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CAPÍTULO 1: A S POPULAÇÕES TRADICIONAIS , OS QUILOMBOLAS E OS ANTILHANOS :

1.3 Os Antilhanos e o paradoxo republicano

Como discutiremos mais pormenorizadamente, o caso dos Antilhanos difere sensivelmente da questão das populações tradicionais e das comunidades remanescentes de quilombos no Brasil em virtude da lógica republicana de recusa a qualquer tipo de tratamento diferenciado ao “cidadão francês”. O republicanismo francês é marcado por um viés fortemente universalista e, portanto, avesso a qualquer tipo de relação no espaço público que remeta a particularismos. Desse modo, a ideologia do “cidadão universal” tem conseqüência direta tanto no que diz respeito às políticas públicas direcionadas às “minorias”, bem como no que concerne a produção sociológica e antropológica sobre o negro e outros grupos étnicos-raciais na França. Consequentemente, há em certa medida, se comparada, por exemplo, à produção sobre o tema no Brasil, uma enorme invisibilidade sobre os estudos da questão negra e de problemas étnicos no espaço público francês. Como salienta Stavo-Debauge “não existem objetos que sejam descritos sob a categoria ‘negro na França’ para as Ciências Sociais francesa” (Stavo-Debauge, 2007: 02). Tal problemática, segundo ele, foi adiada porque os sociólogos e antropólogos franceses abandonaram esse campo da “cultura” e das comunidades, permanecendo “surdos” para a questão da etnicidade, pelo menos até a metade dos anos 90 do século XX. Segundo Stavo-Debauge:

quando nos debruçamos sobre a literatura francesa contemporânea relativa ao gênero da sociologia e antropologia, não achamos ‘negros na França’. Caso nos deparemos com ele, a gente pode ler sobre as famílias africanas, os estudantes africanos, os agentes públicos domiens18, os migrantes advindos da África e que podem ser distribuídos entre grupos nacionais, regionais e mesmo étnicos. A gente cruza com sans-papiers19, com Antilhanos, com grupos de contornos imprecisos que seriam classificados com o indigno status de indigènes20 ou mesmo

18 Domiens é a categoria atribuída para as pessoas provenientes dos departamentos de outre mer. Na França os départements d'outre-mer (DOM), que são também régions d'outre-mer, são coletividades territoriais integradas à República Francesa.

19 Estrangeiro em território francês que não possui os documentos de identificação em dia.

20 Na França este termo possui um caráter pejorativo, pois remete a uma definição etnocêntrica sobre as populações colonizadas pela Nação Francesa. Tem ainda um significado de distinção entre a idéia de “civilidade” e “barbárie”. Este termo remete ao regime do indigenato que vigorou na França até 1947, cuja função era estabelecer regras específicas sobre a conduta dos grupos colonizados.

aquele, um pouco mais desejado, de imigrante, mas também de

tirailleurs sénégalais21. Existem rostos e figuras, mas não há negros. Entretanto, há massivamente uma questão, no conjunto das Ciências Sociais desses últimos anos, a respeito dos processos, tidos intrinsecamente como negativos, que respondem pelos nomes de ‘etnicização’, ‘racialização’ das relações sociais. Sob a descrição ‘negro’ não achamos nada, mesmo quando se trata de um mundo de categorizações incontestavelmente ajustadas aos números equivocados, mas rapidamente mascarados sob essa palavra chave ‘etnicização das relações sociais’ (Stavo Debauge, 2007: 3).

Esta invisibilidade teórica-política sobre o papel da população negra na França reflete essa dificuldade do olhar republicano jacobino em conceber esta multiplicidade da formação nacional francesa. Pois a França, assim como outros diversos países europeus, desempenhou um importante papel no período de expansão colonial no século XVI. Este processo de expansão às “Américas e África” foi sustentado pela premissa de que a sujeição destes “povos” concebidos como “primitivos” permitiria sua redenção ao processo civilizatório. Desse modo, tanto a população negra africana, bem como os ameríndios da América do Sul e Norte eram conceituados, no período colonial do século XVI, pelos europeus colonizadores, como grupos sociais inferiores hierarquicamente em virtude, como vimos acima, das diferenças filogenéticas.

As concepções relativas às populações negras na França em particular, oscilam entre a noção do “selvagem” e do negro “dócil e servil”, assim como descrito no Code

Noir (ver Anexo 4), de 1685, cujas justificativas para a escravidão assinalam bem esse

caráter civilizatório. De acordo com o Code Noir:

comme nous devons également nos soins à tous les peuples que la divine Providence a mis sous notre obéissance, nous avons bien voulu faire examiner en notre présence les Mémoires qui nous ont été envoyés par nos officiers de nos îles de l’Amérique, par lesquels ayant été informés du besoin de notre autorité et justice pour y mantenir la discipline de l’Église catholique, apostolique et romaine, pour y régler ce qui concerne l’état et la

21 Tirailleurs sénégalais são os grupos militares constituídos pelo Império colonial francês em 1857 para a colonização da África.

qualité des esclaves dans nos dites îles, et désirant y pourvoir et leur faire connaître qu’encore qu’ils habitent des climats infiniment éloignés de notre séjour ordinaire, nous leurs sommes toujours présent, non seulement par l’étendue de notre puissance, mais encore par la promptitude de notre application à les secourir dans leurs nécessités”22.

No caso francês, a construção histórica do país está intimamente vinculada com o processo de expansão e, conseqüentemente, das ações centralizadoras do Estado monárquico francês no século XVI e XVII. O processo de expansão do território francês culminou em 1635 no domínio dos territórios de Guadalupe e Martinica. Sendo que em 1676 há a conquista do território da Guiana Francesa, três anos após a inserção da França ao Comércio Triangular dos escravos. Nessa época, a França chegou a ocupar uma posição central no comércio de escravos, sendo a segunda potência do comércio negreiro.

Através do Code Noir, o Rei da França estabeleceu todos os fundamentos relativos ao relacionamento entre brancos e escravos, seus direitos, deveres, as formas de vendas, patrimônios, etc. No seu artigo 44 o Rei Luís XIV “statuant et ordonnant pour

tous les peuples que la divine Providence mis sous obéissance”, declara “les esclaves être meubles et comme tels doivent entrer dans la communauté”. Importante salientar

que em solo francês, quer dizer, em território metropolitano, os escravos eram livres, “le

sol français affranchit” (Castaldo, 2007: 6). Desse modo, como previsto no artigo 57

ficava decretado que:

leurs affranchissements faits dans nos îles, leur tenir lieu de naissance dans nos dites îles et les esclaves affranchis n'avoir besoin de nos lettres de naturalité pour jouir des avantages de nos sujets naturels de notre royauté, terres et pays de notre obéissance, encore qu'ils soient nés dans les pays étrangers.

Sendo assim, o escravo liberto deveria destinar o respeito aos seus concidadãos e, em especial, ao seu antigo senhor, como proposto no artigo 58: “commandons aux

affranchis de porter un respect singulier à leurs anciens maîtres, à leurs veuves et à

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leurs enfants, en sorte que l'injure qu'ils leur auront faite soit punie plus grièvement”. É

importante frisar que o Code Noir não foi apresentado ao Parlamento em Paris, nem foi registrado por conta da aversão de uma parte da sociedade francesa à escravidão, demonstrando que a ordem pública real estava regida por determinados princípios jurídicos e as colônias por outros. De um lado do Atlântico, o direito natural “proscrit” a escravidão, e do outro, o “bien public” que a postula. Nesse espírito, portanto, a escravatura era contraditória com o costume geral do reino.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 que poderia, a princípio, mudar o curso das relações entre branco e negro com a introdução dos princípios da revolução (liberté, égalite, fraternité) no ordenamento jurídico francês, acomodou em sua estrutura o sistema escravista. Em documento que visava abolir a escravidão se lia “abolida a escravidão dos nègres e declara que todos os homens, sem distinção de cor, são cidadãos franceses”. Um Decreto de 4 de abril de 1794 foi adotado com o propósito de abolir a escravidão. No texto era reproduzido o seguinte princípio “tous les hommes, sans distinction de coleurs, domiciliés dans les colonies,

sont citoyens français, et jouiront de tous les droits assurés par la Constitution”. Mas tal

Decreto teve êxito apenas na Guiana e em Guadalupe, pois a Martinica, ocupada pelos ingleses nesse momento, manteve a escravidão.

Sobre a compreensão dos escravos acerca dos eventos da Revolução de 1789, James (apud Cleaver, 2005: 32) informa:

os radicais concentravam as suas forças no Clube Jacobino, que conduziria a Revolução Francesa à conclusão. (...) Mas, enquanto isso, e os escravos? Eles ouviam falar da Revolução e conceberam-na à sua própria imagem: os escravos brancos da França se levantaram e mataram os seus senhores e, assim, passaram a gozar os frutos da terra. Isso era grosseiramente impreciso, de fato, mas eles haviam apanhado o espírito da coisa. Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

Os eventos de 1789 propiciaram uma mudança no status do negro escravo, na medida que este também incorporou, “cheio de orgulho”, como salienta ironicamente James, o lugar destinado pela République aos novos cidadãos.

Entretanto, os ares da liberdade perduraram pouco tempo para os negros escravos das Antilhas, pois 8 anos após, em 1802, Bonaparte, proclama nova lei da República, “dans les colonies restituées à la France en exécutaion du traité d’Amiens,

du 6 germinal na X, l’esclavage sera maintenu conformément aux lois et réglements antérieurs à 1789”. O general Richepance, encarregado de restabelecer a escravidão

em Guadalupe por conta das sublevações e resistências dos negros contrários ao sistema escravista, determina em Arrêté de 17 de julho de 1802 que “jusqu’à ce qu’il en

soit autrement ordonné, le titre de citoyen français ne sera porté, dans l’étendue de cette colonie et dépendances, que par les blancs. Aucun autre individu ne pourra prendre ce titre ni exercer les fonctions ou emplois qui y sont attachés”. Bonaparte 1º,

três anos depois, determina no código civil das Colônias que o casamento, adoção, direito de sucessão, etc., como direito a ser executados entre blanc e blanc com a justificação que:

considérant que tout temps on a connu dans les colonies la distinction des couleurs, qu’elle est indispensable dans les pays d’esclaves, et qu’il est nécessaire d’y mantenir la ligne de démarcation qui a toujours existé entre la classe blanche et celle de leurs affranchis ou de leurs descendans (sic), etc.

As intenções abolicionistas, fundadas sob o princípio da liberdade, igualdade, fraternidade, esbarravam na compreensão de uma maioria branca que concebia inconciliável a ampliação dos direitos civis e políticos à raça negra “fusionnant pour

ainsi dire avec la race blanche, et en s’exposant ainsi à verser dans le sang européen des altérations que les siècles seuls pourront effacer”, assim como expresso nos termos

dos propriétaires d’habitations do Conselho Especial da Martinica. (Taubira, 2006: 15). De acordo com Castaldo (2006: 16) uma instrução de 28 de março de 1790:

n’écartait pas de la citoynneté ‘active’ les gens de ‘couleur’ qui en remplissaient les conditions, ce qui alimentait à nouveau les controverses sur place. Sur la fin de 24 septembre 1791, après un échange où notamment Barnave s’oppose à Robespierre, les Députés en finissent avec hésitations: la citoyenneté est refusée aux hommes ‘de couleurs’.

Enfim, a abolição da escravidão veio coincidir com os propósitos independentistas e a constituição dos Estados modernos, pois os novos Estados nacionais pressupunham que a presença das populações negras era um dos grandes desafios para a “emancipação e igualdade humana”. Na França, no ano de 1834, um ano após a Abolition Bill que extingue a escravidão na Inglaterra, é criada a Societé

française pour l’abolition de l’esclavage, tendo como membro um dos proeminentes

intelectuais da época, Victor Schoelcher. Uma lei é proposta em 1838 de modo a estabelecer um plano de emancipação gradual da escravidão. Em 1845 uma lei modifica o regime colonial com a mudança da categoria “escravo” que se torna “pessoas não livres”.

Com a Revolução de 1848, uma das principais medidas do Governo provisório foi a promulgação do fim da escravidão. Uma comissão presidida por Victor Schoelcher é criada em 04 de março do mesmo ano com a finalidade de preparar o ato de emancipação em todas as colônias, sob a justificação de que “l’esclavage est un

attentat contre la dignité humaine; qu’en détruisant le libre arbitre de l’homme, il supprime le principe naturel du droit et du devoir; qu’il est une violation flagrante du dogme républicain ‘Liberté-Égalite-Fraternité’ “, como exposto no preâmbulo do Decreto

da abolição da escravatura, assinado em 27 de abril de 1848. Em cada uma das colônias a proclamação do fim da escravidão se deu em um período distinto. Na Martinica ocorreu em 23 de maio, em Guadalupe em 27 de maio, na Guiana em 10 de agosto e nas colônias africanas apenas 3 anos após o decreto que veio abolir definitivamente a escravidão. O Decreto de 27 de abril propunha au nom du peuple

français abolir a escravidão em todas as colônias e possessões francesas sob o

princípio “que le sol de la France afffranchit l’esclavage qui le touche est applicable aux

colonies et possessions de la République”, como propunha o art 7 do Decreto.

O processo de emancipação dos escravos estava por um lado marcado pela ideologia republicana, cujos princípios fundadores se contrapunham ao da escravidão, mas por outro lado tinha uma base moral muito forte no que concernia ao controle dos corpos e do tempo dos ex-escravos. Tal princípio estava vinculado às noções dicotômicas de trabalho versus vadiagem, trabalhador versus vagabundo. Um texto do

governador de Guadalupe publicado em 25 de fevereiro de 1848 é paradigmático sob este ponto de vista:

la liberté qui va venir... ce sont vos maîtres qui l’ont demandée pour vous. L’ancien gouvernement vous l’avait refusée, parce qu’íl voulait que chacun de vous se rachetât, mais la République au contraire va vous racheter tous à la fois. Il faut prouver que vous comprenez que la liberté n’est pas le droit de vagabonder, d’abandonner les habitations, de quitter les cases de vos maîtres, mais bien le droit de travailler pour soi-même. En France, tous les gens libres travaillent plus encore que vous qui êtes esclaves, et ils sont bien moins heureux que vous, car là-bas, la vie est plus difficile qu’ici (apud Castaldo, 2006: 28)

Este texto está alinhado com outro informe difundido pelo Comissário Geral da República francesa, que adverte os ex-escravos da Guiana quanto à aproximação da liberdade efetiva e expressa outra dimensão sobre o lugar do negro: a da ordem e respeito aos princípios republicanos.

meus amigos, vocês estão a ponto de vivenciar uma grande prova. A República vos chamou, sem transição, da escravidão para a liberdade. As colônias estrangeiras contemplam esse espetáculo com surpresa. Não cedam a uma primeira tentação. Pensem e provem a eles, a vocês e aos seus irmãos da Europa que vocês saberão respeitar a nobre divisa da França: A LIBERDADE, A IGUALDADE, A FRATERNIDADE, em um trabalho frutuoso e honrado, na paz pública, nos laços de família, na obediência às leis da religião e da pátria". (Mam Lam Fouck, 2002 apud Cleaver, 2005: 43)

Estas duas visões expressam bem quanto a emancipação dos escravos veio resultar em mudanças significativas sobre o lugar e a representação do negro na sociedade francesa. Nessa circunstância, a França vem mostrar ao mundo que ser francês corresponde também a ser negro. A partir de então, estruturar os valores, comportamentos, o pensamento e as moralidades destes novos cidadãos, numa estrutura de valores comuns, foi o objetivo do Estado francês. Entretanto, esse princípio filosófico veio se confrontar com as representações sociais dos estereótipos do francês “de base”. O desaparecimento da escravidão permanece ligado à proclamação da

Declaração dos Direitos do Homem. Mas a euforia da liberdade adquirida dura pouco, pois os antigos escravos percebem que a “liberté générale” não significa a “égalité

sociale” (Udino, 2007).

É desse modo que, para os Antilhanos que vivem em Paris, a identidade negra revela inúmeras contradições relacionadas à integração dos mesmos ao corpus cívico da República e ao reconhecimento de suas especificidades culturais e identitárias no interior da sociedade francesa. Como salienta Cleaver (2005) a abolição da escravatura, em 1848, é marcada por um processo de “galicização” dos ex-escravos antilhanos. A escola, por exemplo, cumpriu um importante papel na integração das populações libertas, por um lado, mas também promoveu sua marginalização, por outro, com a invisibilidade da história do negro na formação da nação francesa23. Cria- se uma situação paradoxal, onde a igualdade como princípio não revela a igualdade de condições. Como ressalta Cleaver (2005: 44) com relação ao ensino em Guyane:

os conteúdos, as línguas locais, como as línguas businenges, indígenas e créole, assim como os conhecimentos tradicionais e não franceses, são desconsiderados, recalcados e "normalizados" no processo de aprendizagem escolar. O sistema escolar francês reage como se os estudantes, crianças e adultos, fossem tabula rasa e o conhecimento específico sobre e da Guyane passa a ser, pois, algo informal e quase clandestino. A França segue uma política galicizante, cujo objetivo é fazer com que todos os grupos que integram a "Grande França", ou seja, o império colonial francês, partilhem do mesmo sistema de valores, da mesma cultura. Esta política ocorre nos territórios ultramarinos, sem deixar de existir na metrópole. A importância, notadamente, do sistema educacional para a galicização das populações é um aspecto bastante enfatizado.

Esta circunstância paradoxal é que reafirma o sentimento, assim como discutiremos mais detidamente nos próximos capítulos, partilhado entre os antilhanos, de ser “français à part entière et français entièrement à part”, embora tenha havido

23 Um dos exemplos utilizados pelos antilhanos moradores da metrópole é a inexistência de referências da presença dos antilhanos no exército francês na Segunda Guerra Mundial. Eles afirmam que centenas de antilhanos participaram da libertação da França nesse período. Visto pelos antilhanos como um símbolo épico do papel dos negros na história da nação francesa, é relegado a um plano secundário nos livros da história da França. O desconhecimento desse episódio por parte dos franceses metropolitanos significa uma indiferença ou mesmo uma desconsideração ao lugar do antilhanos na sociedade francesa.

alguns esforços da república Francesa para tornar mais equânimes as relações entre a metrópole e as antigas colônias.

Neste processo de mudanças, em 1946, a IV República cria a Union Française. Nesse momento, as "velhas colônias": Guiana, Martinica, Guadalupe e Reunião se tornaram departamentos ultramarinos franceses. Esta mudança de estatuto resultou da política do Pós-Guerra de aproximá-las e integrá-las. Em 1982, uma outra esfera administrativa é criada no âmbito do quadro institucional francês: a Região. Nesse momento, a Guiana já acompanha contemporaneamente a dinâmica da administração pública francesa. A partir desta data, ela passa a ser, além de departamento ultramarino francês, uma região administrativa. Há, portanto, a distinção entre a

Métropole (o hexágono) e os DOM-TOM (départements et territoires d’outre-mer, compostos pela Martinica, Guadalupe, Guiana, Reunião, Nova Caledônia). Sendo que o

DOM agrupou três départements: Guadalupe, a Martinica e a Guiana, concebidos como “zonas da América”, denominados DFA (Départements Français d’Amérique). Sua organização política e administrativa é equivalente à Metrópole. De modo a integrar os habitantes dos départements à vida metropolitana, o Estado francês criou no ano de 1962 o BUMIDOM (Bureau pour le développement des Migrations intéressant les

Départements d'Outre-Mer) com vistas a colaborar para a instalação de milhares de

pessoas provenientes destes países no hexágono24. Em 1983, o BUMIDOM passou a ser denominado Agence Nationale pour l'insertion et la promotion des Travailleurs

d'outre-mer (ANT), tornando-se uma instituição responsável pela inserção social e a

promoção profissional, destituído do caráter institucional vinculado à migração. Essa mudança foi formulada num quadro político de críticas direcionadas aos resultados da política do BUMIDOM que provocou a ruptura, não desejada, dos laços familiares dos habitantes dos départaments com aqueles instalados no hexágono. Como ressalta Udino (2007: 67):

na época do BUMIDOM um número ínfimo de pessoas podia retornar ao seu país natal e, somente, durante as férias. Primeiro, porque o bilhete para Paris era apenas de vinda. Em segundo lugar, o preço do bilhete de retorno era caro. E o retorno ao país