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Alguns compositores e arranjadores do frevo disponibilizaram sua obra em livros e acervos públicos, com grades completas para consulta. Apesar do rico material ser de fácil acesso, não se registra nestes meios para qual gravação fora feito o arranjo, ou mesmo o ano de sua realização, em alguns casos. Também não se disponibilizam cópias do material original, sendo apenas possível consultá-lo em acervos sob grande proteção, em instituições que zelam por tais arquivos.

Para termos ideia da instrumentação na escrita do frevo, buscou-se partituras que refletissem ao menos como um compositor (e, geralmente, também arranjador) concebera suas composições do gênero. Usaremos partituras encontradas nestes livros e acervos para ilustrar os apontamentos musicais a serem apresentados.

maestro José Menezes93. Embora de publicação recente, o texto introdutório de seu songbook

indica que o mesmo fora montado através da edição digital de arranjos originais. Como primeira gravação deste frevo data do ano de 195094, acreditamos que a partitura selecionada

reflita em sua instrumentação a estética desejada para a música no período (com poucas ressalvas a seguir).

Tendo em vista que a publicação desta edição fora realizada no ano de 2006,

93 Fonte: MENEZES, José. Songbook: Frevos de Rua. Acervo do Centro de Documentação Maestro Guerra- Peixe [Paço do Frevo – Recife, PE].

94 Fonte: CÂMARA, Renato Phaelante da (Org.). 100 Anos de Frevo: Catálogo Discográfico. Recife: CEPE, 2007. 162 p. : il. Através de pesquisa em fontes informais, acreditamos que a gravação tenha sido realizada pela Orquestra do Maestro Zacarias, em disco RCA Victor, a 6 de setembro de 1950, com lançamento em novembro daquele mesmo ano para o carnaval de 1951.

Figura 18 – Grade orquestral de "Freio a Óleo"

acreditamos que a parte de "Harmonia" tenha sido uma adição recente, como uma atualização, visando facilitar a performance de orquestras modernas com naipe de base. A parte de "Bateria", embora cite o nome do instrumento, apenas engloba dois instrumentos da orquestra numa única pauta (caixa e surdo), sendo estes anteriores ao kit de bateria na formação. Entretanto, na época, a bateria já era observada em orquestras da cidade, sendo possível a então denominação da parte para este instrumento específico – mesmo escrita como um resumo de dois instrumentos específicos de percussão.

Outro exemplo deste padrão de escrita pode ser observado no arranjo do maestro Duda para a música Na Crista do Galo, de Luiz Guimarães95:

95 Fonte: GUIMARÃES, Luiz. Frevo na Pauta (Vol. 1). Recife: [S.I.], [200-]. Exemplar disponível no acervo do Centro de Documentação Maestro Guerra-Peixe (Paço do Frevo, Recife – PE).

Figura 19 – Grade orquestral de "Na Crista do Galo"

Não é especificado o ano da composição neste livro, entretanto, o guia discográfico elaborado por Renato Phaelante da Câmara indica o lançamento da primeira gravação do tema no ano de 2000 (CÂMARA, 2007: 118). Dado o período avançado, percebe-se que o baixo (provavelmente elétrico) agora executa a linha melódica mais grave, acompanhada também por cifra, o que indica a intenção de dar liberdade ao instrumentista para improvisar a linha, quando oportuno. A parte de bateria, neste caso, também é constituída pelos mesmos dois instrumentos preexistentes, servindo como guia ao baterista, que tem como única indicação o ritmo a ser tocado: frevo.

Importante observar que não foram encontradas (nem durante a pesquisa, nem durante as atividades profissionais do autor até o presente momento) partituras de orquestras de frevo com partes de bateria propriamente escritas. O baterista de orquestra de frevo na cidade do Recife costuma receber uma espécie de parte-guia, composta pelas partes de caixa e surdo compiladas num único pentagrama, ou, ainda, a partitura destinada ao primeiro trompete (como costumava fazer o maestro Duda em gravações com o baterista Adelson Silva), para que execute as mesmas acentuações escritas para o naipe de metais96.

Este fato, por sua vez, provoca diversos apontamentos. Um deles é o de que tal prática acaba por gerar a falta de material escrito para a seção rítmico-harmônica moderna do frevo, onde apenas o baixo – por adotar inicialmente a linha melódica da tuba – consegue ser grafado nos arranjos de compositores do gênero. Outra perspectiva denunciaria a falta de interesse dos próprios compositores em desenvolver sua escrita musical para a bateria em arranjos para orquestra de frevo, talvez confiando na experiência dos músicos de percussão que migram para o kit moderno, o que, para os maestros, poderia revogar tal "necessidade" de desenvolvimento.

No caso da escrita para guitarra elétrica, guitarristas eram por vezes vistos como maus leitores de partitura (vide exemplo anterior do músico Boneca, mencionado por Heraldo do Monte como um dos únicos guitarristas capazes de ler partitura na cidade de São Paulo na década de 1960). Provavelmente também apoiada nesta estigmatização de músicos populares como maus leitores, a escrita para seção rítmica ainda seja feita de forma semelhante à grafada acima, de forma simplificada, com ataques rítmicos cifrados para os instumentos harmônicos (onde as guitarras se apoiam na percussão para buscar levadas rítmicas, ou atacam em blocos, assim como os teclados, de maneira mais jazzística), e partes de caixa e

surdo como guias compiladas numa parte de bateria. Os músicos destes instrumentos, portanto, tem sido encarregados de encontrar por si próprios os meios de executar os arranjos de forma adequada, apoiando-se em práticas observadas anteriormente ou adotadas pelos seus pares. Isto, contudo, permite que o naipe de base da orquestra de frevo configure-se de forma a estar aberto à experimentação de diferentes práticas, dada a pouca especialização dos arranjadores e compositores "tradicionais" do frevo sobre sua performance.

Acreditamos que uma ferramenta eficaz para uma maior organização neste aspecto tenha sido trazida pelo baixista, arranjador e compositor Marcos Ferreira Mendes (ou Marcos FM, como é mais conhecido em Recife), ao lançar em 2017 seu livro Arranjando Frevo de

Rua97. Em um dos capítulos, o autor aborda a escrita para a seção rítmico-harmônica do frevo, chegando a oferecer três formas de escrita para a bateria no gênero (embora não fique claro um estímulo pela escrita completa do instrumento). A escrita completa para o kit de bateria pode não ser necessária aos músicos de orquestra de frevo da cidade do Recife, sendo a escrita vigente provavelmente mais prática e funcional. Entretanto, o fato desta escrita não ter sido desenvolvida pela grande maioria de compositores e arranjadores do gênero, apenas compilando instrumentos preexistentes ou se utilizando de partes alheias, coloca instrumentos "modernos" de forma extrínseca ao formato "tradicional" – assim como a instrumentação elétrica, compilada de forma simplificada em partes de Harmonia de ataques cifrados, sem uma escrita específica.

Em outro capítulo, dedicado exclusivamente à escrita da tuba no frevo, Marcos Mendes afirma que "o acompanhamento do baixo (elétrico ou acústico) do frevo deve muito à tuba" (MENDES, 2017: 197). São dados diversos exemplos de linhas melódicas feitas para tuba, escritas por compositores de diferentes períodos, onde podem ser observadas nuances semelhantes às presentes posteriormente na performance de baixistas elétricos nas orquestras de frevo pernambucanas. Logo acreditamos que, por motivo de grande identificação de tais linhas com a idiomática do baixo, o instrumento teria se adaptado mais facilmente ao contexto orquestral do frevo, provocando sua rápida inserção em relação aos demais instrumentos da classe elétrica.

Observamos, portanto, que os primeiros instrumentistas de uma seção rítmico- harmônica moderna das orquestras de frevo da cidade do Recife podem ter construído suas formas de acompanhamento do ritmo de forma muito mais individual e experimental que

97 MENDES, Marcos Ferreira. Arranjando Frevo de Rua: dicas úteis para orquestras de diferentes formações. Recife: CEPE, 2017, 262 p. : il.

planejada pelos compositores e arranjadores, tendo em vista a inexperiência destes últimos com a escrita e prática musicais desta seção. Buscamos, portanto, identificar as primeiras práticas de acompanhamento das orquestras de frevo por estes instrumentos, transcrevendo as primeiras gravações encontradas de orquestras do gênero a contar com este tipo de instrumentação.