável influência sobre o caráter de uma obra. As diversas nuances de dinâmica são meios poderosos para dar intensidade e expressividade”. Em relação aos últimos seis compassos (c. 88 até o fim) sugerimos o dedilhado, que favorece a sonoridade escura, permanecendo na corda Sol.

Ex. 67: Compassos 85 ao 93, terceiro movimento da Sonata Op. 36, edição Mihajlovic.

Os elementos interpretativos do terceiro movimento exigem uma compreensão das peculiaridades musicais, que são indispensáveis ao intérprete que visa a aperfeiçoar sua performance. Os meios de expressão, tais como vibrato, gradações dinâmicas e utilização de quantidades diferentes de crina, são subsídios que revelam o gosto musical do intérprete e a sua escolha de timbre e fraseado.

3. 4 Quarto movimento

Para finalizar a Sonata Op. 36, Henrique Oswald compôs um movimento com caráter enérgico e brilhante. A frase inicial, com suas repetições ao longo do movimento, evoca o rondó, porém a forma composicional desse movimento se aproxima da rondó-sonata. A forma rondó-sonata tem características tanto de sonata, quanto de rondó, e é muito empregada nas sonatas de Beethoven. A despeito do caráter musical dramático e da linguagem harmônica densa, o movimento se distancia do rondó e assimila a forma sonata.

Grupo temático A a1 c. 1-8 a2 c. 9-17 a3 c. 18-33 a4 c. 34-41 Ponte c. 42-49 B c. 49-95 C c. 95-155 A1 a1 c. 155-162 a2 c. 165-171 a3 c. 172-187 a4 c. 188-196 B1 c. 197-239 Coda c. 240-fim

Tabela 7: Estrutura da forma rondó-sonata do quarto movimento da Sonata Op. 36.

A frase inicial é claramente estabelecida em quatro compassos e marcada com acentos dentro da dinâmica ff. O motivo descendente em semicolcheias na parte do violino surge várias vezes ao longo do movimento, e a apresentação desse motivo é altamente exposta. Para a escolha do dedilhado buscamos equilibrar permanência na corda Mi e clareza na transição. Sugerimos uma transição de sexta para segunda posição. Mantemo-nos na sexta posição nas primeiras três notas (Sol#-Fa#-Ré#) e depois saltamos, na segunda posição, para a nota Si. Por meio de uma nota intermediária propomos aperfeiçoar essa transição de Re# (primeiro dedo) para Si (terceiro dedo). A nota intermediária, neste caso, é o Sol#, que faz parte da

passagem logo em seguida. Flesch (2000, p. 157)22 nos lembra que o uso constante de notas intermediárias nas mudanças de posições é a maneira mais eficiente para conseguirmos um nível satisfatório de segurança técnica. Porém, sempre lembrando que, do ponto de vista estético, as notas intermediárias audíveis são indesejáveis. Para que isso não aconteça, é preciso velocidade e agilidade na maneira de manter a nota intermediária como guia, reduzindo, assim, a aparência sonora.

Ex. 68: Compassos 1 e 2, quarto movimento da Sonata Op. 36, edição Mihajlovic.

A articulação dos compassos 3 e 4 marca o caráter heroico nas colcheias acentuadas, tanto na parte do violino, quanto no piano. O golpe do arco que sugerimos nessa proposta de interpretação é martelé sustentado. De acordo com Galamian (1962, p. 73),23 o martelé

sustentado é um golpe que une um détaché expressivo com ataque de martelé enérgico. Após

semicolcheias no compasso 2, o arco se encontra no meio e, a partir desse ponto, realizamos as colcheias na metade superior do arco. Em seguida, aumentamos gradualmente a quantidade de arco de acordo com a dinâmica crescente.

Ex. 69: Compassos 1 ao 4, quarto movimento da Sonata Op. 36, edição Mihajlovic.

A primeira apresentação temática, a1, termina no compasso 8. A partir de compasso 9, o compositor torna a parte do piano mais agitada elaborando o motivo introdutório em

22 FLESCH (2000, p. 157). Consistent use of intermediate notes in shifts is the most efficient device for achieving a significant degree of tecnical security.

semicolcheias. Embora o compositor utilize material temático do a1, denominamos essa seção como a2, pois o diálogo entre os dois instrumentos deixa a textura mais ágil.

As duas vozes formam um diálogo que começa com procedimento imitativo (c. 9 e 10), e, por fim, se reúnem no compasso 14 para concluir o a2.

Ex. 70: Compassos 5 ao 13, quarto movimento da Sonata Op. 36 (ALCÂNTARA, 2005, p. 361).

Ex. 71: Compassos 14 ao 17, quarto movimento da Sonata Op. 36 (ALCÂNTARA, 2005, p. 362).

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