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CAPÍTULO 4 CONTRA O GOVERNO PROVISÓRIO E O RETORNO AO PAN-

4.3 Os últimos anos

O período de 1940 a 1960 foi significativo para Hélio Lobo porque representou, em meio ao afrouxamento da censura no contexto político interno do país e uma reorganização no plano internacional, sua aposentadoria na carreira diplomática. Embora o recorte cronológico da pesquisa se limite a 1939, seus últimos anos são mais uma oportunidade de conhecer sua visão de mundo, bem como sintetizá-la em meio à sua trajetória.

Após a publicação de O pan-americanismo e o Brasil, Hélio Lobo voltou-se aos trabalhos desenvolvidos pela Organização Internacional do Trabalho, em Genebra, que depois se transferiram para Montreal. Ali Hélio Lobo interessou-se em conhecer a realidade do Canadá, que no seu entender era um país pouco conhecido nos aspectos históricos, sociais e culturais aos brasileiros. Para tanto, podem ser encontradas artigos na imprensa aonde iam surgindo textos relativos ao assunto503.

No tocante à correspondência, chama a atenção uma carta de Hélio Lobo endereçada ao confrade da ABL Levi Carneiro, que também era jurista na área do Direito Internacional. Datada de 4 de julho de 1941, abordava questões relativas às eleições na ABL e os planos para o futuro.

Meu caro Levi Carneiro,

Tive o prazer de receber sua carta de 23 do mês passado e o felicito pela publicação da Revista. Ainda não recebi o número, que bondosamente enviou, mas estou certo de que correspondeu aos fins que V., desejou. Não há nada como a gente andar bem na vida; os escolhos aparecem, por vezes, como nesse caso, mas ao cabo a justiça se faz. [...] Não sei como acha tempo para tanta coisa. O endereço do Ministro

503 No arquivo de Hélio Lobo na ABL, pasta 6 e 7, encontram-se textos avulsos mas sem identificação sobre o Canadá. A única identificação é que são do ano de 1940.

Mangabeira é Hotel Weylin, 54 street and Madison Avenue, New York City U.S.A. [...] Até hoje não sei em que condições se vai travar a eleição da Academia. A secretaria poderia talvez, em condições como as deste pleito, anunciar os candidatos que não residem perto. De qualquer maneira, eu me absteria porque me envergonho, membro obscuro que sou, que se haja reformado o regimento para os fins hoje notórios. E aquilo que Guizot, à propósito de certa época na França: “La servilité est plus grande que la servitude”. Não desejo por isto, que haja segredo sobre minha abstenção. E não há

nela julgamento sobre ninguém. A cada um suas razões. [...] A este propósito não deixe de ler Good Neighbours, de Herring, que nos retrata como uma água forte. Se o não houver por aí, a censura proibirá, enviarei. [...] Quanto à minha colaboração, estou imaginando um artigo sobre o Canadá francês, uma das coisas mais interessantes e surpreendentes que vi em minha vida itinerante. [...] Homenagens à senhora e lembranças a todos os seus. Um abraço de seu amigo, Hélio Lobo504.

Se a situação de Hélio Lobo já era delicada em razão do posicionamento de 1932, ter a correspondência interceptada pela censura do Estado Novo era outro fator que contribuía para a manutenção de seu alijamento da diplomacia.

Várias razões explicavam o fato. A principal delas era a de que a eleição sobre a qual Hélio Lobo criticava na carta referia-se a Getúlio Vargas, que também era bastante próximo de Levi Carneiro, à época, presidente da ABL. Apesar de admitir em texto anterior505 que aquela instituição comportava um poder de atração perceptível na variedade de suas fileiras, Hélio Lobo parecia não concordar com a mudança do sistema eleitoral dali, feita notadamente para aceitar o chefe do Estado Novo. Antes, todos os candidatos deveriam apresentar sua inscrição pessoalmente e com a mudança, poderiam ser feitas indicações desde que os candidatos concordassem posteriormente com o ato.

A ABL procurava integrar em suas fileiras não apenas o presidente Getúlio Vargas, mas o poder e o apoio decorrentes de sua presença naquele espaço. Durante o processo de sua eleição, que alcançou trinta e seis votos entre quarenta disponíveis, a candidatura de José Júlio de Carvalho chegou a ser cancelada pela presidência da academia, ao passo que os demais - Basílio de Magalhães, Menotti del Picchia e Mateus de Oliveira - já haviam desistido por saberem do concorrente vindo do Palácio do Catete506.

Em consequência da discordância de Hélio Lobo manifestada na carta, deu-se o ponto final de sua trajetória diplomática, quando foi aposentado do serviço em razão do artigo 177 da Constituição de 1937 no ano de 1942. O artigo dizia que:

504 Carta de Hélio Lobo a Levi Carneiro, 4 de julho de 1941, Arquivo Getúlio Vargas, CPDOC, série confidencial.

505 LOBO, Hélio. As portas da Academia. La Nación (Argentina), 15 agosto de 1935. Pasta 5, Arquivo da ABL. 506 Faltam estudos sobre o período com foco nas relações do Estado Novo com a ABL. A única referência encontrada foi a dissertação de mestrado de João Paulo Lopes. LOPES, João Paulo. A nação (i)mortal:

Dentro do prazo de sessenta dias, a contar da data desta Constituição, poderão ser aposentados ou reformados de acordo com a legislação em vigor os funcionários civis e militares cujo afastamento se impuser, a juízo exclusivo do Governo, no interesse do serviço público ou por conveniência do regime507.

Em outras palavras, o artigo previa a exclusão do serviço público qualquer servidor que por razões políticas, mascaradas nos termos “conveniência do regime”, desautorizasse o Estado Novo. No caso específico do diplomata era não concordar com a admissão de Getúlio Vargas na ABL.

No artigo “Página de um diário”, datado de 1945, o próprio diplomata iria abordar a polêmica correspondência retida e os motivos que levaram à sua aposentadoria por ocasião da visita do mesmo Hubert Clinton Herring, autor de obra sobre as relações entre Argentina, Brasil e Chile com os Estados Unidos508. Para ele, a obra de Herring descrevia “as deficiências e as realizações da América Latina, num momento tão grave para todos” e ao mesmo tempo, não poupava palavras para descrever como se achava o Estado Novo, “sob a máscara democrática”.

Contendo observações de ordem pessoal, que fora preferível omitir, o livro dava, contudo, uma impressão objetiva de nossa duvidosa posição internacional àquela época. Eu não conhecia nem de vista o Sr. Herring, nem com ele tivera correspondência verbal ou escrita, direta ou indireta. Somente agora fiz o seu conhecimento, na visita com que me distinguiu. Vinha pedir-me desculpas pelo mal que me fizera, pois, segundo soubera, eu havia sido demitido e aposentado por sua causa. Por mais que meditasse, não podia achar ligação entre o seu livro e a minha retirada do serviço diplomático. [...] Expliquei- lhe que o fato era verdadeiro, mas que ele não tinha culpa509.

Segundo o diplomata, o então Ministro das Relações Exteriores Oswaldo Aranha havia enumerado dois motivos que levaram à demissão em 1942: a propaganda do livro de Herring no Brasil feita por ele e a manifestação de “sentimentos íntimos sobre a administração brasileira” em cartas para amigos no Brasil. Das cartas, espantava-se Hélio Lobo ao saber que haviam sido retidas pela censura varguista tanto a supramencionada e outra, em que falava sobre o encontro que tivera com Otávio Mangabeira e Washington Luís nos Estados Unidos. Em suas palavras, “eu havia cometido o crime de os esperar naquela cidade [Nova Iorque] e de referir- me aos mesmos em termos do mais alto apreço”.

Sobre as eleições na ABL, enfatizava que sua posição no pleito de Getúlio Vargas ia de encontro com os propósitos da instituição, “guarda por excelência da liberdade de pensamento”.

507 __________. Constituição (1937). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Disponível http://www.planalto.gov.br/ccivil03/constituicao/constituiC3A7ao37.htm Acesso em 3 de novembro de 2012. 508 HERRING, Hubert. C. Good Neighbors Argentina Brazil Chile and Seventeen Others Countries. New Haven: Yale University Press, 1941.

No entanto, havia ela admitido “em seu seio e em regime especial a quem havia suprimido essa liberdade como jamais acontecera no país”.

Cada um dos companheiros terá votado como melhor lhe pareceu. Para mim a questão era fundamental, só podendo resolver-se pela negativa. Estávamos no fastígio do poder pessoal, quando a nação parecia morta, e apenas se preparava para a grande reação que ia vir. Assim acontece sempre que a tirania flagela os homens. Lembrou-me o Brasil de então a Roma dos Césares, comparado Augusto a Júpiter, com a vantagem para o primeiro, deus visível, enquanto o outro não passava de imaginário510.

Dentre as perdas de Hélio Lobo para além da diplomacia, estava a exclusão como integrante das Conferências da Organização Internacional do Trabalho e também da Universidade de Princeton nos Estados Unidos, onde trabalhou com o ensino de português entre 1941 e 1942, por intermédio da ABL. Naquela universidade, o diplomata era respeitado não por ter somente inaugurado a cadeira de português, mas por tê-la incorporado ao currículo de línguas modernas da instituição valorizando a cultura do país. Em nota sobre uma conferência do diplomata, de 1943 a Universidade de Princeton o qualificou como “um fascinante escritor, tão bom quanto um eminente diplomata”, ao mesmo tempo em que transcrevia excertos elogiosos do discurso de Hélio Lobo sobre os métodos de ensino e a qualidade da instituição511.

Até o fim do Estado Novo, Hélio Lobo não conseguiu sua reinserção formal na diplomacia, embora tenha ocupado uma posição de destaque na vida pública em 1945, a convite do embaixador Hildebrando Accioly no contexto de comemoração do centenário de Rio Branco. Nesse sentido, Hélio Lobo se tornou diretor do Instituto que levou o nome de Rio Branco e deveria cuidar da formação dos diplomatas brasileiros. Não permaneceu no cargo mais do que três meses, justificando sua saída por motivos de saúde512.

Apenas em 1947 a possibilidade de reversão lhe apareceu através da lei de número 171, aprovada em 15 de dezembro, que regularizava a situação dos reformados e aposentados pelo artigo 177 da Carta Constitucional de 1937513. Apesar de formalizar o pedido de reforma junto ao Estado Brasileiro, Hélio Lobo não conseguiu a reintegração em um primeiro momento, pois teve o pedido indeferido. Em carta a Rosalina Coelho Lisboa, jornalista defensora dos direitos da mulher, Raul Fernandes, então chanceler, comentou a recusa de Hélio Lobo em aceitar a

510 Ibidem.

511 PRINCETON. Former professor of portuguese describes Princeton’s aims and methods in Brazil talk. The

Princeton Bulletin. New Jersey, 18 de outubro de 1943, p.3.

512 DIÁRIO DA NOITE. São Paulo, 24 de janeiro de 1947. Pasta 11, Arquivo da ABL.

513 Cf. BRASIL. Lei nº 171, de 15 de dezembro de 1947. Regulariza a situação dos reformados e aposentados pelo artigo 177, da Carta Constitucional de 1937. Senado Federal. <

http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=79149> Acesso em 10 de dezembro de 2012.

renovação de sua participação na OIT em razão da negação de seu pedido e explicou o quão difícil seria conseguir a reversão do diplomata em tempos tão nebulosos514.

O diplomata-historiador parecia não vislumbrar mais qualquer oportunidade na carreira de forma oficial. É o que expunha em carta, à mesma Rosalina Lisboa, manifestando-lhe as dificuldades financeiras que vinha suportando e o constrangimento decorrente da negativa de seu pedido, sem deixar de agradecer o empenho tanto de Raul Fernandes quanto de Hildebrando Accioly para que o conseguisse515.

A querela foi resolvida dois anos depois com a intervenção contínua de Raul Fernandes, chanceler durante o governo de Eurico Gaspar Dutra (1946-1951), que pediu a reconsideração do pedido e conseguiu - mediante parecer do Consultor Geral da República Haroldo Valadão - a reversão ao corpo diplomático. Nas palavras deste,

A lei nº171 não subordinou a reversão, que veio conceder como uma satisfação aos funcionários e militares, vítimas de arbitrariedade da ditadura, a outras condições além das que, expressamente, prescreveu. A reversão estabelecida na Lei 171 constitui um ressarcimento, não apenas de ordem material, mas sobretudo de natureza moral. É, no caso, o reconhecimento da injustiça que representou para o funcionário a sua disponibilidade, a juízo do Governo ditatorial, sob a alegação de conveniência dos interesses da nação. A questão da aposentadoria é problema independente da reversão, a ser estudada posteriormente, em processo distinto516.

O processo de reintegração à diplomacia deixou algumas “sequelas” à carreira de Hélio Lobo para além das já mencionadas. Entre elas, a repercussão de suas obras, que já não possuía o mesmo alcance de antes de O pan-americanismo e o Brasil. Foi o caso de O domínio do Canadá, A lição suíça e Rio Branco e o arbitramento com a Argentina, além de obra em conjunto com Afonso Bandeira de Melo intitulada sobre os trabalhos entre Genebra e Montreal517.

A obra sobre o Canadá, conforme o diplomata havia mencionado em carta a Levi Carneiro, era fruto das impressões sobre “aquele país cujos brasileiros desconheciam” mesmo estando em seu próprio continente. Nota-se que o objetivo da obra era superficial, ou seja, apenas divulgar informações de modo enciclopédico sobre o domínio do Império Britânico na

514 Carta de Raul Fernandes a Rosalina Coelho Lisboa, 18 de agosto de 1948. Arquivo Rosalina Coelho Lisboa, CPDOC, classificação RCL.

515 Carta de Hélio Lobo a Rosalina Coelho Lisboa, 27 de agosto de 1949, Arquivo Rosalina Coelho Lisboa, CPDOC, classificação RCL c 1948.08.27.

516 VALLADÃO, op. cit., p.247. Sobre a reversão ao corpo diplomático e a aposentadoria, conferir A Gazeta de São Paulo em 8 de janeiro de 1949, que noticiou o fato relatado por Haroldo Valadão.

517 LOBO, Hélio. O domínio do Canadá. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1942. Idem. Rio Branco e o

arbitramento com a Argentina. Rio de Janeiro: José Olympio, 1952 (Col. Documentos brasileiros) e

BANDEIRA DE MELLO, A.; LOBO, Hélio. Genebra e a paz. Rio de Janeiro, 1944 (separata da Revista do Instituto de Estudos Brasileiros).

América, como geografia, raça e população, economia, instituições políticas e as relações exteriores. Esse tópico, especificamente, chamou atenção do autor, que entendia haver no Canadá um elo entre a América e a Europa perceptível na duplicidade dos idiomas e na “expressão espiritual” dos habitantes. Percebia-se o fato no presente, em tempos de guerra, não no passado, distante e que os opunha aos Estados Unidos e ao pan-americanismo. Embora a integração canadense fosse concreta apenas com os britânicos, o diplomata-historiador notava um “entendimento crescente” entre aquele país e seu continente, intermediado pelos estadunidenses518.

Em Genebra e a Paz foram narrados os trabalhos das comissões brasileiras perante a OIT e a Corte de Justiça Internacional, além de tarefas relativas à cooperação intelectual e econômica no início da década de 1940. Da primeira parte da obra encarregou-se Hélio Lobo de tecer comentários, apesar de explicitar que não era seu intuito “versar sobre a obra política da Sociedade das Nações através dos vinte anos de sua agitada existência, senão lembrar alguns aspectos de sua obra técnica” 519.

No entanto, sua visão de mundo faz-se presente quando procura explicar o processo que levou ao fracasso da Sociedade das Nações, certame do qual havia indiretamente participado em sua gênese, em 1919. O diplomata entendia que o “tamanho dos países, grandes ou pequenos” não era a principal causa da fragmentação de interesses daquela instituição, e sim o excessivo “zelo” dos países participantes, que passaram a decidir os assuntos mediante votação e aprovação unânimes, dificultando o andamento de seus trabalhos e tornado suas sanções extremamente fortes520. Ainda que a guerra houvesse colocado em xeque a Sociedade das Nações, o diplomata brasileiro ainda acreditava na construção de uma “nova instituição”.

Seja como for, o que não padece dúvida é que, na obra de feição técnica de Genebra, há uma base tal de experiências e de realizações, que seria absurdo dela abrir mão. Os funcionários especializados - cerca de mil - que a guerra dispersou, as diretrizes estabelecidas, em vinte anos de contínua ação, esse complexo trabalho de cooperação entre homens de mentalidades diferentes e línguas diversas, que havia atingido nos laboratórios do Lago Lemano, o mais alto rendimento, tudo isso pode mobilizar-se ao primeiro chamado. Nada se improvisa, na lenta caminhada das nações, para uma vida melhor. O “capital espiritual de Genebra” foi adquirido com muita perseverança e labor. Não o dissipemos por preconceito, imprudência ou falta de visão521.

518 Idem, op. cit., 1942, p.135-147.

519 Um pequeno texto que enumerava aspectos técnicos da Conferência Internacional do Trabalho em 1947 foi publicado por Hélio Lobo sob patrocínio do Itamaraty. Preferiu-se não abordá-lo em seus pormenores em razão da ausência de reflexões pertinentes ao objeto da tese. O mesmo se deu com outro texto em que o diplomata abordava “O problema dos deslocados” da Segunda Guerra Mundial e que veio integrar a obra “A lição suíça”, que abordava a neutralidade desse país durante o conflito de 1939-1945, sendo publicado em 1949.

520 Idem, op. cit., 1944, p.8-9. 521 Idem, op. cit., 1944, p.21.