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3 EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: EM DEFESA DA FORMAÇÃO HUMANA

3.1 OS ANOS DE 1990 E A GLOBALIZAÇÃO

A década de 1990 foi de vitórias para o neoliberalismo7 pelo mundo e a

globalização facilitou sua rápida chegada ao Brasil. Logo no início, o Sistema S ganha reforço com a Lei nº 8.315/91, que cria o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural – SENAR, para tentar conter o êxodo rural.

O discurso crítico às Escolas Técnicas Federais era severo como relatam Roballo e Lottermann (2016):

A redemocratização do Brasil registrou intensas críticas quanto à finalidade da Rede de Educação Federal, considerada por alguns como uma estrutura de ensino de altos custos para os cofres públicos e, por outros, elitista e a serviço do capital. (...) Estas discussões começaram a ganhar força no seio da política nacional, principalmente nos governos neoliberais da década de 90, provocando profundas mudanças na EPT do país (HAMES; ZANON; PANSERA-DE-ARAÚJO, 2016, p. 45-46).

As ameaças à Rede Federal de Educação Profissional continuam até os dias de hoje, quando novamente é retomado o discurso de que os gastos com Educação Pública são excessivos e as suas instituições improdutivas.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº. 9394, de 1996, deixou lacunas na regulamentação da educação profissional, permitindo brechas que ameaçavam a formação integral que possui bases politécnicas em seus currículos.

7 O termo neoliberalismo, surgiu nos Estados Unidos, centrado na chamada Escola de Chicago, na

segunda metade do Século XX. Refere-se a uma nova racionalidade econômica, fundada no princípio de que os processos econômicos não são mais vistos como naturais (como era no Liberalismo) mas devem ser produzidos, conduzidos e controlados pelos homens. Trata-se agora de um Estado que se põe a serviço do mercado. Inverte-se a lógica do Liberalismo clássico do Século XVIII, em que, como afirma Foucault, “deve-se governar para o mercado, ao invés de governar por causa do mercado” (VEIGA-NETO, 2017, p. 279-280).

Demonstra também que o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) foi muito hábil ao tratar das reivindicações da classe trabalhadora por acesso e permanência na rede pública, quando

(...) com a nova LDB, tratou de desresponsabilizar o Governo Federal pela promoção da educação básica através dos processos de municipalização (da educação infantil e do ensino fundamental); de expansão das redes estaduais (ensino médio e profissionalizante); e das parcerias com a sociedade civil (cursos de capacitação, qualificação e re-qualificação) (NEVES, 2009, p.159).

O Decreto nº. 2.208, de 1997 (governo FHC) veio preencher uma dessas brechas, inspirado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, que assumiu o financiamento de políticas públicas para a Educação de Nível Médio brasileira, após a gradativa retirada do Banco Mundial da Educação Secundária.

Tal decreto, aliado aos recursos do Programa de Expansão da Educação Profissional – PROEP, demonstrava a intenção de construir uma alternativa à universidade pública, quando se refere às modalidades de Nível Técnico e Tecnológico.

(...) a reforma expressa a continuidade da lógica da dualidade estrutural dos sistemas educacionais: no ensino médio, a separação entre a educação profissional e o ensino regular amplia a dualidade que se estende ao ensino superior por meio de cursos de tecnologia de curta-duração, destituídos de aprofundamento científico e tecnológico, limitados à atividade de ensino dissociada da extensão e da pesquisa, constituindo um modelo de ensino superior de baixo custo, alternativo ao modelo universitário (LIMA FILHO, 2002, p. 279).

E vai além. Para serem merecedoras desses recursos, instituições candidatas deveriam apresentar seus projetos e atender a certos requisitos de uma base de indicadores de qualificação técnica, estabelecida pelo PROEP. Uma dessas pré- condições é a separação dos cursos de Nível Médio dos cursos Técnicos.

A análise dos mencionados ‘critérios de elegibilidade’ e dos ‘indicadores técnicos’ relativos à utilização dos recursos do PROEP pelas instituições de educação profissional revela que os mesmos [...] representam condicionantes da implantação de uma determinada lógica e modelo educacional, em que se destacam como diretrizes fundamentais a separação entre o ensino regular e a educação profissional e a orientação econômica desta última, segundo um modelo de oferta, gestão e financiamento privado, regulado pelos mecanismos de mercado (LIMA FILHO, 2002, p. 281).

Com o foco desviado e objetivos deturpados, afasta-se cada vez mais do propósito de formação para o trabalho complexo, que visasse o desenvolvimento autônomo da ciência e da tecnologia. O sucateamento das universidades durante esse período e a crescente precarização do trabalho pedagógico dentro das escolas estaduais de ensino médio, regidas por governos que flertavam com o neoliberalismo, foram reflexos da desqualificação da educação profissional do Brasil de FHC. Foi possível perceber que a preparação para o trabalho prevaleceu sobre conhecimentos gerais, contribuindo para a alienação da classe trabalhadora quanto a sua realidade política, social e cultural (NEVES, 2009, p. 142).

Embora sua implantação tenha ocorrido em escolas das redes estaduais e na rede federal, a reforma da educação profissional, pelo Decreto nº 2.208/97, não conseguiu cumprir algumas promessas, como o fim de sua elitização, que foi agravada, visto que a obrigatoriedade da oferta do Ensino Médio no turno diurno, inclusive em regime de concomitância com cursos técnicos, forçando uma dupla jornada, dificultou seu acesso e permanência pela população mais pobre. O fato desse público precisar entrar no mundo do trabalho durante a adolescência, muito antes das classes média e alta, por exemplo, o colocava às margens de uma escola de turno integral. Também houve significativa redução de vagas nos cursos gratuitos.

Lima Filho (2002, p. 289) avalia esta reforma como “uma estratégia de utilização de recursos públicos para a desestruturação, desescolarização e empresariamento da instituição pública”, privilegiando a oferta de cursos pagos e criando um mercado privado de Educação Profissional.

Como era de se esperar, seções e centrais sindicais mantiveram as discussões acesas com as associações industriais e comerciais, enquanto que, do lado de dentro das escolas e universidades, professores, pesquisadores sobre educação e trabalho e estudantes também resistiram à reforma, principalmente ao Projeto de Lei nº 1603, que tramitava pelo Congresso em 1996, antes mesmo da promulgação da LDB. Este PL separava o Ensino Médio da Educação Profissional. Ainda que sem grandes êxitos imediatos, estas entidades lutaram para manter a educação profissional como um direito político e social de qualificação profissional.

Em função dessa resistência e da iminência da aprovação da própria LDB no Congresso Nacional o governo FHC, estrategicamente, diminui a pressão com relação ao trâmite do PL 1603, uma vez que a redação dos artigos 36 – ensino médio – e 39 a 42 – educação profissional – possibilitavam a regulamentação na linha desejada pelo governo por meio de Decreto do

Presidente da República. Foi isso o que realmente veio a ocorrer em abril de 1997, poucos meses após a promulgação da LDB ocorrida em dezembro de 1996. Dessa forma, o conteúdo do PL 1603 foi praticamente todo contemplado no Decreto nº 2.208/1997. Assim sendo, o governo federal de então fez prevalecer o seu intuito de separar o ensino médio da educação profissional sem ter que enfrentar o desgaste de tramitar um Projeto de Lei ao qual havia ampla resistência, caracterizando seu caráter antidemocrático nesse episódio (MOURA, 2007, p. 16).

Entretanto, algumas dimensões revestidas de positividade, apontadas pela reestruturação produtiva da globalização da economia e refletidas na LDBEN nº 9.394/1996 são enfatizadas por Kuenzer (2000, p. 33). Entre elas, estão: o Ensino Médio ganha identidade própria quando deixa de ser apenas uma intermediação entre o Ensino Fundamental e o Superior, passando a ser considerado a última etapa obrigatória da educação básica, formada também pela Educação Infantil e Ensino Fundamental; com isso, há o reconhecimento da necessidade de expansão de sua oferta, de forma que alcançasse à toda população de adolescentes menores de idade, sendo que a partir de 18 anos, há a oferta de cursos na modalidade Educação para Jovens e Adultos - EJA; a compreensão de que não é mais possível a formação profissional sem uma base sólida de educação geral, deixando de ser tratada como mera aquisição de modos de fazer.