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Os afetos ativos e passivos: a “explicação” da definição 3 da parte 3

2 OS LIMITES VIGOTSKIANOS-EXPERIMENTAIS DA TEORIA DE JAMES-

4.1 Os pressupostos filosóficos da hipótese de Vigotski

4.1.4 A afetividade na Ética – demonstrada à maneira dos geômetras

4.1.4.3 Os afetos ativos e passivos: a “explicação” da definição 3 da parte 3

Na definição 3 da parte 3 da Ética somos apresentados a uma “explicação” dessa definição. Essa explicação trata das diferenças entre ação e paixão.

Admitindo que os afetos são as afecções do corpo e as ideias das afecções que, ao mesmo tempo, podem constituir uma variação na potência desses corpos, o afeto do tipo ação surge quando somos a causa adequada dessas afecções. Do contrário, quando não somos a causa adequada dessas afecções acontece o afeto do tipo paixão. Isso também pode ser compreendido pela proposição 1 da parte 3: “Proposição 1. A nossa mente, algumas vezes,

age: outras, na verdade, padece. Mais especificamente, à medida que tem ideias adequadas, ela necessariamente age; à medida que tem ideias inadequadas ela necessariamente padece”. (ESPINOSA, 2008, p. 165)

Nesses termos, as diferenças entre afetos ativos e passivos pode ser pensada com base nas definições 1 e 2 da parte 3. Na definição 1, é apresentada a diferença entre causa adequada e causa inadequada. Causa adequada é aquela cujo efeito pode ser percebido clara e distintamente por ela mesma. Causa inadequada ou parcial é aquela cujo efeito não pode ser compreendido apenas por ela mesma, demandando a presença de um elemento externo: “1. Chamo de causa adequada aquela cujo efeito pode ser percebido clara e distintamente por ela mesma. Chamo de causa inadequada ou parcial, por outro lado, aquela cujo efeito não pode ser compreendido por ela só”. (ESPINOSA, 2008, p. 163)

Na definição 2, Espinosa aborda a situação na qual agimos ou realizamos ações. Isso ocorre quando podemos ser causa adequada de alguma coisa. Somos causa adequada de algo, em nós ou fora de nós, quando esse algo se segue de nossa natureza e pode ser clara e distintamente compreendido apenas por essa natureza. O inverso disso significa que padecemos ou sofremos paixões, ou seja, somos causa inadequada de alguma coisa em nós ou fora de nós:

2. Digo que agimos quando, em nós ou fora de nós, sucede algo de que somos a causa adequada, isto é, (pela def. prec.), quando de nossa natureza se segue, em nós ou fora de nós, algo que pode ser compreendido clara e distintamente por ela só. Digo, ao contrário, que padecemos quando, em nós, sucede algo ou quando de nossa natureza se segue algo de que não somos causa senão parcial. (ESPINOSA, 2008, p. 163)

A causa adequada pode ser relacionada às ideias adequadas, já a causa inadequada pode ser vinculada às ideias inadequadas. As ideias adequadas são ideias claras e distintas, as quais estão internamente determinadas pela própria mente.

As ideias inadequadas são ideias confusas e multiladas, que estão externamente determinadas pelo encontro fortuito com as coisas. Esse pensamento pode ser relacionado com a proposição 3 da parte 3: “Proposição 3. As ações da mente provêm exclusivamente das ideias adequadas, enquanto as paixões dependem exclusivamente das ideias inadequadas”. (ESPINOSA, 2008, p. 173)

A respeito dessa diferença entre ações e paixões, Deleuze argumenta que a eventual compreensão da mesma, necessita de outra diferença anterior, que possa elucidar um pouco mais a diferença entre ações e paixões. Essa diferença a qual se refere Deleuze trata de

dois tipos de paixão: paixões tristes e paixões alegres: “Eis por que, do ponto de vista dos afetos, a distinção fundamental entre dois tipos de paixão, paixões tristes e paixões alegres, prepara outra distinção bem mais diversa entre as paixões e as ações”. (DELEUZE, 2004, p. 57)

Espinosa trata disso no escólio da proposição 11 da parte 3. Nessa proposição, a alegria é considerada uma paixão por meio da qual a mente passa de uma perfeição menor para outra maior, isto é, a alegria permite que ocorra um aumento de potência. Já a tristeza é uma paixão pela qual a mente passa de uma perfeição maior para uma menor, cujo equivalente consiste na redução da potência.

Daí que, quando a alegria está referida, ao mesmo tempo, à mente e ao corpo, ela é chamada de excitação ou contentamento. No caso da tristeza, quando ela está referida, ao mesmo tempo, à mente e ao corpo, pode ser chamada de dor ou melancolia.

Espinosa ainda ensina que a excitação e a dor estão referidas ao homem quando uma de suas partes é mais afetada do que as restantes. O contentamento e a melancolia estão referidos aos casos em que todas as partes do homem são igualmente afetadas:

Escólio. Vemos assim, que a mente pode padecer grandes mudanças, passando ora a

uma perfeição maior, ora uma menor, paixões essas que nos explicam os afetos da alegria e da tristeza. Assim, por alegria compreenderei, daqui por diante, uma paixão pela qual a mente passa a uma perfeição maior. Por tristeza, em troca, compreenderei uma paixão pela qual a mente passa a uma perfeição menor. Além disso, chamo o afeto da alegria, quando está referido simultaneamente à mente e ao corpo, de excitação ou contentamento; o da tristeza, em troca, chamo de dor ou melancolia. Deve-se observar, entretanto, que a excitação e a dor estão referidos ao homem quando uma de suas partes é mais afetada do que as restantes; o contentamento e a melancolia, por outro lado, quando todas as suas partes são igualmente afetadas. Quanto ao desejo, expliquei-me no esc. da prop. 9. Afora esses três, não reconheço nenhum outro afeto primário. (ESPINOSA, 2008, p. 178-179)

O esclarecimento que esse escólio nos fornece, permite que elaboremos outro problema: se desejo, alegria e tristeza são afetos primários, como é possível compreender os demais afetos? Antes de desenvolver esse problema, é necessário visitar outra questão: em que consiste o desejo para Espinosa?

Em nossa seção 4.1.3, apresentamos o desejo a partir da Definição dos afetos da parte 3 da Ética: “1. O desejo é a própria essência do homem, enquanto esta é concebida como determinada, em virtude de uma dada afecção de si própria, a agir de alguma maneira.” (ESPINOSA, 2008, p. 237). Entretanto, pelo teor do escólio da proposição 11, da parte 3, Espinosa faz uma referência à explicação sobre o desejo que ele fornece no escólio da

proposição 9 da parte 3. Sendo assim: “Pode-se fornecer, assim, a seguinte definição: o desejo é o apetite juntamente com a consciência que dele se tem.”

É prudente lembrar que o apetite, enquanto componente dessa definição de desejo, é o esforço que constitui o “conatus” aplicado, ao mesmo tempo, à mente e ao corpo. O “conatus” é o esforço que cada coisa realiza em perseverar em existir. O desejo é, nesse sentido, dotado de dois elementos fundamentais: o apetite acompanhado da consciência que se tem dele, isto é, apetite e consciência.

Como a noção de apetite já foi explicitada, é cabível, para colaborar no esclarecimento da definição de desejo em que estamos trabalhando, elaborarmos o seguinte problema: o que é a consciência para Espinosa?

Deleuze (2004, p. 65-66) caracteriza a consciência como a propriedade da ideia em duplicar e desdobrar a si mesma ao infinito: ideia da ideia. Essa ideia da ideia ou ato de pensar os próprios pensamentos e de representar as próprias representações possui três características: reflexão, derivação e correlação.

A reflexão dispõe que a consciência não é a propriedade de um sujeito, porém a propriedade física da ideia. A derivação consiste no fato de que a consciência é posterior à ideia de que é consciência de alguma coisa ou representação. A correlação é a relação da consciência com a ideia de que é consciência, como se fosse a relação entre uma representação e um objeto do conhecimento, que está sendo estudado por essa representação.

A consciência, enquanto duplicação e desdobramento das ideias ao infinito, aplicada ao apetite, como esforço simultâneo, em continuar a existir por parte da mente e do corpo caracteriza o desejo.